A falência das Atividades Extracurriculares (AEC) de atividade física e desporto
O sistema educativo português apresenta orientações curriculares para o desporto em todos os ciclos de ensino. No caso do 1º ciclo do ensino básico as orientações existem, mas são incipientes. A generalidade das atividades é organizada no âmbito das atividades extracurriculares (AEC), bem especificado no Despacho 11069/2015, que determina uma participação opcional, com cariz formativo, cultural e lúdico, complementando as componentes do currículo.
O último relatório do Governo produzido pela Comissão Coordenadora (2016/17) sobre as AEC na valência desportiva (amostragem representativa dos 716 Agrupamentos de Escolas, Autarquias e IPSS) constatou que a mesma não passou de 50% em todas as regiões do país, sendo que o carácter lúdico do programa lhe confere informalidade e fragilidade no planeamento e supervisão pedagógica das atividades previstas.
Apesar disto o programa pressupôs um investimento do estado, e do erário público em 2017, na sua globalidade e em conjunto com outras atividades, de cerca de 22.929.828,87€ (≈23 milhões de euros).
A questão que se levanta, usando a natação como exemplo, é a incongruência histórica das políticas, traduzidas na legislação, sobre o desenvolvimento do desporto escolar no 1º ciclo do ensino básico, conforme se pode constatar pela pequena sinopse que a seguir se apresenta:
1. No quadro legislativo, a história do Deporto Escolar parte do Estado Novo (1936-1973) com a Mocidade Portuguesa;
2. Em 1973 reconhece-se a importância da Educação Física. A Direção Geral de Educação Física e Desportos (DGEFD) passou a assumir as competências que até então estavam sob a alçada da Mocidade Portuguesa;
3. Em 1974 dá-se a separação Desporto Escolar da Educação Física (DL nº 694/74 de 5 dezembro). As Direções Gerais Pedagógicas e Desporto Escolar passam para a dependência da Direção Geral dos Desportos (D.G.D);
4. Em 1975, a Federação Portuguesa de Natação (FPN), em colaboração com D.G.D., propõe um programa de natação escolar, sob tutela de José Sacadura, sem expressão significativa por falta de enquadramento técnico;
5. Em 1976, o Desporto Escolar passou progressivamente da D.G.D para as Direções Gerais Pedagógicas, observando-se entre 1977 e 1978 alterações nas organizações;
6. Em 1987-89, com apoio da FPN, foi testado no Distrito de Vila Real um programa piloto Distrital de natação no 1º ciclo, sob a coordenação da D.G.D. O modelo foi aplicado noutros Distritos (Viseu e Bragança) dando origem a uma publicação de referência (Livro a Escola de Natação, edições D.G.D.);
7. Em 1989, através do Despacho nº87/ME/89, foi criado, em regime de experiência pedagógica, o Gabinete Coordenador do Desporto Escolar;
8. Em 1993 dá-se a integração nos horários dos docentes do enquadramento técnico do Desporto Escolar;
9. Em 1996 (DL nº164/96 de 5 de agosto) foram introduzidas alterações nas Leis Orgânicas do Instituto do Desporto e do Ministério da Educação, voltando este último a ser, exclusivamente, o responsável por todas as atribuições em matéria do Desporto Escolar;
10. Em 1999 (Lei Nº24/1999, de 22 de abril) foi criado o Regime de Autonomia das Escolas;
11. Em 2005 (Despacho n.º 16795/2005) criam-se as AEC, mais tarde (Despacho n.º 14460/2008) AEC com atividade física;
12. Em 2006 (Despacho nº 12591/2006, publicado no Diário da República nº 115, de 16 de junho) surge o enquadramento para a realização das AEC;
13. Em 2012, o Decreto-Lei n.º 139, de 5 de junho institui as AEC no formato atual;
14. Em 2015, o Despacho 11069/2015, (publicado no Diário da República nº 194, de 5 de outubro) designa a comissão coordenadora das AEC (declaração de retificação n.º 912/2015 - D.R. n.º 2013/2015, Série II de 2015-10-16)
Tal como prevê o Despacho n.º 9265-B/2013 (n.º 1, art.º 9º), "a oferta de AEC deve ser adaptada ao contexto da escola com o objetivo de atingir o equilíbrio entre os interesses dos alunos e a formação dos profissionais que as asseguram". Essa intenção do Governo, não obstante se constituir como uma política interessante no espírito e nos princípios gerais, não tem tido efeitos esperados no desenvolvimento do desporto e hábitos de prática duradouros.
O programa, com uma duração semanal prevista entre as 5 e as 7.30 horas (DL n.º 139/2012, de 5 de julho), sistematiza duas áreas de intervenção principais: (i) as atividades físicas, para os alunos de 1º e 2º ano; (ii) atividades desportivas, para os alunos de 3º e 4º ano (jogos pré-desportivos, o andebol, o basquetebol, o futebol, o voleibol, o atletismo, a ginástica e a natação).
No caso da natação, o programa para além de ser facultativo e extracurricular, complexo na sua articulação necessária (não depende somente dos agrupamentos escolares), não antecipa as várias barreiras administrativas necessárias à sua implementação, pela ação conjunta de múltiplos aspetos:
- insuficiente quadro técnico vinculado aos agrupamentos para o efeito;
- seguros escolares;
- transportes;
- atividades fora do horário curricular;
- programa desajustado em critérios, competências e avaliações;
- falta de coordenação e supervisão pedagógica.
Com o propósito de corrigir esta realidade, foi aprovada a resolução n.º 125/2018, de 14 maio, sugerindo a reposição da carga letiva da disciplina de Educação Física e a valorização do Desporto Escolar. Este facto, porém, não esconde o real problema das AEC no 1º ciclo do ensino básico, em particular o acesso às atividades das crianças provenientes de meios socioeconómicos desfavorecidos.
Para resolver estes problemas, basta que o Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição (com o mesmo investimento de cerca de 23 ME já gastos por ano) integre as AEC nas expressões artísticas e Ed. Física no 1º ciclo do Ensino Básico e educação pré-escolar, assegurando as condições necessárias para que seja efetivamente lecionada em equidade para TODOS.
Com esta simples ação legislativa resolve-se a estruturação de um programa de desenvolvimento devidamente aferido na sua qualidade de ensino, dando resposta às atuais inconsistência, a saber: (i) inexistência de regulamentos nacionais dos programas das AEC; (ii) inexistência de especificação e relação entre conteúdos; (iii) inexistência de um programa geral, formal, uniformizado e obrigatório de formação para professores; (iv) inexistência de critérios para avaliação dos programas; (v) inexistência de um sistema externo de aferição nacional da qualidade, a não ser por inquéritos de opinião; (vi) a supervisão pedagógica é desestruturada, realizada pontualmente e inconclusiva; (vii) inexistência de articulação das AEC com atividades de outras instituições de solidariedade, voluntariado, sistema desportivo, etc.
Prof. Catedrático Departamento C. Desporto, Exercício e Saúde, UTAD; Membro do Conselho Nacional Educação; Membro do Conselho Nacional Desporto; Membro do Conselho Científico do Programa Nacional de Promoção da Atividade Física; Presidente da Federação Portuguesa de Natação.