Marie Curie, numa das raras entrevistas que concedeu, resumia em 17 palavras a sua biografia. "Nasci na Polónia. Casei-me com Pierre Curie e tenho duas filhas. Fiz o meu trabalho em França." Telegrama indesmentível, factos cientificamente verificáveis. Falta, porém, uma frase exata - "Mudei o mundo.".Uma revolução anunciada a 26 de dezembro de 1898. Do pequeno laboratório da Rue Lhomond, "uma Belém científica" segundo Henry Labouchere, editor da The London Truth, Marie e o marido, Pierre Curie, anunciaram à Academia de Ciências a descoberta de uma nova e notável substância, à qual se propunham dar o nome de rádio. A teoria da radioatividade, técnicas para isolar isótopos radioativos, e a descoberta, a juntar à do rádio, de um outro elemento, o polónio - homenagem da cientista ao país natal, a Polónia -, conduziram, sob a direção de Marie, aos primeiros estudos sobre o tratamento de neoplasmas: uma das glórias maiores da ciência moderna viria a salvar a vida de milhões de pessoas..À importância da obra alia-se a excecionalidade do criador. É, por isso, duplamente revolucionária. Curie foi a primeira mulher a obter um doutoramento na parisiense Sorbonne. A primeira mulher a ganhar um Prémio Nobel (1903, da Física). A primeira pessoa - e única mulher - a bisar a distinção (em 1911, da Química). A primeira mulher a ser admitida como professora na Universidade de Paris..Marie, dissidente, idealista, crente nas suas capacidades muito mais do que deveria uma mulher da época, era um ser peculiar, obsessivo, de energia inquieta, compartilhando com outros génios uma especial neuroquímica - assim é descrita por Melissa Schilling, docente na Stern School of Business da Universidade de Nova York, em Quirky: The Remarkable Story of the Traits, Foibles, and Genius of Breakthrough Innovators Who Changed the World. .Ève Curie, filha mais nova do casal, dramaturga e pianista, única na família a escapar ao reconhecimento da Academia sueca (Marie, Pierre, a filha Irène Joliot-Curie e o marido desta, Frédéric Joliot, receberam, ao todo, cinco prémios Nobel), recorda uma mãe distraída, muitas vezes exausta, desmaiada, com a cabeça tombada sobre a mesa do laboratório. "Os meus pais levaram uma existência espartana, estranha e desumana", escreveu..À obsessão pela pesquisa científica juntava-se o interesse pela vida familiar. A morte trágica de Pierre, atropelado por uma carroça puxada a cavalo ao largo da Pont Neuf, em Paris, a 19 de abril de 1906, recolheu-a mais do que nunca ao seu mundo..Dos anos de um casamento feliz, na partilha da honra e glória, Paul Appell, presidente da Academia de Paris, escreveu: "M. e Mme. Curie, num piso de asfalto, telhado de vidro quebrado e remendado, quente no verão, aquecido por um fogão de ferro fundido no inverno, realizaram seu trabalho maravilhoso." Sobre mesas desgastadas, Marie Curie preparava o material para a produção de rádio, passava tardes revolvendo, no caldeirão, a massa derretida, radioativa, em dedicação febril, que os levava a reduzir as refeições a pão e café..Casaram-se em Paris em 1895. Contrariando Einstein, que admirando a inteligência da polaca a considerava "fria como um arenque", Marie apaixonou-se a valer. Conheceu Pierre na universidade, em Paris, para onde emigrara à procura de mais instrução. Nascida numa Polónia que, integrada ainda no Império Russo, não permitia o acesso de mulheres à universidade, Maria, ativista das lutas estudantis, abandona o país (do qual sempre sentiu saudades, a ponto de ter ensinado a língua materna às duas filhas)..Marie Curie, nascida Marya Sklodowska em Varsóvia, foi uma aluna brilhante. O gosto pelo estudo vinha da infância, estimulado pelos pais, Ladislas Sklodowski, cientista e professor do Liceu de Varsóvia, e Bronsitawa Boguska, diretora de uma escola de raparigas, que morreria seis meses antes de a filha completar 11 anos..Encorajada pela família, Manya (assim era tratada pelos seus) largou o lugar de governanta que a entristecia há cinco anos e rumou a Paris, onde a irmã mais velha, Bronya, estudava Medicina. Tornava-se então uma das 23 mulheres dos dois mil estudantes de Ciências da Sorbonne, e apenas uma das duas raparigas da área de Ciências..Alugou um sótão num sexto andar do Quartier Latin. Obcecada pelo estudo, obteve a melhor média da classe e não se perdoou por ter sido a segunda melhor a Matemática. Primeira mulher formada em Física na Sorbonne, aonde regressou em 1911, já viúva, para lecionar a cadeira que fora do seu marido. Nesse ano, conheceu o cientista Paul Langevin: apaixonou-se de novo, agora por um homem casado. O caso, tratado nos jornais, chegou a Estocolmo, de onde recebeu a educada sugestão de que talvez fosse melhor não comparecer pessoalmente na cerimónia de entrega do Nobel da Química. Foi. Com a seguinte resposta: "Acredito que não há conexão entre o meu trabalho científico e minha vida privada." Pouco depois, sofreu um colapso nervoso..Marie Curie morreu às seis da manhã do dia 4 de julho de 1934. Coberta de lesões, nunca acreditou que o rádio a tivesse matado. Mesmo fim teve a filha, Irène Joliot-Curie, em 1956, ano em que morreu com leucemia. O genro, Frédéric, teria o mesmo destino..Por desejo expresso de Curie, o funeral foi privado. Os restos mortais da cientista estão no Panteão de Paris desde 1996. Um dos elogios mais certeiros, que a resumem, ouviu-o numa visita à Universidade de Yale: "O génio é raro. Mas mais raro é o rádio. Marie Curie é a combinação de ambos."
Marie Curie, numa das raras entrevistas que concedeu, resumia em 17 palavras a sua biografia. "Nasci na Polónia. Casei-me com Pierre Curie e tenho duas filhas. Fiz o meu trabalho em França." Telegrama indesmentível, factos cientificamente verificáveis. Falta, porém, uma frase exata - "Mudei o mundo.".Uma revolução anunciada a 26 de dezembro de 1898. Do pequeno laboratório da Rue Lhomond, "uma Belém científica" segundo Henry Labouchere, editor da The London Truth, Marie e o marido, Pierre Curie, anunciaram à Academia de Ciências a descoberta de uma nova e notável substância, à qual se propunham dar o nome de rádio. A teoria da radioatividade, técnicas para isolar isótopos radioativos, e a descoberta, a juntar à do rádio, de um outro elemento, o polónio - homenagem da cientista ao país natal, a Polónia -, conduziram, sob a direção de Marie, aos primeiros estudos sobre o tratamento de neoplasmas: uma das glórias maiores da ciência moderna viria a salvar a vida de milhões de pessoas..À importância da obra alia-se a excecionalidade do criador. É, por isso, duplamente revolucionária. Curie foi a primeira mulher a obter um doutoramento na parisiense Sorbonne. A primeira mulher a ganhar um Prémio Nobel (1903, da Física). A primeira pessoa - e única mulher - a bisar a distinção (em 1911, da Química). A primeira mulher a ser admitida como professora na Universidade de Paris..Marie, dissidente, idealista, crente nas suas capacidades muito mais do que deveria uma mulher da época, era um ser peculiar, obsessivo, de energia inquieta, compartilhando com outros génios uma especial neuroquímica - assim é descrita por Melissa Schilling, docente na Stern School of Business da Universidade de Nova York, em Quirky: The Remarkable Story of the Traits, Foibles, and Genius of Breakthrough Innovators Who Changed the World. .Ève Curie, filha mais nova do casal, dramaturga e pianista, única na família a escapar ao reconhecimento da Academia sueca (Marie, Pierre, a filha Irène Joliot-Curie e o marido desta, Frédéric Joliot, receberam, ao todo, cinco prémios Nobel), recorda uma mãe distraída, muitas vezes exausta, desmaiada, com a cabeça tombada sobre a mesa do laboratório. "Os meus pais levaram uma existência espartana, estranha e desumana", escreveu..À obsessão pela pesquisa científica juntava-se o interesse pela vida familiar. A morte trágica de Pierre, atropelado por uma carroça puxada a cavalo ao largo da Pont Neuf, em Paris, a 19 de abril de 1906, recolheu-a mais do que nunca ao seu mundo..Dos anos de um casamento feliz, na partilha da honra e glória, Paul Appell, presidente da Academia de Paris, escreveu: "M. e Mme. Curie, num piso de asfalto, telhado de vidro quebrado e remendado, quente no verão, aquecido por um fogão de ferro fundido no inverno, realizaram seu trabalho maravilhoso." Sobre mesas desgastadas, Marie Curie preparava o material para a produção de rádio, passava tardes revolvendo, no caldeirão, a massa derretida, radioativa, em dedicação febril, que os levava a reduzir as refeições a pão e café..Casaram-se em Paris em 1895. Contrariando Einstein, que admirando a inteligência da polaca a considerava "fria como um arenque", Marie apaixonou-se a valer. Conheceu Pierre na universidade, em Paris, para onde emigrara à procura de mais instrução. Nascida numa Polónia que, integrada ainda no Império Russo, não permitia o acesso de mulheres à universidade, Maria, ativista das lutas estudantis, abandona o país (do qual sempre sentiu saudades, a ponto de ter ensinado a língua materna às duas filhas)..Marie Curie, nascida Marya Sklodowska em Varsóvia, foi uma aluna brilhante. O gosto pelo estudo vinha da infância, estimulado pelos pais, Ladislas Sklodowski, cientista e professor do Liceu de Varsóvia, e Bronsitawa Boguska, diretora de uma escola de raparigas, que morreria seis meses antes de a filha completar 11 anos..Encorajada pela família, Manya (assim era tratada pelos seus) largou o lugar de governanta que a entristecia há cinco anos e rumou a Paris, onde a irmã mais velha, Bronya, estudava Medicina. Tornava-se então uma das 23 mulheres dos dois mil estudantes de Ciências da Sorbonne, e apenas uma das duas raparigas da área de Ciências..Alugou um sótão num sexto andar do Quartier Latin. Obcecada pelo estudo, obteve a melhor média da classe e não se perdoou por ter sido a segunda melhor a Matemática. Primeira mulher formada em Física na Sorbonne, aonde regressou em 1911, já viúva, para lecionar a cadeira que fora do seu marido. Nesse ano, conheceu o cientista Paul Langevin: apaixonou-se de novo, agora por um homem casado. O caso, tratado nos jornais, chegou a Estocolmo, de onde recebeu a educada sugestão de que talvez fosse melhor não comparecer pessoalmente na cerimónia de entrega do Nobel da Química. Foi. Com a seguinte resposta: "Acredito que não há conexão entre o meu trabalho científico e minha vida privada." Pouco depois, sofreu um colapso nervoso..Marie Curie morreu às seis da manhã do dia 4 de julho de 1934. Coberta de lesões, nunca acreditou que o rádio a tivesse matado. Mesmo fim teve a filha, Irène Joliot-Curie, em 1956, ano em que morreu com leucemia. O genro, Frédéric, teria o mesmo destino..Por desejo expresso de Curie, o funeral foi privado. Os restos mortais da cientista estão no Panteão de Paris desde 1996. Um dos elogios mais certeiros, que a resumem, ouviu-o numa visita à Universidade de Yale: "O génio é raro. Mas mais raro é o rádio. Marie Curie é a combinação de ambos."