Numa década de 1930 conturbada à escala global, foi a invasão da Etiópia pela Itália de Mussolini que fez de Marins Alves de Araújo Viana uma personagem histórica dos clássicos entre Sporting e FC Porto. Os dados disponíveis realçam-no como o primeiro futebolista a ter vestido a camisola dos dois rivais no campeonato desde que este arrancou, em 1934, ainda sob a denominação de Liga Experimental. No futebol português, tornou-se conhecido por Vianinha, um defesa de grande porte atlético que começou por jogar no Sporting, em 1935, e se mudou depois para o FC Porto, com uma breve passagem por França pelo meio, representando os azuis e brancos durante duas temporadas..Marins Viana, que começou por jogar em equipas do interior de São Paulo até chegar, mais tarde, ao Corinthians, deixou-se seduzir pelas histórias de Fernando Giudicelli. Médio brasileiro já com experiências vividas no futebol europeu, Giudicelli convenceu Vianinha e o guarda-redes Jaguaré a tentarem a sorte no futebol italiano em 1935. Mas as notícias do eclodir da Guerra Ítalo-Etíope, quando faziam escala em Lisboa, levaram o trio de brasileiros a desistir do resto da viagem. Ficaram pela capital portuguesa. E pelo Sporting..Para mergulhar na história em busca de elementos que nos permitam contar a vida de Vianinha, o DN lançou o desafio aos museus de Sporting e FC Porto..Rei do Carnaval no Sporting, estrela publicitária no FC Porto.O acervo é limitado, mas permite desvendar um pouco mais sobre as características e percurso de Vianinha e até traços de uma personalidade que se descobre "extrovertida" - refere Miguel Pereira, técnico superior do Museu Sporting - e "com facilidade de integração no contexto do clube e da sociedade da época", acrescenta Jorge Maurício, diretor de programação do Museu FC Porto..As provas? Miguel Pereira descobriu uma página do jornal Sporting sobre a festa de Carnaval de 1936, na qual o repórter da época destaca: "(...) o nosso estimado Vianinha, que, com as suas "modinhas" brasileiras, tocando, bailando e cantando, conseguiu que a assistência o acompanhasse e comungasse do seu entusiasmo". Festivo, portanto. E com alguma popularidade, como demonstra uma foto encontrada nos arquivos do museu portista, na qual se vê o defesa brasileiro a fazer parceria com um grande craque da época, o madeirense Pinga, numa publicidade a umas lâminas de barbear..Sobre a temporada no Sporting (1935-36), o museu leonino realça os registos que revelam ter sido Vianinha, daquele trio de reforços brasileiros proporcionados pela Guerra Ítalo-Etíope, "o que melhor se integrou na equipa", apesar de, curiosamente, "até ser o que chegava com menos fama", conta Miguel Pereira, com recurso também às "fontes online relacionadas com o clube", como a WikiSporting, projeto voluntário levado a cabo por internautas sportinguistas com o objetivo de documentar a história do clube..De resto, o Sporting tem "algumas fotografias dele, no plantel ou com outros jogadores", e os registos que indicam ter feito 28 partidas e um golo pelos leões, entre Liga, Campeonato de Lisboa e o extinto Campeonato de Portugal, competição que Vianinha ajudou o Sporting a ganhar nessa temporada de 1935-36..Também jogou ténis de mesa.No final desse ano, o brasileiro terá tentado a sua sorte em França, no Antibes, mas por pouco tempo. Voltaria a Portugal, resgatado pelo FC Porto, que terá pago "sete contos pela carta de desobrigação, mais 14 de luvas ao jogador". Vianinha ficou então "a ganhar 1500 escudos por mês" na Invicta, confirma Jorge Maurício, realçando ainda uma curiosidade: "No FC Porto não jogou apenas futebol, também praticou ténis de mesa e jogou com os melhores daquela altura.".Segundo os registos históricos dos portistas, Vianinha fez com a camisola azul e branca 31 jogos, tendo marcado cinco golos ao longo de duas épocas (1936-37 e 1937-38), contabilizando apenas competições nacionais. Um deles de especial importância, logo na primeira temporada, na final do Campeonato de Portugal, precisamente frente ao Sporting. O defesa brasileiro marcou de penálti o terceiro golo do FC Porto, que bateu os leões por 3-2, num jogo em que Vianinha fez "uso do seu profundo conhecimento dos jogadores leoninos, para marcar de forma impecável Soeiro, o avançado mais perigoso dos leões", conta a WikiSporting..Nas bancadas assistia um tal de Peyroteo, que tinha acabado de chegar de Angola para depois fazer história no clube de Alvalade e no futebol português. Vianinha ainda experimentaria as dificuldades de marcar Peyroteo, na época seguinte, antes de regressar de vez ao Brasil. "Temos registos de que terá mantido contacto com o clube e algumas pessoas da cidade durante alguns anos", refere Jorge Maurício, aludindo a publicações do pioneiro historiador portista António Rodrigues Teles..De resto, depois de deixar Portugal, sabe-se que passou pelo Santos, onde, de acordo com o encontrado no acervo digital do clube brasileiro, não terá tido o mesmo sucesso: "Trouxe de Portugal a fama de marcador implacável e força no jogo aéreo. Teve uma rápida passagem na Vila Belmiro, onde não obteve as conquistas do futebol português.".53 serviram leões e dragões, mas só dez foram campeões nos dois clubes.Ao longo da história do futebol português, 53 jogadores representaram oficialmente Sporting e FC Porto durante as suas carreiras, mas apenas dez podem orgulhar-se de serem campeões nacionais pelos dois emblemas. O primeiro a ter sucesso foi o brasileiro Osvaldo Silva, que chegou a Portugal para representar os dragões em 1957, mudando-se para Alvalade em 1962 após uma passagem de três épocas pelo Leixões. Terminou a carreira com dois campeonatos nacionais conquistados, um por cada um dos rivais..Foi já na década de 1980 que Ademar Marques, Eurico Gomes e Augusto Inácio trocaram o Sporting pelo FC Porto, conquistando títulos nos dois clubes. No sentido inverso seguiu António Oliveira, que também sabe o que é festejar dos dois lados da barricada, tal como Rui Jorge, Bino, Edmilson, Mário Jardel e Ricardo Quaresma nos tempos mais recentes..Se tivermos em conta apenas os títulos nacionais, foi o FC Porto que tirou maior aproveitamento dos futebolistas que vestiram as duas camisolas, uma vez que 42 desses 53 jogadores se sagraram campeões de dragão ao peito, enquanto o Sporting teve apenas 14 vencedores do campeonato, dos quais apenas Fernando Peres (década de 1960), Joaquim Dinis (1970), Carlos Alhinho e António Vaz (1980) foram campeões em Alvalade e falharam esse objetivo de dragão ao peito..Nesta contabilidade de 53 jogadores entram apenas atletas que tenham pelo menos jogado oficialmente um jogo pelos dois clubes, algo que não aconteceu com o guarda-redes Carlos Padrão (não jogou no FC Porto), o avançado Elio Montaño (não chegou a ser utilizado no Sporting) e o médio Luís Aguiar, que esteve nos dois lados mas não chegou a estrear-se em nenhum dos clubes. Há ainda o caso de Pepe, que nesta semana regressou ao Dragão, onde é um ídolo - teve uma passagem fugaz pelo Sporting, onde esteve à experiência durante a pré-temporada em 2002 quando ainda estava ligado ao Marítimo, mas acabou por não ficar em Alvalade.