Há dez anos Portugal entrava num ciclo de crise económica e teve de pedir ajuda externa. Em 2011 inicia-se o período de intervenção da troika, que terminou em 2014. Entretanto os portugueses perderam empregos, poder de compra, mais pessoas saíram do país do que as que entraram. É neste cenário que surge a Pordata, a base de dados estatísticos que depois do período de recessão em Portugal acompanhou nos últimos anos a recuperação económica, a diminuição do desemprego e a chegada de mais imigrantes. Mas ao fim de uma década continua a haver poucos bebés no país e há cada vez mais crianças portuguesas a nascer no estrangeiro. A população continua a decrescer e a envelhecer. Porquê?."Há um conjunto de condições estruturais que não mudaram nestes dez anos, não há mais apoios sociais, não há uma conciliação entre a vida familiar e profissional, não há salários mais altos. Isso não mudou", explica Pedro Góis, sociólogo e um dos convidados da primeira conferência que assinala os 10 anos da Pordata no dia 12, no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa..Realça o número de crianças registadas nos consulados portugueses. Desde 2010, nasceram 1,2 milhões de portugueses, mas um terço (410 mil) estava fora de Portugal. Tendência que atingiu o pico em 2016, ano em que 50 323 crianças obtiveram a nacionalidade portuguesa tendo nascido no estrangeiro. Nesse período, foram registados 85 500 bebés em Portugal, o que já é uma inversão da tendência verificada no período da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo de Fomento Internacional), mas que não é ainda significativa. Em 2011, os nascimentos em Portugal baixaram dos cem mil, atingindo os valores mais baixo em 2012 e 2013 (82 mil), com ligeiras subidas e descidas nos anos seguintes, mas sem chegar aos 90 mil (ver gráficos).."Embora já tenhamos recebido alguns emigrantes que saíram durante o período da troika, continuam a sair muito mais pessoas do que as que estão a chegar. O número de portugueses que emigraram - nessa altura saiu uma média de cem mil por ano - e os que entraram não compensa. E esses estão a ter as suas crianças lá fora", diz Pedro Góis. A consequência da baixa taxa de natalidade é o agravamento das condições demográficas, nomeadamente a desertificação do interior. E temos uma população mais envelhecida, o que, por outro lado, também traduz uma boa notícia: o aumento da esperança média de vida, atualmente perto dos 81 anos, uma das mais altas da UE. Mas faltam jovens para compensar esse envelhecimento e, até, no que diz respeito às comparticipações para o sistema de pensões..A população cada vez mais velha é uma tendência que se desenha há muito mais tempo do que uma década e que o país não está a conseguir inverter. Maria João Valente Rosa refere este fator como sendo a principal mudança a nível demográfico. "Nesta década, destaco o envelhecimento da população. Em 2010 já tínhamos mais pessoas acima dos 65 anos do que abaixo dos 15. Em 2018 essa diferença é muito maior. Em 2010 os idosos (65 e mais anos) eram menos de dois milhões e em 2018 já são mais de dois milhões e vão aumentar. O número dos que têm 15 e menos anos tem vindo a diminuir, hoje são inferiores a 1,5 milhões"..O problema não está em morrermos mais tarde, mas em nascermos menos. A demógrafa destaca que o índice sintético de fecundidade (filhos por mulher em idade fértil) mantém-se muito abaixo dos 2,1 - aquele que garante a substituição de gerações. Este índice oscila entre 1,39 (2010) e 1,41 (2018)..Não é indiferente a este cenário as mudanças na estrutura familiar e também o aumento da idade para a chegada do primeiro filho. "A nível da estrutura familiar, os casais com filhos continuam em maioria, mas vão perdendo importância para os agregados unipessoais, os casais sem filhos e as famílias monoparentais", salienta..Nestes dez anos, o casamento foi dessacralizado, a percentagem de casamentos não católicos passou de 58% (2010) para 68% (2018). E o casamento perdeu importância para o início de um projeto de parentalidade. "Atualmente, a maioria dos nascimentos em Portugal são de pais não casados (56%); em 2010 a maioria dos nascimentos ainda era dentro do casamento (59%). A situação inverteu-se em 2018", destaca a demógrafa.. Crescimento de 2%.A economia portuguesa cresce numa média superior à europeia, mas, segundo o economista Eugénio Rosa, é ilusório. "Como Portugal tem um PIB por habitante (produto interno bruto) reduzido, um crescimento de 2% corresponde a um crescimento em euros muito reduzido, em muitos casos inferior ao verificado em países onde o crescimento foi de 1%, como acontece com a Alemanha." Além de sublinhar a dependência da economia portuguesa aos mercados externos: "As importação/exportação já representam cerca de 70% do PIB, o que se tem acentuado.".Lembra o que os portugueses perderam entre 2011 e 2015: "Com a entrada da troika e com o governo PSD-CDS, que pôs em prática várias medidas de austeridade, meio milhão de postos de trabalho foram destruídos. O número de trabalhadores com o ensino básico ou menos que perderam o emprego neste período atingiu os 1,1 milhões." Parte destes postos "foram ocupados por trabalhadores com o ensino secundário ou mesmo superior, a quem se paga por vezes menos." Desta forma, "as empresas conseguiram fazer o reajustamento salarial que reivindicavam"..Houve também um corte de remunerações da função pública, incluindo nos salários mais baixos. "2020 será o primeiro ano desde 2009 em que haverá um aumento geral para todos os trabalhadores, mas de 0,3%, ou seja, 33 vezes inferior ao aumento da inflação verificada entre 2009 e 2020", diz o economista..Desde 2013, ano em que atingiu o pico (16,2 % da população ativa), o desemprego diminuiu significativamente. Atualmente está nos 6,5%, mas, defendem os peritos ouvidos pelo DN, não é suficiente para levar as pessoas a ter dois ou mais filhos..A explicação técnica está nas palavras de Eugénio Rosa. "O crescimento económico que se verificou após 2015 tem sido conseguido fundamentalmente através da incorporação (utilização) de mais trabalhadores, o que teve a vantagem de reduzir o desemprego e aumentar as contribuições para a Segurança Social, e não à custa de um aumento da produtividade, que neste período praticamente estagnou, o que está associado a baixos salários"..O economista alerta para o facto de aumentar em Portugal a percentagem dos que recebem o salário mínimo. "É um dos países da União Europeia onde o salário mínimo está mais próximo do salário médio e da mediana. Este é um tipo de crescimento económico que se esgota, que tem limites, que o país, se ainda não alcançou, já está muito perto", justifica, considerando ser disso exemplo a ligeira subida da taxa de desemprego em dezembro de 2019..Um fator positivo, sem dúvida, salienta Maria João Valente Rosa, é a diminuição daqueles que abandonam o ensino antes de cumprirem a escolaridade obrigatória. Desde 2009 que o ensino obrigatório é até aos 18 anos ou até à conclusão do 12.º ano. Em 2010, mais de um quarto dos jovens (28,3%) abandonavam a escola sem completar o ensino secundário, percentagem que diminuiu para menos de metade, 11,8 %. Os que completaram o ensino superior (da licenciatura ao doutoramento) situam-se nos 80 mil e tiveram números mais baixos entre 2014 e 2016.. Fragmentação do Parlamento.Nestes dez anos, o país passou de um governo socialista para um governo social-democrata, voltando ao socialismo em 2015. António Costa não teve uma maioria absoluta mas formou um governo assente num acordo assinado de forma individual com o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV (ficou conhecido como a geringonça ) que lhe permitiu governar durante os quatro anos da legislatura. Foi no ano seguinte à saída da troika, uma fórmula que depois das últimas eleições autárquicas, 2019, não se repetiu nos mesmos moldes..A nível político, Pedro Adão e Silva destaca uma maior fragmentação da representação partidária, o que acompanha a tendência dos países durante e pós-crise, "mas com menos intensidade".."O PSD e o PS continuam a ser os dois principais partidos, mas os votos somados dos dois caíram. Temos elementos de continuidade face ao que era o sistema anterior, mas também alguns elementos de mudança, que estão em linha com o que aconteceu nos outros países europeus. Mas estes são menos intensos", explica o politólogo..Nestes dez anos surgiram quatro novos partidos no Parlamento - PAN, Chega, Iniciativa Liberal e Livre -, mas sem terem "uma votação eleitoral muito significativa". Uma tendência que começou a desenhar-se a partir de 2009 foi também o aumento do número de votos brancos e nulos..A "geringonça é, no entender de Pedro Adão e Silva, "uma consequência desta nova recomposição no Parlamento". Explica: "Se os votos dos dois principais partidos diminuíram, é mais difícil formar uma maioria absoluta, mas o PS e o PSD continuam a ser os agentes principais, o que não acontece nos outros países.".As explicações do politólogo para esta situação podem ser encontradas no nosso processo de transição para a democracia, no sistema eleitoral, no facto de as pessoas associarem a melhoria das condições de vida após a crise aos ditos partidos da governação. É uma tendência que vai manter-se nos próximos dez anos, prevê Pedro Adão e Silva. Assistiremos à continuação da fragmentação parlamentar e à dificuldade de um partido formar governo. "O mais provável é que a fragmentação se consolide, e a probabilidade de acordos parlamentares é maior", diz, acrescentando: "O facto de os partidos dos extremos terem representação parlamentar vai agudizar a polarização social e política, numa espécie de erosão do centro.".Também não se adivinham fortes ruturas a nível demográfico e sociológico. "Vamos continuar a ter gente a sair e gente a chegar, o que está muito dependente das questões económicas dos países de destino e dos países de origem. Não vamos ter mais nascimentos porque há cada vez menos mulheres em idade fértil e o primeiro filho chega mais tarde. Vai aumentar a esperança de vida, mas também já não pode aumentar muito por questões biológicas. Já somos um dos país do mundo com a maior esperança de vida, era bom é que essa vida fosse vivida com qualidade, e isso depende dos investimentos que o Estado está disposto a fazer", sublinha Pedro Góis..Maria João Rosa Valente destaca que as migrações dependem de a nossa economia continuar a atrair pessoas ou, se pelo contrário, a repelir os seus residentes. Alerta: "A população de Portugal diminuiu e perdemos protagonismo no quadro da UE. Éramos o 10.º país mais populoso da UE. Atualmente, sem o Reino Unido, somos o 11.º, perdemos protagonismo do ponto de vista da nossa evolução demográfica."