A estratégia do Médio Oriente

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A estratégia dos países do Médio Oriente foi sempre a de se ligar a uma das grandes potências, que pudesse garantir-lhes algum tipo de segurança. A divisão entre aliados e inimigos era clara, os papéis eram divididos entre eles e cada participante estava interessado apenas em ter alguém forte atrás de si, que pudesse ser chamado para ajudar.

Do seu lado, as grandes potências estavam interessadas em manter as suas esferas de interesse nesta região estrategicamente importante, incluindo a sua prontidão para expandir a sua influência, se possível, no "território" dos seus concorrentes.

Hoje, tudo está a mudar e a tornar-se extremamente difícil prever até que ponto essas mudanças irão e, o que é mais importante, quem está por trás delas.

Israel, situado no centro do Médio Oriente, o mais forte aliado dos Estados Unidos na região, tentou muitos caminhos para encontrar paz e segurança para si próprio. O processo de paz com os palestinianos entrou em colapso após o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin em 1995. Desde então, tentaram encontrar uma saída sem resolver a questão palestiniana, com base na sua experiência nas relações com o Egipto e a Jordânia, com qualquer país árabe da região ou fora dela. Essa política sempre se baseou na expectativa de que os regimes árabes vejam importantes benefícios nos laços económicos, militares e de segurança com Israel para si mesmos, mais do que no apoio incessante da liderança palestiniana, que está profundamente dividida. Além disso, os Estados Unidos dispuseram-se a dar o seu apoio estratégico a essa política, abrindo as suas lojas de equipamentos militares a compradores árabes.

Essa política foi coroada com os Acordos de Abraão entre Israel, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos e alguns acordos com o Sudão, durante a presidência de Donald Trump em Washington. Com base nisso, Benjamin Netanyahu, quando voltou ao poder há alguns meses, declarou como prioridade a inclusão do Reino da Arábia Saudita no clube dos Acordos de Abraão, tendo em mente negociações secretas muito bem-sucedidas com Riade. A sua afirmação era lógica, pelo menos para ele, e Netanyahu sabia que a grande maioria dos cidadãos israelitas o apoiaria nessa atitude.

Mas, quando no Médio Oriente algo parece muito claro, geralmente não o é e pode nunca o ser. Apenas um acontecimento na mesquita Al-Aqsa em Jerusalém, quando a polícia israelita entrou em confronto com manifestantes palestinianos barricados dentro do santuário, foi o suficiente para mudar a política árabe. Houve um fluxo de declarações muito raivosas contra o governo israelita, vindas de todos os Estados árabes, Irão e Turquia, o que deixou claro que uma nova política poderia vir a caminho. E aí está ela.

A Arábia Saudita, com a mediação da China, restabeleceu relações diplomáticas com o Irão, o maior inimigo de Israel na região, trocam visitas e preparam-se para abrir embaixadas. Em seguida, as delegações do Hamas, movimento islâmico palestiniano que governa a Faixa de Gaza, reuniram-se com líderes do Hezbollah, organização xiita pró-iraniana no Líbano. A partir daí a Arábia Saudita iniciou conversações sobre um possível regresso da Síria, com Bashar al-Assad, à Liga Árabe, expulso desta organização no início das manifestações da Primavera Árabe. Em seguida, a delegação do Hamas foi à peregrinação aos locais sagrados islâmicos na Arábia Saudita, ao mesmo tempo em que a delegação de alto nível da OLP, chefiada pelo presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, visitava Riade. Além disso, existem conversas entre a coligação liderada pela Arábia Saudita e os rebeldes Houthi (grupo xiita pró-iraniano no Iémen) sobre a troca de prisioneiros na longa guerra entre eles. No final, é preciso ter em mente o pedido saudita enviado a Washington, pedindo-lhe que apoie fortemente o desenvolvimento do seu programa nuclear pacífico, que obviamente não foi assim tão bem recebido nos EUA. Tudo isso tem um denominador comum: a política contra Israel.

Assim, se os Estados Unidos, com a sua política de segurança e capacidade económica e militar, não forem suficientes para garantir a segurança de todos, os árabes seguirão o seu caminho, unindo-se contra o mesmo inimigo. Israel consegue uni-los, pelo menos por algum tempo, resta ver a força desses novos laços e quanto tempo aguentarão.

O que é muito interessante é que parece que o novo governo de direita israelita não teve problemas suficientes com a divisão interna da sua população, mas tem outro problema grande vindo de fora. Em vez de construir uma coligação anti-iraniana com os Estados árabes e islâmicos, eles são (assim parece) uma coligação anti-israelita de participantes muito diferentes politicamente, unidos pela oposição ao Estado judeu. Como resposta, Israel está a desenvolver a sua relação com as duas ex-repúblicas soviéticas: Azerbaijão e Turquemenistão. Ambos os países são islâmicos e muito próximos da fronteira iraniana.

Os Estados Unidos ainda não estão a ser muito claros sobre o que está a acontecer, limitando-se a criticar Netanyahu pela sua política, o que ainda está a deixar algum espaço para as especulações de quem está a fazer o quê e por que razão. Isto é o Médio Oriente.

Investigador do ISCTE-IUL e antigo embaixador da Sérvia em Portugal

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