Com aproximadamente dois mil falantes, o inupiaque é uma língua inuíte de populações do noroeste do Canadá e do norte e noroeste do Alasca, estado norte-americano onde é uma das línguas oficiais. O dia 7 de fevereiro de 2022 foi saudado por parte da comunidade de falantes de inupiaque em resposta ao gesto simbólico da transposição para o digital de um quebra-cabeças de palavras que, nos últimos meses, tomou de assalto dispositivos eletrónicos em muitas latitudes..O inupiaque juntou-se a uma comunidade mundial de mais de 50 línguas em todos os continentes. Falantes de bengali, chinês, dinamarquês, húngaro, hebraico, japonês, tâmil, urdu, maori e também português, procuram decifrar um desafio que responde pelo nome Wordle (com o correspondente português Termo). Repto que assenta numa fórmula simples. Os jogadores contam com uma única solução diária para, em seis tentativas, deslindarem uma palavra com cinco letras. Em resposta ao palpite, o jogo devolve um código de cores: cinzento para letra sem correspondência; amarelo para uma ou várias letras com a posição trocada e um luminoso azul para letras na posição certa. O utilizador tem a possibilidade de partilhar os seus resultados nas redes sociais. .Em outubro de 2021, o engenheiro de software galês Josh Wardle, a viver em Nova Iorque, não apostaria no seu próprio sucesso, com base no código de jogo, entretanto esquecido, que desenvolvera inicialmente em 2013. Josh viu os pouco mais de 90 utilizadores diários de Wordle, em novembro do ano passado, galgarem para 300 mil no início de janeiro de 2022 e mais de dois milhões uma semana volvida. Em comum a todos os jogadores do quebra-cabeças de palavras, a curiosidade de desenredarem a meada de letras libertada a cada 24 horas pelo código do jogo, a partir de uma base de dados de aproximadamente duas mil palavras..O jogo que servira ao engenheiro informático para preencher momentos de ócio viajou a 31 de janeiro deste ano para os servidores do The New York Times, adquirido por um valor que o jornal nova-iorquino não revelou, embora apontando a casa dos sete dígitos. Quantia que a publicação deu por bem entregue. Apostar no Wordle é como acompanhar a corrida de um cavalo que, apesar de não ser jovem, já deu muitas voltas vencedoras à pista. O digital Wordle é herdeiro de um congénere em papel e caneta da década de 1950. O Jotto, inventado por Morton M. Rosenfeld, incentivava à disputa de dois jogadores, ávidos por deslindar a palavra secreta do oponente. Tudo escrevinhado a rasurado, num mundo que ainda não sonhava em matrizes organizadas num ecrã. Em 2013, Josh pensou o seu protótipo de jogo de palavras por referência ao Jotto e a um outro jogo de enigmas que desde 1971 acicata os neurónios de milhões de jogadores, o Mastermind, tributário do anterior Bulls and Cows..Na sua versão da década de 1970, o Mastermind, com o seu desafio para desenredar um código secreto de cores, nasceu das mãos de Mordecai Meirowitz, israelita especialista em telecomunicações que vendeu a sua ideia a uma empresa britânica de plásticos. A Invicta Plastics imortalizaria não só o jogo como a respetiva caixa que o acomodava, ilustrada com duas figuras enigmáticas, um homem trajado a rigor e uma mulher asiática. Os dois modelos amadores, Bill Woodard, responsável por uma cadeia de salões de cabeleireiro e Cecilia Fung, estudante de computação, encontraram-se em 2003 para recrearem à boleia de uma campanha de publicidade o par icónico que ofereceu a imagem ao Mastermind. .Noventa anos antes, em 1913, Arthur Wynne, jornalista e músico de Liverpool, emigrado aos 19 anos para os Estados Unidos, publicava no New York World, a versão moderna das palavras cruzadas . Setenta e dois quadrados brancos, numa formação de losango, espicaçavam à descoberta de palavras através de pistas. O termo "fun" (diversão) surgia como palavra-chave e inaugural de uma nova era na seção de passatempos da imprensa escrita. Os norte-americanos levaram à letra o desafio para a diversão. Em menos de uma década as word-cross (mais tarde designadas cross-word) tornaram-se uma mania americana..Na década de 1920, os Estados Unidos embarcaram numa cisma de palavras-cruzadas. Estas, multiplicavam-se em jornais como o Pittsburgh Press, The Boston Globe, entre dezenas de outras publicações. Da imprensa, as palavras cruzadas seguiram para os livros temáticos, o primeiro publicado em 1924 com um lápis a acompanhá-lo..Um enxame de caçadores de palavras acudia às bibliotecas e aos seus dicionários e enciclopédias num movimento que mereceu a reação negativa da Biblioteca Pública de Nova Iorque, em defesa de leitores e estudantes com dificuldade de acesso aos livros mais requisitados. Dicionários que podiam ser encontrados a bordo dos comboios da Baltimore & Ohio Railroad que assim apoiava os passageiros tomados pela "febre" das palavras-cruzadas. O entusiasmo nacional tinha os seus detratores. Em 1925, a revista Time prognosticava uma vida breve para um passatempo que, já antes, o New York Times apelidara de "descoberta fútil" e "forma primária de exercício mental". .Ao exercício de deslindar as palavras ocultas numa grelha não faltavam argumentos contra: médicos alertavam para a dor de cabeça das palavras-cruzadas. Estas foram proibidas entre os funcionários dos tribunais e outros serviços públicos. Educadores temiam-nas por desincentivarem a leitura ou tidas como inimigas do exercício físico dos jovens, afastados dos treinos. Não obstante, as palavras cruzadas vingaram. A 15 de fevereiro de 1942, o jornal que 80 anos volvidos adquiriria por uma soma milionária o Wordle rendia-se ao enigma de palavras. O The New York Times iniciava a publicação de palavras-cruzadas como paliativo às negras notícias da Segunda Guerra Mundial. Margeret Petherbridge Farrar seria a primeira editora de palavras cruzadas da publicação, cargo que manteve ininterruptamente ao longo de 26 anos, até 1968..Duas décadas antes das palavras cruzadas tomarem de assalto jornais e revistas norte-americanos, o musicólogo e enigmista italiano Giuseppe Airoldi, correspondente do jornal Corriere della Sera, criou a parole crociate. A primeira charada foi publicada em 1890 num jornal de Milão, Il Secolo Illustrato della Domenica. O jogador era desafiado a deslindar as palavras escondidas numa matriz de quatro por quatro casas. Mais a norte, em Inglaterra, a antecedente da palavra cruzada do século XIX apresentava-se como um jogo infantil com palavras que poderiam ser lidas da mesma forma em linhas horizontais e verticais..dnot@dn.pt