Os apelos dos líderes catalães não foram suficientes para mobilizar os independentistas. Apesar de 600 mil pessoas terem saído às ruas de Barcelona em mais um Dia da Catalunha, esse foi o valor mais baixo desde o início do processo e desde que estas manifestações se tornaram um termómetro da força do independentismo. A Diada assinalou-se neste ano em plena divisão sobre a estratégia de futuro, quase dois anos após o referendo e a semanas de ser conhecido o resultado do julgamento dos que o organizaram..Segundo os dados da Guarda Urbana de Barcelona, cerca de 600 mil pessoas participaram na manifestação deste ano, o número mais baixo desde 2012. Em 2016, o ano em que menos pessoas tinham participado até agora, tinham saído às ruas 875 mil, segundo a mesma fonte, e já chegaram a ser quase dois milhões. No ano passado, foram cerca de um milhão.."Só teremos o Estado que queremos se fizermos a política em conjunto", disse o cantautor Lluís Llach, autor da música L'Estaca (composta durante a ditadura de Franco e considerado um símbolo de luta pela liberdade), num apelo à unidade entre as diferentes forças independentistas. Llach lembrou, num discurso durante o evento, que os catalães nunca vão renunciar "ao direito de viver e de escrever" a sua própria história.."Que a expectativa de um diálogo que nunca chega, o que é um engano, não nos faça perder a oportunidade. Temos de dar valor às nossas vitórias, temos de dar valor às nossas forças", disse a presidente da Assembleia Nacional Catalã (ANC), Elisenda Paluzie, que organizou a manifestação. A organização recebeu 450 mil inscrições, tendo alugado 1300 autocarros de vários pontos da Catalunha para o protesto em Barcelona.."Esta é a Diada mais difícil de todas as que organizámos. Porquê? Porque depois de organizar o referendo, de sofrer represálias, de ver vulnerados os direitos políticos mais básicos, não só não avançamos como que demos alguns passos atrás", afirmou. "A única via, a unilateral, desarma-se dia-a-dia. Aos nossos líderes dizemos para que não desarmem", acrescentou..O hino espanhol na homenagem a Casanova.O primeiro evento da Diada, pela manhã, ficou marcado pela chuva e pelo hino espanhol. O presidente da Generalitat, Quim Torra, colocou flores no monumento em homenagem a Rafael Casanova mas, quando se ouvia o hino catalão, Els Segadors, ouvia-se também em pano de fundo o hino espanhol, emitido desde um hotel próximo..A porta-voz da Generalitat, Meritxell Budó, considerou "incivil e lamentável" o boicote à homenagem, que se repete todos os anos. A polícia catalã identificou os responsáveis pela ação, que devem ser acusados de crime de desordem pública..Casanova era um jurista e a máxima autoridade militar e política na Catalunha durante o cerco de Barcelona, na Guerra de Sucessão Espanhola que opôs Carlos VI a Felipe V de Espanha. É a derrota e capitulação de Barcelona, a 11 de setembro de 1714, que os catalães assinalam no Dia da Catalunha (Diada). Casanova é considerado um herói pelos independentistas catalães..Na véspera da Diada, o presidente da Generalitat, Quim Torra, fez uma declaração institucional, manifestando que o independentismo "não foi vencido" e "não acabou o seu caminho". Torra insiste no direito de autodeterminação como única saída para o problema catalão. "Os povos formam parte dos estados por duas vias: por vontade ou por imposição, por adesão ou por repressão", referiu, deixando claro que "a Catalunha será o que os catalães quiserem"..Torra está também sob a mira da justiça, sendo acusado de desobediência pelo Supremo Tribunal de Justiça da Catalunha por se ter recusado a retirar os laços amarelos (símbolo dos líderes independentistas detidos) dos edifícios públicos. O julgamento será a 25 e a 26 de setembro..Evolução da Diada.Desde 2012, a festa foi ganhando maior destaque entre os independentistas, com as manifestações convocadas pelas associações Assembleia Nacional Catalã (ANC) ou Ómnium Cultural. Nesse ano, as autoridades catalãs alegaram que 1,5 milhões de pessoas saíram à rua sob o lema "Catalunha, novo Estado da Europa". O governo espanhol disse contudo que tinham sido 600 mil pessoas. No ano seguinte, o número foi ainda maior: 1,6 milhões de pessoas, segundo os organizadores, com o executivo espanhol a contar apenas 400 mil..Em 2014, atingiu-se o pico de participação, com algumas associações a falar de dois milhões de pessoas e o governo de, no máximo, 520 mil. A Diada de 2016 foi a que teve assistência mais baixa: 875 mil, segundo os primeiros, e 370 mil, de acordo com os segundos. No ano passado, as autoridades catalães disseram que um milhão de pessoas estiveram nas ruas e a delegação do governo espanhol não revelou números..A Diada deste ano, subordinada ao tema "Objetivo: Independência" e convocada pela ANC, surge a semanas de ser conhecida a sentença do processo independentista, pelo qual 12 líderes catalães (nove deles detidos) são acusados de rebelião, sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração unilateral de independência..A procuradoria espanhola pede penas que vão desde 7 a 25 anos de prisão, este último caso para o líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Oriol Junqueras, um dos que aguarda detido a decisão do Supremo Tribunal. "O que o Estado quer com esta sentença é decapitar um movimento pacífico e, como não pode prender dois milhões de cidadãos, prende-nos", disse Junqueras, de 50 anos, numa entrevista à Reuters..Puigdemont vs. Junqueras.A Diada deste ano fica também marcada pela divisão entre independentistas, apesar do acordo do governo que os mantém à frente da Generalitat: de um lado a ERC e Junqueras, detido, e do outro o ex-presidente Carles Puigdemont, líder do Junts per Catalunya (JxC), que optou pelo exílio em Bruxelas para não responder diante da justiça espanhola pelo mesmo processo..Enquanto o primeiro defende eleições antecipadas na Catalunha para aproveitar a contestação esperada após ser conhecido o resultado do julgamento e já admitiu que o referendo de 2017 "carecia de legitimidade democrática", o segundo defende que "o momento pede governo, estabilidade e fortalecimento das instituições", alegando que umas eleições iriam "debilitá-las".."Nunca tinha visto ninguém dizer que o facto de as pessoas votarem vai debilitar as instituições. Desde quanto é que o exercício democrático do direito de voto debilita as instituições", escreveu Junqueras no Twitter. E não foi a única vez que mandou recados a Puigdemont..Numa entrevista ao jornal francês Le Depêche du Midi, questionado sobre o porquê de não ter deixado o país na mesma altura que outros líderes catalães, Junqueras afirmou: "Fiquei na Catalunha por um sentido de responsabilidade para com os cidadãos. Por esse motivo me apresentei em tribunal: por responsabilidade e coerência", indicou..Junqueras, Dolors Bassa, Jordi Cuixart, Carme Forcadell, Joaquim Forn, Raül Romeva, Josep Rull, Jordi Sànchez e Jordi Turull estão detidos à espera do resultado do julgamento. Puigdemont, Antoni Comín, Anna Gabriel, Clara Ponsatí, Lluís Puig, Marta Rovira e Meritxell Serret estão fora do país, em fuga à justiça espanhola..No Twitter, Puigdemont deixou uma mensagem aos catalães para a Diada. "Hoje voltamos a mostrar ao mundo que continuamos apesar da repressão, que temos direito a viver em paz e livres, que ninguém pode decidir por nós o nosso futuro." O ex-presidente participou num ato para assinalar o Dia da Catalunha em Bruxelas durante o fim de semana, tendo seguido os eventos em Barcelona pelas redes sociais..Já Junqueras deixou um apelo: "Encham as ruas porque em breve estaremos todos com vocês! Com determinação, massivamente, civilmente! Adoro-vos!".Sánchez pede Diada para todos.O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que ainda não conseguiu negociar um acordo de governo, assegurou no Congresso que o seu executivo e o PSOE trabalham e continuam a trabalhar para que "rapidamente" chegue o dia em que a Diada seja "a festa de todos os catalães e catalãs e não de uma parte dos catalães".."Hoje deveria ser um dia que une todos os catalães e catalãs. Pelo caminho do diálogo dentro da Constituição, a convivência, o respeito e o entendimento", escreveu no Twitter..O presidente da Òmnium Cultural, Jordi Cuixart, um dos detidos, avisou os independentistas que há quem esteja a procurar a divisão "entre apoiantes do diálogo e o confronto". Numa carta enviada desde a prisão, lida num dos eventos da Diada, indicou que "a defesa permanente do diálogo é a única via para a resolução do conflito".