A homenagem dos madrilenos a Maria João Pires

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Na passada quinta-feira, a pianista Maria João Pires recebeu um invulgar clamor de homenagem e agradecimento dos madrilenos no Auditório da Música. Ela tinha sofrido um acidente, mas corajosamente não cancelou o seu concerto, o nº 3 de Beethoven para piano e orquestra em Dó menor, op 37. Quando anunciaram que a pianista ia estar connosco mesmo sem estar totalmente recuperada, houve um grande aplauso no Auditório. Mas depois, quando entrou - teve que entrar na sala com a ajuda do diretor da orquestra, Trevor Pinnock -, o Auditório foi uma cascata, uma torrente de aplausos; e quando acabou o seu concerto, o público ficou em pé a aplaudir, uma e outra vez, emocionado. Uma senhora ao meu lado dizia: "é sempre maravilhosa, ouvi-a no ano passado". Acho que mesmo a pianista ficou surpreendida. Eu não me lembro duma explosão de afeto parecida. No entusiasmo dos madrilenos, além do amor à música, da sua admiração por Maria João Pires, respirava-se uma simpatia especial porque é portuguesa. É assim, os portugueses sempre despertam em nós um especial sentimento de fraternidade, de amizade.

Na música, na poesia, na pintura há sempre uma especial comunicação, um fio invisível, como uma energia elétrica, e por vezes penso, quem precisa de embaixadas tendo uma Maria João Pires, um Nuno Júdice - que há poucos dias também esteve em Madrid - e tantos outros?

Nas prateleiras das livrarias de Madrid há cada vez mais espaço dedicado aos autores portugueses, antigos como contemporâneos. Mas precisamos de mais pintores, de mais músicos portugueses para manter um certo equilíbrio no intercâmbio cultural entre os dois países. Os jornais espanhóis convidam rara vez escritores ou pensadores portugueses nas suas colunas, como o DN tão generoso nos oferece, e há muitos que seriam sem dúvida bem apreciados em Espanha e seriam lidos com interesse porque trazem-nos ideias e perspetivas diferentes. Há ainda desconhecimento. Eu fico assombrado quando reparo que a maioria dos turistas espanhóis em Lisboa nunca ouviu falar dos painéis de São Vicente; mas isso é tarefa dos promotores da cultura portuguesa, como de conseguir que os espanhóis que vão ao Porto visitem o Soares dos Reis e a Fundação Serralves, entre muitas coisas e lugares singelos de Portugal. Pois não só com monumentos, gastronomia e fados se pode promover o turismo cultural, o verdadeiro gosto da viagem. As pessoas vivas, os representantes do pensamento e da cultura são ainda mais relevantes e o exemplo de Maria João Pires é significativo.

Escritor espanhol

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