A Grande Guerra: um grande jubileu da aliança Sérvia-Portugal
A Grande Guerra começou e terminou com a vitória do exército sérvio, mas terminou também com uma grande injustiça:
A 28 de julho de 1918, no quarto aniversário do início da Primeira Guerra Mundial, ou Grande Guerra, a bandeira sérvia foi hasteada na Casa Branca e em todos os edifícios públicos da capital norte-americana por ordem do presidente Woodrow Wilson. Robert Lansing, secretário de Estado dos EUA (1915-1920) e membro da Comissão Americana para Negociar a Paz em Paris em 1919, escreveu: "Quando a história desta guerra for escrita, o seu capítulo mais glorioso terá o título SÉRVIA." Louis Félix Marie François Franchet d 'Esperey, comandante do exército aliado do Oriente em Salónica, escreveu sobre o exército sérvio: " (...) os bravos, os mais persistentes e os melhores de todos. Essas são ótimas tropas e tenho orgulho em tê-las liderado, lado a lado com o Exército francês."
A batalha de Cer, de 16 a19 de agosto de 1914, foi a primeira vitória aliada na Grande Guerra, quando o Exército Real Sérvio destruiu o Exército Imperial Austro-Húngaro, que se retirou em desordem. Depois disso, em 1914, o Exército Sérvio derrotou o Exército Austro-Húngaro mais duas vezes! A pedido do imperador austro-húngaro Franz Joseph I, o imperador alemão Guilherme II enviou o seu melhor marechal de campo, Anton Ludwig August von Mackensen, e os seus melhores exércitos, que atacaram a Sérvia com os exércitos austro-húngaro e búlgaro, que conduziu a uma grande retirada dos sérvios através da Albânia. Mackensen escreveu então: "Lutámos contra um exército de que ouvimos falar apenas em contos de fadas, que se defenderam com uma coragem virtualmente sem precedentes. O momento em que conquistámos a Sérvia feriu-nos mais do que aos seus aliados"; "Eu tenho uma admiração e um amor incomuns pelo povo da Sumadia (região central da Sérvia)"; "São uma nação heroica, cheia de honra e orgulho; uma nação com um grande e brilhante futuro", disse Mackensen, e construiu um monumento em Belgrado, onde foi escrito em sérvio e em alemão "Heróis sérvios descansam aqui ".
O Imperador alemão Guilherme II disse, dececionado: "É uma pena que esta pequena nação não seja minha aliada." E no final da Grande Guerra, em 1918, o imperador Guilherme II enviou um telegrama ao rei búlgaro: "Sessenta e dois mil soldados sérvios determinaram o resultado desta guerra. Vergonha!"
Os factos que comprovam que a Sérvia, após as guerras dos Balcãs (1912 e 1913), não queria nenhum tipo de conflito, nem estava pronta para a guerra, são numerosos: desde aceitar os resultados da crise de anexação para seu prejuízo, a participação na Primeira Conferência da Federação Europeia em 1909 em Roma, até à aceitação de todos os pontos do ultimato austro-húngaro, com exceção de um, que significaria a privação direta da sua soberania, a humilhação da Sérvia e a aceitação de um protetorado factual. Por fim, o chefe do Estado-Maior do Exército sérvio, general Radomir Putnik, estava na altura do início da guerra em tratamento na Áustria-Hungria - no Gleichenberg Spa, e como era ele quem detinha a chave do cofre onde os planos de guerra eram guardados, só com grande esforço os oficiais conseguiram obter a cópia da chave de reserva mantida por Pedro I da Sérvia.
A Áustria-Hungria via a Sérvia como o seu adversário mais perigoso e as principais razões para tal eram a sua dimensão e a força demonstrada nas guerras dos Balcãs. Por seu turno, Viena sentia uma ameaça constante por parte de Belgrado, pelo que uma solução pacífica não parecia provável. O medo de Viena foi intensificado pela disseminação de rumores acerca da iminente unificação da Sérvia com o Montenegro e, consequentemente, as autoridades austro-húngaras consideravam que a costa montenegrina, até Cetinje, deveria ser anexada à Albânia. Pelo contrário, os alemães, incluindo o imperador Guilherme II, acreditavam que a unificação dos dois estados sérvios era inevitável e, se Viena tentasse impedi-lo, isso seria um erro grosseiro que desencadearia uma guerra com os eslavos na qual os alemães seriam neutros. O diplomata austríaco Chernin escreveu: "A ideia de uma Grande Sérvia já se tornou uma realidade, por isso é impossível estabelecer uma paz duradoura ou uma relação na qual não lhes pedimos nada nem eles a nós. Eu tenho um forte pressentimento, e não é de ontem, de que temos de nos entender com a Sérvia de hoje se quisermos trazer finalmente a paz para os Balcãs; a Sérvia deve ser reduzida ao mínimo (incluindo o sentido territorial)." É impressionante como, ao contrário da Alemanha, na Áustria houve pouca discussão sobre a possibilidade de uma intervenção russa no caso de uma guerra com a Sérvia.
A discussão das causas e das culpas da Primeira Guerra Mundial continuou após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, o historiador alemão Fritz Fischer, em 1969, pôs um ponto final neste debate por bastante tempo com seu famoso livro A Guerra da Ilusão, Política Alemã de 1911-1914. No seu estudo, Fischer ressalta que o chanceler alemão Betmans Holweg não estava pronto para levar a Alemanha para a guerra. Ele tinha em mente os frutos da cooperação com a Inglaterra e advertiu a Áustria sobre as consequências de uma possível guerra contra a Sérvia e o Montenegro e sobre o facto de a Rússia não poder observar pacificamente tal conflito. No entanto, o imperador alemão Guilherme II era defensor de políticas mais agressivas, o que levou a um conflito com a Grã-Bretanha e à aproximação à França e à Rússia. Esta agressividade é claramente identificável nas suas palavras: "A luta entre eslavos e alemães não pode mais ser evitada, certamente virá. Quando? Ainda está para se ver." A 23 de outubro de 1913, Guilherme II conheceu Francisco Fernando da Áustria e acordaram na destruição da Sérvia.
Durante a Grande Guerra foram cometidos, na Sérvia e sobre o povo sérvio, crimes até então sem precedentes. O professor universitário suíço Rudolf Archibald Reiss, sendo de um país neutro, testemunha isto de forma absolutamente fundamentada, apresentando argumentos incontestáveis, de acordo com seu próprio princípio de que "não há neutralidade à frente de um crime". Com os seus trabalhos, escritos em francês, juntamente com fotografias, estatísticas, cópias de propaganda de guerra, diretivas militares, uso de armas proibidas (balas com carga explosiva), nomes concretos de vítimas, como também de criminosos, o Prof. Reiss indignou o mundo com os crimes inconcebíveis que foram cometidos contra soldados e civis sérvios, incluindo crianças, bebés, mulheres e idosos.
Estes crimes horrorizaram o mundo civilizado de tal forma que, no início, muitos não queriam acreditar na veracidade destas suas investigações e dos dados. Como referido anteriormente, o Prof. Archibald Reiss reuniu evidências documentadas de todos estes eventos. O crime permaneceu impune e serviu, infelizmente, como modelo para alcançar objetivos políticos na guerra seguinte. Também deve ser salientado que, durante a retirada através da Albânia, muitos crimes de guerra foram cometidos contra o Exército Sérvio e o povo sérvio, que se havia juntado ao exército, e nunca os albaneses foram punidos por algum destes crimes. Na historiografia sérvia, esta tragédia é conhecida como "Gólgota albanesa" ou "Calvário". Para este Gólgota sérvio, tiveram a sua quota de responsabilidade os Aliados, pois falharam no envio dos barcos de salvamento, conforme havia sido acordado anteriormente, alterando o local de embarque por várias vezes até o imperador Nicolau II da Rússia lhes ter dado um ultimato para os barcos serem enviados de imediato ou a Rússia faria um acordo de paz com a Alemanha em separado. Em memória do mencionado Calvário, o prédio mais alto do centro de Belgrado é chamado "Albânia".
Os alemães declararam guerra a Portugal a 9 de março de 1916 e os portugueses tiveram o seu Gólgota em La Lys, em abril de 1918, onde sacrificaram 2100 dos seus soldados, 5200 ficaram feridos e 7000 capturados, para bravamente impedirem a incursão mais profunda do Exército Alemão na frente ocidental. No final da guerra, os portugueses contabilizavam 12 mil baixas, incluindo as tropas africanas.
Ao que parece, se os crimes cometidos na Grande Guerra tivessem sido examinados mais objetivamente, particularmente se tivesse sido feita justiça, as condições políticas não teriam permitido que na Alemanha, nos anos seguintes, um grupo marginal extremista tivesse conseguido alcançar o poder absoluto, através da democracia parlamentar, e, em última análise, praticado crimes absolutos durante a Segunda Guerra Mundial. Não podemos esquecer que o cabo austro-húngaro Adolf Hitler participou na Grande Guerra e foi, no mínimo, uma testemunha de todos estes crimes pelos quais os responsáveis nunca foram levados à justiça. Foi precisamente a ausência de justiça no final da Primeira Guerra Mundial que conduziu ao monstruoso plano de genocídio praticado na Segunda Guerra Mundial.
Embaixador da Sérvia