Qual o impacto da atual guerra na Ucrânia no seu país? É uma grande fonte de preocupação para o meu país. Quem melhor do que os georgianos sabe como esta situação na Ucrânia se pode desenvolver? Fomos o primeiro país na região a enfrentar uma agressão de larga escala pela Federação Russa, em 2008. Claro que não começou tudo em 2008, pois desde que ganhámos a nossa independência, em 1991, com o fim da União Soviética, tivemos logo uma guerra civil fomentada pela Rússia, e o nosso primeiro presidente foi forçado a deixar o país e mais tarde foi morto. O apoio russo levou duas regiões georgianas, a Abcásia e a Ossétia do Sul, a proclamarem-se países independentes e foram reconhecidos como tal pela Rússia - e todas estas tensões permanecem. Podemos dizer que a invasão da Geórgia em 2008 foi um ensaio para a Rússia impor os seus planos de reconstruir a União Soviética e recuperar os territórios perdidos, tudo contra a vontade de países como a Geórgia, a Ucrânia e outras antigas repúblicas soviéticas, incluindo os Bálticos e a Ásia Central. Vladimir Putin tem sido muito claro, e ainda mais depois da invasão da Ucrânia, de que os seus planos passam por refazer a União Soviética recuperando todos os territórios que diz serem russos..O corte de relações entre Tbilissi e Moscovo continua desde 2008? Não temos relações diplomáticas com a Rússia. Sim, desde a invasão de 2008. Os únicos contactos são indiretos, via Nações Unidas, em Genebra, com envolvimento da União Europeia, da OSCE e dos Estados Unidos, e estão relacionados com temas humanitários..O conflito na Geórgia está congelado, não existem combates? Não existe um conflito militar aberto, mas os russos sequestram cidadãos georgianos que vivem junto da dita linha de separação, e é uma prática diária. Além disso, fazem tudo para construir uma fronteira entre as regiões separatistas e o resto da Geórgia, com arame farpado, e procurando sempre alargar mais o território que controlam. Este tipo de provocações obriga o governo georgiano a mobilizar também os seus militares para uma resposta firme..Juntamente com os três países Bálticos, agora membros da NATO e da UE, a Geórgia foi uma das poucas antigas repúblicas soviéticas a votar na Assembleia-Geral da ONU a condenação da invasão da Ucrânia. Foi uma decisão consensual na classe dirigente georgiana? Sim, e não podia ser de outra forma, porque assistimos ao que foi imposto pela Rússia à nação historicamente nossa amiga Ucrânia: o mesmo sofrimento ou até pior do que nós sofremos. Todos os anos insistimos junto das diversas instâncias internacionais sobre o problema das regiões separatistas. Em junho voltaremos a apresentar uma resolução para que seja possível o regresso das populações georgianas aos territórios ocupados. Temos mais de 300 mil refugiados das regiões ocupadas pela Rússia, gente que sempre viveu na Abcásia e na Ossétia do Sul e que foi expulsa, fugiu da guerra e quer voltar às suas casas. São os temas humanitários que, via as tais negociações de Genebra, tentamos resolver falando também com os russos. Essas pessoas, famílias inteiras com crianças, têm o direito de viver onde nasceram. São as negociações possíveis, humanitárias, sobre a vida das pessoas, e não têm nada que ver com eventuais soluções políticas para essas regiões no quadro da Geórgia..Há quem argumente que as origens desta invasão na Ucrânia estão na oferta que a NATO terá feito na sua cimeira de 2008, meses antes da guerra na Geórgia, de uma possível adesão à aliança tanto de ucranianos como de georgianos. A Geórgia continua a ambicionar ser membro da NATO e da União Europeia, apesar da ameaça russa? Sim, o povo da Geórgia não vê nenhuma outra forma de conseguir que o seu país viva em paz e se desenvolva. E a reação a esta guerra na Ucrânia mostra isso mesmo. Temos claramente inscrito na nossa Constituição que o futuro da Geórgia passa pelo nosso compromisso com o Ocidente..Mas passados 14 anos dessa promessa, há consciência de que sobretudo a adesão à NATO pode não acontecer, até por oposição de alguns dos atuais membros? Sabemos que são adesões mais ou menos difíceis de concretizar, tanto à NATO como à UE. Em ambos os casos há critérios a cumprir, há até critérios comuns, mas gradualmente estamos a aproximar-nos desses objetivos, e nos últimos anos temos feito grandes avanços para cumprir esses requisitos exigidos para fazermos, por assim dizer, parte da família ocidental. Fomos, destaco, um dos maiores contribuintes para a operação militar da NATO no Afeganistão, o país não-membro que mais contribuiu em termos de per capita. Mais de 11 mil soldados georgianos estiveram no Afeganistão e mais de 30 morreram lá em operações militares. Também fazemos exercícios militares enquadrados conjuntos com certa regularidade, e por isso consideramo-nos um aliado muito próximo da NATO, aspeto que é admitido pelo próprio secretário-geral da Aliança..Entre os critérios de adesão tanto à NATO como à UE estão vários sobre a democracia. Como caracteriza a situação da democracia hoje na Geórgia, onde um ex-presidente, Mikheil Saakashvili, que governava durante a invasão russa, está preso? É uma democracia sólida? Penso que sim, sobretudo se virmos como esta democracia foi sendo construída, se virmos todos os desafios que enfrentou e ainda enfrenta. Há aspetos a melhorar, mas há grandes progressos, referidos em vários relatórios de organizações internacionais, mesmo que com alguns altos e baixos. Quanto ao antigo presidente Saakashvili, é um problema dos tribunais, ele tem que responder por acusações várias, todas criminais. Somos um país livre, temos liberdade de expressão, de imprensa, então nada é escondido sobre o seu caso. Os tribunais são independentes na Geórgia e vamos ter de esperar pelas suas decisões..Com toda esta situação de conflitos congelados dentro das fronteiras e instabilidade e guerra na região, como está a economia georgiana a comportar-se? Não é só a situação geopolítica que nos afeta, também a pandemia atingiu muito a nossa economia, como o mundo em geral. Mas desde que os confinamentos totais deixaram de afetar a economia, demos bons passos e o crescimento no ano passado foi de 10%. Precisamos muito que o turismo se recomponha, que os estrangeiros voltem a visitar os nossos monumentos, cidades e paisagens. Somos um dos países mais antigos do mundo, também o segundo mais antigo a converter-se ao cristianismo como religião de Estado, e os turistas valem 8% do PIB em anos normais. Agora temos o problema das sanções económicas à Rússia, com alguns países a dizerem que não estamos a aderir. Contudo, aqui temos de ser cautelosos na parte comercial, pois essas sanções afetarão muito mais a própria Geórgia do que a Rússia, que é nossa grande compradora. Nas sanções no setor financeiro temos estado totalmente envolvidos, nomeadamente no setor bancário, e um exemplo disso é o banco russo VTB, pois todas as suas transações em moeda estrangeira foram travadas..Pode dar alguns exemplos de exportações para a Rússia? O vinho georgiano tem grande qualidade e prestígio e a Rússia chegou a ser o maior comprador, mas já não o é, pois desde 2006, ainda antes da guerra, diversificámos os nossos mercados de exportação. Para a Rússia exportamos também muitos produtos agrícolas. São contratos comerciais essenciais para as nossas empresas. Não temos relações diplomáticas com a Rússia, mas temos de manter relações económicas com os russos. É no interesse das pessoas..leonidio.ferreira@dn.pt