A lusodescendente de Atães que faz sonhar com medalhas no esqui alpino
O nome é pouco habitual em Portugal - Vanina -, mas o apelido - Oliveira - revela toda a portugalidade da jovem esquiadora que vai representar a bandeira portuguesa nos mundiais de Esqui Alpino, a decorrer em Are, Suécia. Tem apenas 16 anos e um talento que faz a mãe portuguesa, o pai francês e o presidente da Federação de Desportos de Inverno de Portugal (FDI-Portugal) sonhar com medalhas, seja agora ou em Beijing 2022 nos Jogos Olímpicos de Inverno.
Começou a esquiar com apenas 2 anos. Vivia a 50 metros da instância de Saint-Hilaire du Touvet (França) e todos os dias ia esquiar. Por isso foi com naturalidade que o pai, Yannick Guérillot, que chegou a representar a França na Taça da Europa e hoje é instrutor de esqui, além de treinador de Vanina, percebeu que a filha revelava talento para a prática da modalidade. Tanto que mudaram de cidade para que ela pudesse ter o melhor acompanhamento possível.
Aos 5 anos, Vanina iniciou-se nas pistas de neve. "O esqui é a minha paixão e faz parte da minha vida desde os 2 anos. Tenho a sorte de a partilhar com o meu pai, que também é o meu treinador, com o meu irmão mais novo, Emeric, e com a minha mãe", contou ao DN a jovem esquiadora que compete em slalom e slalom gigante.
É portuguesa desde a barriga da mãe. Ainda grávida, Alice, uma portuguesa natural de Grenoble, mas com raízes em Atães, concelho de Guimarães, foi ao consulado para fazer da filha uma cidadã portuguesa, o que aconteceu aos 6 meses. Aos 12 anos o pai desafiou-a a correr por Portugal, já que em França havia dezenas de pessoas para um lugar e todas com muito dinheiro. Dinheiro que a família Guérillot "não tinha", segundo contou ao DN a mãe, lembrando que ela "esquia praticamente desde que começou a andar".
A atleta não hesitou e passou a ser Vanina Oliveira: "Decidi representar Portugal porque sou franco-portuguesa desde que nasci e adoro este país. Toda a minha família materna vive em Atães, e vou regularmente a Portugal à nossa casa de família! Vivo em França, mas adoro Portugal."
E não demorou a mostrar que as medalhas iam fazer parte da sua vida. No ano passado, quando foi ao troféu Borrufa, em Andorra, veio de lá com três ouros. Passou por todas as etapas da formação com vitórias ou pódios até que subiu ao escalão principal com 16 anos. Agora, prepara-se para representar Portugal no mundial - está entre as dez melhores da época -, mas garante que não está nada ansiosa: "Não é do meu feitio ficar ansiosa. Nervosa? Talvez na hora da competição, afinal é um acontecimento mundial e muito mediático."
As recentes participações nas taças do mundo em Courchevel, França, e em Flachau, Áustria, permitiram-lhe familiarizar-se com eventos de nível mundial. Aliás, Vanina garante que desde os 5 anos que está "constantemente em espírito de competição", pois deseja estar sempre ao melhor nível: "Tenho a sorte de viver junto a Vallée en Savoie (Alpes), onde as oportunidades de treino são muitas. Treino durante o ano todo e faço estágios no verão e no outono. A maior dificuldade para treinar deve-se ao facto de o meu pai, que é monitor de esqui na ESF 1850 de Courchevel, ter de trabalhar para ganhar a vida e pagar o meu equipamento desportivo e as nossas deslocações."
"A mãe da Vanina é portuguesa e como tal é legítimo que filhos de portugueses possam representar Portugal, não é um caso de nacionalização", explicou ao DN Pedro Farromba, presidente da Federação de Desportos de Inverno de Portugal (FDI-Portugal), recordando um contacto da mãe, Alice Gueillot: "Já tínhamos ouvido que havia uma atleta lusodescendente com valor em França, depois fomos contactados pela mãe para saber do nosso interesse na filha, que ela gostava de representar Portugal. Foi logo avaliada pelo nosso diretor técnico e começou a correr por Portugal."
Nesta época viu-a estrear-se no escalão principal e ser selecionada para ir ao Mundial com 16 anos apenas. "É como meter um juvenil a jogar contra o Ronaldo", lembrou o chefe da missão olímpica portuguesa nos últimos JO, admitindo que "Vanina pode ter um efeito brutal na modalidade, assim como teve o João Sousa no ténis ou o Miguel Oliveira nas motos." Por isso, segundo Pedro Farromba, "é legítimo dizer que as expectativas que a federação tem em relação a Vanina são muito, muito grandes".
Segundo Pedro Farromba, "percebeu-se logo que havia alguma coisa especial na Vanina". A esquiadora já está integrada no projeto olímpico Beijing 2022: "Há um longo caminho a percorrer e é importante que as instituições olhem para estes portugueses de sangue e alma e os apoiem. Não é barato suportar uma carreira no esqui sem apoios. Nós já temos o projeto olímpico planeado, mas ainda esperamos pelas verbas do IPDJ - Instituto Português do Desporto e Juventude. Eles sabem da urgência desse dinheiro. É fundamental que um atleta treine, participe em provas, coma e viva sem ser a pagar do seu bolso e arcar com as despesas."
Vanina Oliveira não é a primeira nem será a última atleta nascida fora de Portugal a escolher representar a seleção. Também Arthur Hanse e Samuel Almeida têm histórico parecido. E como são descobertos? A federação tem "uma rede de olheiros voluntários abnegados e altruístas", ou seja, portugueses que competem de forma não profissional, que alertam sobre alguns valores que veem quando competem por esse mundo fora. Depois a federação faz o levantamento da ficha do atleta. A primeira avaliação é feita por vídeo e se o diretor técnico nacional vir valor no atleta desloca-se até ele para o ver em ação. "É uma procura ativa sem dramas ou polémicas" num país sem grande tradição nos desportos de Inverno e apenas dois/três meses de neve por ano.
Além de Vanina, Portugal vai estar representado por Samuel Almeida, de 21 anos, nascido e residente na Suíça, com origens em Tarouca, e Ricardo Brancal, de 22 anos, natural da Covilhã. Vanina compete em slalom gigante no dia 14 e em slalom dia 16. Samuel e Ricardo entram na pista para a prova de slalom gigante dia 15 e para as de slalom em 17.
No último mundial de esqui alpino, em Saint-Moritz, na Suíça, em 2017, Portugal participou com quatro esquiadores, a maior representação de sempre, entre os quais o atleta olímpico luso-francês Arthur Hanse e Catarina Carvalho, ambos finalistas nas provas de slalom e slalom gigante.
Texto publicado originalmente na edição impressa de dia 9 de fevereiro