O que é mais surpreendente no resultado das eleições de dia 28 em Espanha: a vitória do PSOE ou o descalabro do Partido Popular? A notícia mais chamativa pela sua dimensão inesperada e totalmente dramática é a queda do PP. 66 deputados é uma hecatombe... Faltam palavras para defini-la segundo a sua dimensão. Ninguém nos seus piores pesadelos podia imaginar isto. Tradicionalmente, o PP surgia sempre muito em baixo nas sondagens e subia nas eleições mas desta vez foi ao contrário. Por isso, foi tão inesperado para todos. Algumas personalidades mais tradicionais do PP, mais institucionais, mais de Estado, estavam, sim, à espera porque consideram que a estratégia de Pablo Casado esteve errada. Nunca antes a direita esteve dividida em três partidos, nunca o PP tivera alguém a disputar os votos pelo centro e pela direita, nunca o Ciudadanos esteve tão próximo, o Vox é uma fação... A perda da moção de censura abriu um período de decadência absoluta. Primeiro a censura do Parlamento, depois do congresso do partido e depois das urnas. Teve um forte impacto na força que sempre teve o PP. Já fora chocante que o PSOE tivesse 84 deputados nas últimas eleições, mas agora o PP com 66....Que futuro espera o PP e o seu líder? Para já, até às eleições europeias, autárquicas e autonómicas [de 26 de maio] não deve acontecer nada. Vamos começar já outra ronda eleitoral e penso que não deve desestabilizar-se mais um partido. A direção do PP vai ter de mudar de estratégia porque o que fizeram levou-os a perder mais de três milhões de votos. Em 2015, quando Mariano Rajoy teve um mau resultado nas autárquicas, exigiram-lhe mudanças e puseram três vice-presidentes, um deles Pablo Casado. Agora vão também exigir mudanças a Casado..O que representa esta vitória tão ampla do PSOE? É uma legitimação nas urnas da moção de censura e uma derrota absoluta da narrativa que a direita aplicou a Pedro Sánchez. Os espanhóis não acreditaram nessa imagem dele. Penso que o mais importante nestas eleições é que o eleitorado se comportou como sempre: a votar pela moderação, a fugir dos extremos, dos radicais e do discurso de rutura da Espanha. O eleitorado não quer extremismos, discursos fora de contexto e, neste caso, os espanhóis consideram que quem representa a moderação e o diálogo é Pedro Sánchez. É um homem de sorte e os seus inimigos fizeram dele um herói. Primeiro os inimigos internos do PSOE, depois os poderes mediáticos que foram contra ele nas primárias e agora os seus adversários políticos. E foi essencial a mensagem do medo em relação ao Vox. Sánchez fez o mesmo que fez Rajoy com o Podemos. Rajoy conseguiu aumentar o número de deputados sugerindo que o Podemos podia ultrapassar o PSOE e Pedro Sánchez estimulou o medo em relação ao Vox, à extrema-direita e ao governo tripartido [PP-Ciudadanos-Vox] na Andaluzia. Sánchez conseguiu também atrair os eleitores do Podemos. Cultivou o relato de um homem de esquerda, sensível às desigualdades. Penso que para recuperar os seus eleitores foi muito importante a política económica, com gestos como a subida do salário mínimo, no sentido de reparar as desigualdades sociais da crise..Sánchez vai precisar de apoios para governar ou vai querer fazê-lo sozinho? Vai tentar governar sozinho. Não sei se vai ser possível. É verdade que o mandato das urnas é para que ele governe. Penso que vamos entrar num período de estabilidade, vai terminar esta campanha eleitoral permanente uma vez passadas as autárquicas, europeias e autonómicas de 26 de maio. Sánchez tem bastantes possibilidades de acordos, pode contar com abstenções. Se em Espanha os partidos valorizassem a estabilidade e o facto de estarmos há quatro anos sem um governo maioritário (precisamos dele para fazer reformas), o normal seria que Pedro Sánchez e Albert Rivera se coligassem, uma vez que juntos somam 180 deputados [a maioria é de 176]. Um número suficiente para fazer um programa de governo, uma reforma. Mas, tendo em conta as circunstâncias e sem vontade de Rivera, não vai ser possível. Com 180 deputados pode transformar-se um país mas não vai ser possível..O Podemos vai exigir estar no governo? O Podemos está numa situação difícil. A sua distância para o PSOE é quase de 80 deputados e os ministérios que poderiam ter seriam insignificantes. Pablo Iglesias quer provar que o Podemos continua a ser útil mas penso que não ia ficar contente com a divisão e isso poderia criar tensão..Os independentistas vão estar mesmo de fora do próximo governo? Sim, acredito nisso. Se os independentistas querem votar pela investidura de Pedro Sánchez ou se abstêm ou devem fazê-lo em troca de nada. Não poderão exigir a autodeterminação, nem outras reivindicações. É verdade que o PSOE tem uma certa legitimidade eleitoral para dialogar, é mais livre para fazê-lo porque foi validado pelas urnas. Pode ter uma certa liberdade. A ERC tem de decidir se assume a vitória socialista ou se continua a bloquear o Orçamento do Estado. Durante a campanha, Pedro Sánchez deixou muito claro a sua posição em relação ao independentismo..O Ciudadanos foi a surpresa da noite?.É verdade, as sondagens não falavam de tantos deputados. O voto oculto estava lá. A minha opinião é que o Ciudadanos já tem a marca de centro. Em matéria de costumes, de temas como o aborto, as mulheres...é um partido aberto que tem muito apelo junto dos jovens. O liberalismo está bem visto por aquelas pessoas que não se identificam nem com a esquerda nem com a direita..O Vox entra no Parlamento com 24 deputados, menos do que indicavam algumas sondagens. É preocupante a sua presença?.Não me preocupa muito. Vai ser um partido irrelevante no Parlamento sem capacidade de condicionar nada na política espanhola. Do ponto de vista prático não vão ser nada. A aposta por essa Espanha de que falam chega onde chega. Provavelmente, os espanhóis vão ver que o voto no Vox só serve de protesto e que vai começar a perder gás. O eleitorado deu-lhe deputados mas não vão decidir nada..Para as eleições autárquicas, espera o mesmo mapa eleitoral do passado domingo? Em algumas câmaras, PP, Ciudadanos e Vox talvez consigam aliar-se ou o Ciudadanos pode fazer acordos com o PP ou com PSOE. Os três partidos da direita vão anular-se uns aos outros. A crise está agora na direita. A crise da esquerda de há quatro anos trasladou-se agora para a direita.