Avisei o missionário que não deve forçar o cristianismo ao povo de Marte se este não o quiser», anunciava Edward Mukula Nkoloso, professor de ciências no liceu a tempo inteiro, responsável pelo programa espacial da Zâmbia nos anos 1960 em part-time. Com o país a celebrar a independência do império britânico o momento era de afirmação nacional e Nkoloso não escondia o orgulho. «Os zambianos não são inferiores a qualquer homem, seja na ciência ou na tecnologia», escrevia no texto onde lançava o plano espacial que deveria colocar uma adolescente de 16 anos, dois gatos e um missionário em Marte logo no ano seguinte, 1965.Em meados da década de 1960, todos queriam dar o pequeno passo, o tal que se revelaria gigante para a humanidade..De um lado do Atlântico corriam os norte-americanos, a leste a União Soviética lutava para manter a vantagem conquistada em 1961 quando Iuri Gagarin se tornou o primeiro homem a viajar no espaço e mais a sul a ambição era na mesma medida. No Líbano, arrancara o primeiro programa espacial árabe logo em 1960, o Zaire socorria-se de Lutz Kayser, engenheiro alemão, para dar os primeiros passos rumo ao espaço enquanto na Zâmbia era Nkoloso quem carregava o título pomposo, diretor da Academia Nacional de Ciências, Investigação Espacial e Filosofia e merecia honras de reportagem na Time. Talvez por isso, se apresentasse de gravata, farda caqui, capacete militar verde e capa de veludo, enfeitada com metais, amarrada sobre os ombros quando orientava os treinos a que submetia a dúzia de candidatos a astronautas. «Fazia-os rodar à volta de uma árvore, dentro de um barril de petróleo, ensinava-os a andar a fazer o pino, "a única forma de os humanos andarem na Lua"», lia-se na Time, citada pela The New Yorker num artigo dedicado ao grupo que ficaria conhecido como Afronautas e que mereceria honras de filme com o mesmo título, realizado em 2014 pela ganesa Nuotama Bodomo..BALOIÇAR ATÉ AO ESPAÇO.Entre os 3,6 milhões de habitantes, segundo o The Zambian Observer, apenas 1500 africanos tinham o liceu completo e os licenciados mal rondavam a centena. Combatente na II Guerra Mundial, Nkoloso começou como tradutor no governo e ainda deu aulas de Ciências, Matemática e Religião. Desalinhado do governo britânico, conseguiria fundar a sua própria escola, mas a luta nacionalista acabaria mesmo por o levar, entre 1956 e 1957, ao exílio na região norte do país e à prisão. Só depois, como destacado membro do Partido Unido Para a Independência Nacional (PUIP), conseguiria cumprir o sonho de se lançar na corrida ao espaço. Em Lusaka, os treinos não eram fáceis..Para se habituarem à força centrífuga, os candidatos a astronautas eram lançados dentro de barris por ribanceiras abaixo, para lidar com a queda livre andavam de baloiço até lhes cortarem as cordas quando atingiam o ponto mais alto e eram obrigados atravessar riachos dentro de barris de petróleo, tudo num programa onde catapultar o veículo espacial - Cyclops I, tinha sido batizado o cilindro metálico de ferro e cobre a que nunca se conheceu motor - foi ponderado. Mas se o treino era, no mínimo, rudimentar, o financiamento não se revelou mais fácil. Apostado em conseguir no mínimo dois milhões de dólares e indiferente ao complexo jogo da política internacional, Nkoloso pediu financiamento a Israel, aos Estados Unidos, à Rússia e até à UNESCO. Exigia que fosse a bandeira da Zâmbia a primeira a ser hasteada no novo planeta e em troca oferecia o segredo, a ideia que garantia ser suficiente para colocar um homem na Lua e enviar uma expedição a Marte. Os detalhes manteve-os sempre em segredo absoluto. Estranhamente, ou nem tanto, ninguém se manifestou interessado em financiar o plano que, em agosto de 1965 à Associated Press, Nkoloso já assumia como fracasso. «Os meus astronautas julgavam ser estrelas de rock, queriam ser pagos. Dois dos meus melhores homens saíram para beber há um mês e nunca mais os vi, outro juntou-se ao conjunto de dança de uma tribo», contava..Mais tarde, grávida, também a candidata a astronauta haveria de abandonar o programa. A responsabilidade do falhanço a toda a linha, Nkoloso atribuía «ao medo que os neocolonialistas tinham do conhecimento espacial da Zâmbia». Uma versão romanceada para a falta de fundos e de moral entre os candidatos a astronautas, que não evitava o lamento de quem sabia que «muitos o achavam louco»..Uma aventura própria do desejo de, segundo o Le Monde, «encenar a ambição de um país jovem, ansioso por progresso e pelo respeito das grandes potências». Uma piada a que o autor nunca deu a tirada final? Uma versão do século passado dos modernos influencers? «Nunca falei com ele, mas vi muitas vezes os treinos e a forma como se lançava nos barris. Era entusiasmante, as pessoas aplaudiam no final», conta no documentário da CCTV, Faces of Africa - Mukuka Nkoloso: The Afronaut,.Cuthbert Kolala, antigo membro do PUIP, sobre a multidão que se juntava para assistir aos treinos dos Afronautas. Louco, ingénuo ou simplesmente corajoso, a história não tem uma sentença definitiva para Edward Mukula Nkoloso..Foi alvo de paródia, de entrevistas mordazes, na The New Yorker - de Namwali Serper, «O afronauta zambiano que se queria juntar à corrida do espaço» - é descrito como «eloquente», mas «desequilibrado», o «louco da ciência» que pode ter sido injustamente alvo de troça. Nos últimos anos de vida trabalhou comoresponsável de segurança privada, mas em 1989 foi enterrado em Lusaka como herói da resistência, com honras de Estado e divisas de coronel..ENGENHEIROS ALEMÃES NO ZAIRE.Logo acima da fronteira norte da Zâmbia, na atual República Democrática do Congo, então Zaire, o o sonho de chegar ao espaço foi levado mais a sério, mas apenas dez anos depois. Joseph-Desiré Mobutu quis levar mais longe o país que então se apresentava como um dos mais ricos do continente..Ao palácio chamou Lutz Kayser, engenheiro espacial alemão, no sul do país, concedeu-lhe por 25 anos uma área de cem mil quilómetros quadrados e financiou-lhe a equipa onde chegaram a trabalhar quarenta antigos colaboradores do regime nazi alemão. A primeira tentativa aconteceria dois anos depois com o lançamento de um foguetão, com quatro motores, e que acabaria por explodir quando já se aproximava dos vinte quilómetros de altura. Seria também a última..Com o passar do tempo, a área reservada à exploração espacial foi sendo transformada em colónia hippie, com direito a plantação de canábis, companhia aérea privada e população pouco dada ao uso de roupa. Porém, a instabilidade política do Zaire assim como as restrições que ainda vigoravam sobre a Alemanha (então proibida de ter qualquer foguetão) e os rumores de que era militar o real propósito do projeto, haveriam de condenar a missão espacial ao fracasso..ENTRE QUINTAIS E LICEUS.Instabilidade política, intenções não declaradas, falta de ferramentas tecnológicas ou vontade na inversa medida dos meios, a história do sonho espacial africano conta-se entre sonhos. Por isso, décadas depois de Nkoloso ter treinado dez gatos para caminhar na superfície lunar, há notícias de duas adolescentes da Cidade do Cabo (África do Sul) que preparam o lançamento do primeiro satélite privado do país em conjunto com a universidade local. No Uganda está Chris Nsamba, de 26 anos, que no quintal da casa da mãe tem passado os últimos anos de volta de Skyhawk, a aeronave que espera levar ao espaço. «Primeiro vinham cá ver e gozar, diziam que eram louco, agora voltam e ficam impressionados», contou à AFP a dona da casa. A história repete-se, um dia o resultado será diferente.