A Grécia comemora 200 anos de independência

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Na passada semana, no dia 25.03.2021, foi publicado no V. estimado jornal um explêndido artigo do conceituado jornalista Leonídio Paulo Ferreira, por ocasião dos 200 anos da independência grega. Tudo o que aí se afirma é verdade. No entanto, a fim de compreender um quadro mais amplo e apreciar uma verdade mais abrangente, devemos notar mais alguns factos.

Designadamente, a libertação não só da Grécia, mas também a de todos os países dos Balcãs, e posteriormente das nações do Oriente Médio que estavam sob ocupação otomana, começou a 14 de Fevereiro de 1804, com o levante pela libertação da Sérvia (Pashalik de Belgrado, como foi chamado durante o Império Turco), liderado por Karađorđe Petrović. A revolta durou quase 10 anos, terminando em Outubro de 1813 e resultando na libertação de parte significativa dos territórios da actual Sérvia.

Durante a revolta, o sultão turco enviou vários exércitos e expedições punitivas, as quais foram derrotados nas famosas batalhas de Ivankovac, Mišar, Deligrad.

As vitórias sérvias sob a liderança de Karađorđe geraram esperança para a libertação de outros povos escravizados dos Balcãs, especialmente os gregos, e foram um incentivo para estes prepararem os seus próprios levantes contra o Império Otomano. Essas gloriosas batalhas foram admiradas em toda a Europa. Tanto que, após a batalha de Aspern-Essling, perto de Viena, a 22 de Maio de 1809, o Imperador francês Napoleão Bonaparte fez um discurso aos seus soldados sobre o líder militar dos Balcãs que lutava com camponeses contra o todo-poderoso Império Otomano, sublinhando:

"É fácil para mim ser grande com o nosso exército experiente e recursos abundantes, mas no sul distante, nos Balcãs, há um líder militar, que emergiu de um simples povo camponês e que, tendo reunido os seus pastores a seu redor, sem armas e apenas com canhões feitos de madeira de cerejeira, conseguiu abalar as fundações do todo-poderoso Império Otomano e assim libertar o seu povo escravizado. Karađorđe é aquele a quem pertence a glória de ser o maior líder militar!"

A Turquia accionou toda a sua enorme capacidade militar e em 1813 reconquistou a Sérvia. No entanto, em 23 de Abril de 1815, deflagrou a Segunda Revolta da Sérvia e, após vitórias quase inacreditáveis sobre forças turcas mais poderosas, nas batalhas em Palež, Valjevo, Ratari e vitórias em Dublja e Ljubić contra expedições punitivas das elites turcas, a Sérvia foi quase integralmente liberta. Tal conduziu a negociações de paz. Com a ajuda da diplomacia russa (após as vitórias russas na frente turca e a conclusão do Tratado de Adrianópolis), a Sérvia adquiriu autonomia e tornou-se no

Principado da Sérvia. Cerca de 50.000 sérvios e 200.000 turcos morreram nas batalhas pela libertação.

Desde então, essencialmente, as relações sérvio-gregas têm sido excepcionais, e os gregos nomearam uma das principais artérias de Atenas "Rua Karageorgios da Sérvia".

Até hoje, estas relações resistiram ao teste do tempo e servem de exemplo para todos. Houve um período durante a Primeira Guerra Mundial em que todo o exército sérvio, juntamente com o seu governo, se viu exilado na Grécia. E foram recebidos como irmãos. Durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler prometeu ao Reino da Jugoslávia (liderado pelos descendentes de Karađorđe) a parte grega da Macedónia e Thessaloniki, caso este se juntasse ao ataque à Grécia. Proposta que foi imediatamente rejeitada. Avançando para 1999 e mesmo sendo membro da OTAN, a Grécia recusou-se a participar no bombardeamento à Sérvia e Montenegro (então RF da Jugoslávia). As pessoas saíram às ruas em protesto, incansavelmente contra os bombardeamentos durante os três meses que durou esta "campanha".

O capitão do navio de guerra grego "Temístocles", Marinos Ritsoudis, com o total apoio da tripulação e após consulta com o seu sacerdote, recusou-se a participar no ataque à RF Jugoslávia, retornando o navio ao porto de origem de Thessaloniki. Sendo cristão, ele não poderia matar cristãos, não poderia bombardear a sua "nação fraterna". As suas palavras e o facto de atender ao chamamento para um dever que está acima dos regulamentos terrenos, tal como a tragédia de Sófocles "Antígona", escrita há quase 2500 anos, fizeram quase todo o país chorar (foi condenado a 2,5 anos de prisão por desobediência a ordens, e após retornar à liberdade declarou que faria novamente a mesma coisa). É já uma tradição: quando os gregos festejam, os sérvios festejam também e vice-versa. É por isso que esta celebração grega também é sérvia.

É igualmente importante notar que Lisboa foi a única capital de um membro da OTAN que emitiu uma Declaração de oposição ao bombardeamento de Belgrado, ou seja, os sérvios, e o então Presidente da Câmara de Lisboa, João Soares, vieram visitar Belgrado no meio dos bombardeamentos de 1999.

Alguns factos e lições históricas nunca devem ser esquecidos.

Embaixador da Sérvia em Portugal

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