A gargalhada sem alma de PJ Harvey
PJ Harvey fez as malas e viajou com o fotógrafo Seamus Murphy até ao Kosovo, Afeganistão e Washington, D.C. É essa a informação que se dá logo no início do documentário A Dog Called Money, que reúne imagens dessas experiências sociológicas da artista, captando-a discreta, quase sempre pouco expansiva, e agarrada ao bloco de notas. Não é de estranhar: o sentido dessas viagens revela-se sobretudo numa carga introspetiva. Foi aliás nesse caderno de apontamentos que guardou as impressões mais tarde usadas como matéria de inspiração para as canções do álbum The Hope Six Demolition Project.
O que se apresenta então no filme assinado por Murphy é uma série de registos visuais dos lugares por onde ambos passaram (havendo também material de outros trabalhos do fotojornalista irlandês na Síria, Macedónia e América) intercalados com a gravação do álbum de PJ Harvey. Esta decorreu numa sala construída de raiz para o efeito, na cave da Somerset House, em Londres, tal e qual uma instalação artística, que inclusive teve público convidado a assistir através de vidros - sem visão do interior para o exterior, para não perturbar os músicos em trabalho.
De um lado, surgem as memórias no terreno e os pensamentos em vertigem poética, do outro, o trabalho físico da música, os fios, os microfones, os instrumentos, a banda. Parece a fórmula perfeita para se dar a conhecer a substância do processo criativo, uma dinâmica que é sempre objeto de grande curiosidade documental.
E se é verdade que é fascinante assistir ao labor musical de Harvey, sentir a espontaneidade da sua gargalhada no ambiente tranquilo das gravações e, mais do que tudo, a beleza e robustez de cada tema, também se nota uma certa desarticulação no modo como o material filmado comunica com a circunstância da "sala branca" (longe de toda a aspereza das imagens dadas a ver). Falta um pouco de alma a este A Dog Called Money, que acaba por não aprofundar a sua crónica humana daqueles que puseram a sensibilidade da cantora a fervilhar - faz-se aqui a exceção à adolescente negra cujo nome do cão dá origem ao título filme -, detendo-se quase somente sobre a pacatez observacional da cantora britânica.
Bonito é vê-la, por exemplo, envolvida criativamente com as sonoridades de Cabul, onde toca um pequeno instrumento de teclas ao mesmo tempo que quebra a timidez num riso genuíno, levada pelo bom espírito de um músico da terra. Mas a raridade destes momentos de interação cultural não permite elevar o documentário a algo mais do que do que uma interessante combinação de esboços íntimos transformados em música.
Ainda mais bonito de se ver é o corpo frágil de PJ Harvey quando liberta uma voz poderosa mas desafetada - esta, sim, capaz de dar a dimensão das dores da humanidade. O filme transmite melhor esse seu coração à deriva quando a música inunda as imagens (mesmo que numa linguagem de videoclipe), porque é aí que os retalhos das experiências vividas ganham a forma de um tecido único.
** Com interesse