A hora de Jesualdo começar a fazer história no clube de Pelé

O treinador português faz nesta quinta-feira o primeiro jogo oficial no comando do Santos. É o início de uma caminhada num clube histórico, mas sem dinheiro para investir em reforços e suprir a saída de jogadores importantes.
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"Está chegando a hora." É assim que diz a música de Carmen Costa que ficou célebre no Carnaval de 1942, quatro anos antes de Jesualdo Ferreira ter nascido em Mirandela. E bem pode ser ao som desta canção popular brasileira que o treinador português prepara a estreia naquele que, tal como já disse, é o maior desafio da sua carreira: orientar o Santos Futebol Clube, que entrou na história do futebol mundial por causa de Pelé.

É já nesta quinta-feira, às 22.15 de Portugal continental, que Jesualdo se vai sentar pela primeira vez no banco para orientar os santistas na histórica Vila Belmiro, casa icónica do Peixe, nome pelo qual é conhecido o clube da cidade costeira de São Paulo. O adversário é o Red Bull Bragantino que até bem podia ter outro português no comando técnico, não fosse o Rio Ave ter impedido a saída de Carlos Carvalhal para o emblema da multinacional energética, que promete fazer uma grande temporada no regresso à Série A do Brasileirão.

O campeonato brasileiro só arranca em abril, pelo que até lá Jesualdo Ferreira vai dar os primeiros passos no Santos através do Paulistão, o campeonato que reúne as melhores equipas do estado de São Paulo. A responsabilidade é enorme, uma vez que os estaduais têm grande tradição junto dos adeptos, pelo que o primeiro grande objetivo do técnico português é devolver ao clube um troféu que conquistou pela 22.ª e última vez em 2016.

Jesualdo tem na sua equipa técnica vários portugueses. Os adjuntos Rui Águas, António Oliveira, filho de Toni, e Daniel Gonçalves, o preparador físico José Pedro Pinto e o analista de desempenho Pedro Bouças.

Sem dinheiro para colmatar as saídas

Jesualdo Ferreira iniciou aquela que deverá ser a sua última aventura no futebol há pouco mais de 15 dias, pelo que os trabalhos de pré-temporada, que na Europa assumem uma grande importância para preparar uma caminhada longa e desgastante, continuarão a ser feitos em plena competição. Ainda assim, na sua coluna de opinião semanal no jornal O Jogo, o técnico de 73 anos garantiu que está tudo "pronto" para a estreia. "Claro que as ideias ainda não estão todas assimiladas, mas acredito que a equipa dará uma boa resposta, uma resposta à altura deste imenso clube que é o Santos", assumiu no artigo publicado no último domingo.

Mas que Santos é este que Jesualdo Ferreira tentará conduzir para um patamar que lhe permita em abril lutar palmo a palmo pela conquista do título brasileiro com o Flamengo de Jorge Jesus? À primeira vista é uma equipa mais frágil do que aquela que foi comandada pelo argentino Jorge Sampaoli ao segundo lugar do Brasileirão em 2019. Isto porque o Santos perdeu três habituais titulares: o defesa central Gustavo Henrique que se mudou para o Flamengo; o defesa esquerdo Jorge (ex-FC Porto) que terminou o empréstimo e voltou ao Mónaco; e ainda o defesa direito Vítor Ferraz que foi para o Grémio. De saída poderá estar ainda o médio ofensivo peruano Christian Cueva, uma vez que decorrem negociações com os argentinos do San Lorenzo para a transferência, depois de uma época em que ficou aquém das expectativas.

Em contrapartida, Jesualdo Ferreira recebeu o defesa direito Madson, que chegou do Athletico Paranaense, e o avançado Raniel, envolvido numa troca com o São Paulo que envolveu Vítor Bueno. De resto, registam-se os regressos de empréstimo do guarda-redes Vladimir (Avaí) e do avançado Arthur Gomes (Chapecoense). Um cenário que se deve, em larga medida, à ausência de dinheiro para reforços mais sonantes, um problema que fez que Sampaoli decidisse deixar o clube.

No entanto, o mercado ainda está aberto e mais jogadores podem chegar à Vila Belmiro, sendo Ricardo Quaresma um dos desejados pelo treinador português, embora não seja um processo fácil, uma vez que o extremo tem contrato com os turcos do Kasimpasa até final de junho.

Ainda assim, o Santos continua a ter jogadores de qualidade, dos quais se destaca o médio criativo venezuelano Yeferson Soteldo, que foi considerado um dos melhores jogadores do Brasileirão 2019. Na defesa, Lucas Veríssimo tem tudo para continuar a ser o patrão da equipa, apesar da saída de Gustavo Henrique, no meio-campo o veterano uruguaio Carlos Sánchez é peça fundamental e no ataque o paraguaio Dérlis González, que passou pelo Benfica, Eduardo Sasha e Marinho continuam a ser as referências.

Aposta nos jovens é fundamental

Há, no entanto, alguns jovens oriundos das camadas jovens prontos para começar a brilhar, como é o caso do avançado Tailson (20 anos) ou do médio defensivo Sandry Roberto (17 anos) e até do defesa esquerdo Felipe Jonatan (21 anos). Aliás, a formação do Santos foi muito elogiada por Jesualdo Ferreira no dia da sua apresentação, quando prometeu criar condições para o lançamento de novos talentos.

José Carlos Peres, presidente santista, assumiu numa entrevista recente a um canal de televisão brasileiro que o desejo de Jesualdo é ter um plantel com 21 jogadores, precisamente para poder dar oportunidade aos jogadores jovens oriundos da formação. Numa conferência de imprensa, nesta terça-feira na Vila Belmiro, o líder do clube avisou que o treinador português ainda está numa fase de "adaptação" e pediu paciência aos exigentes adeptos do Peixe: "Temos de estar conscientes de que ele está agora a chegar ao clube. Quando o Sampaoli saiu, tínhamos a preocupação de dar sequência ao trabalho dele, com um futebol ofensivo. Pelo que percebo, esse trabalho vai continuar com um treinador experiente, que foi campeão em três continentes."

A herança de Sampaoli é pesada e, tendo em conta o elevado grau de exigência que rodeia o Santos, Jesualdo terá de começar já a mostrar serviço frente ao RB Bragantino, uma partida em que não poderá contar com Soteldo, a estrela da companhia, que se encontra a representar a seleção olímpica da Venezuela, estando ainda em dúvida a utilização do central Lucas Veríssimo, que recupera de lesão.

São duas ausências de peso para enfrentar um RB Bragantino que está a investir muito para poder fixar-se como uma referência no futebol brasileiro. O clube de Bragança Paulista já gastou 13,3 milhões de euros em reforços, destacando-se o extremo Artur (ex-Palmeiras) e os avançados Alerrandro (ex-Atlético Mineiro) e Thonny Anderson (ex-Grémio).

Campeonato carioca começou sem Jesus

Em andamento está já o Carioca, o campeonato estadual do Rio de Janeiro, no qual o Flamengo defende o título conquistado no ano passado ainda com Abel Braga no comando técnico. Só que o Mengão iniciou a competição com a equipa de sub-20 comandada por Maurício Souza, porque Jorge Jesus decidiu não retirar tempo de férias aos jogadores da equipa principal que terminaram a época apenas a 21 de dezembro, após a final do Mundial de Clubes perdida para o Liverpool.

Na primeira jornada, realizada no passado sábado, o Flamengo não foi além de um empate em casa do modesto Macaé e nesta quarta-feira venceu o dérbi com o Vasco da Gama, que também apresentou a sua equipa de sub-20. Apesar de o plantel principal ter iniciado os trabalhos de pré-temporada nesta terça-feira, Jesus já fez saber que a equipa principal só entra em ação no dia 16 de fevereiro quando defrontar o Athletico Paranaense, em Brasília, para a Supertaça do Brasil.

O Flamengo apresenta-se para a nova época com um plantel ainda mais reforçado com as chegadas do defesa central Gustavo Henrique (ex-Santos), do extremo Pedro Rocha (ex-Spartak Moscovo), do médio Thiago Maia (ex-Lille), do ponta-de-lança Pedro (esperado nesta sexta-feira por empréstimo da Fiorentina) e sobretudo de Michael, a grande revelação do último campeonato ao serviço do Goiás, pelo qual os rubro-negros pagaram 7,5 milhões de euros.

Quanto a saídas, Jesus ficou sem o jovem talento Reinier, que foi transferido para o Real Madrid, por 30 milhões de euros, mantendo-se ainda a dúvida sobre se Gabriel Barbosa, o melhor marcador da época passada, irá continuar no clube, uma vez que o empréstimo do Inter Milão já terminou.

Na prática, o Flamengo de Jorge Jesus deixou o campeonato carioca para segundo plano para depois poder atacar em força as supertaças brasileira e sul-americana, a Taça Libertadores e o Brasileirão. O objetivo é claro e já foi assumido pelo próprio treinador português: repetir os sucessos alcançados em 2019. Talvez por isso tenha dito que "o maior adversário do Flamengo será o próprio Flamengo".

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