O governo israelita está, lenta mas firmemente, a perder o apoio dos seus próprios membros no Knesset, e o que é muito interessante é que está a acontecer na extrema-esquerda e também na extrema-direita da coligação governante ao mesmo tempo. Mesmo tempo e mesma razão: não há decisões políticas de direita nem de esquerda suficientes. O centro da coligação só pode limitar-se a observar o que está a acontecer, sem um poder real para fazer nada que satisfaça os atores políticos de esquerda e de direita..O governo tem oito partidos políticos, alguns de direita, outros de esquerda, incluindo pela primeira vez um partido árabe islâmico. O equilíbrio está obviamente a perder terreno todos os dias, como um navio na tempestade, tentando sem sucesso encontrar um apoio baseado no interesse comum de todos os participantes na coligação..O fator que os mantinha unidos era a decisão de impedir que o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu voltasse ao poder, tentando resolver os seus problemas com a investigação e julgamento por alegada corrupção no cargo de político mais poderoso do país..Este objetivo foi alcançado quando a atual coligação foi formada há um ano. Era sabido que a função do governo seria muito dura sem uma ideologia política clara e exigiria muita tolerância de todos, o que não é uma situação estável na vida política de nenhum país..Quando veio à tona que alguns dos partidos do governo poderiam perder o apoio dos seus eleitores por causa dessa mesma tolerância, ficou óbvio que o obstáculo é demasiado grande para ser resolvido facilmente. Hoje, o governo não tem nem 60 deputados no Knesset, de um total de 120. Há algum tempo, houve um exemplo da situação extraordinária no cenário político de Israel, quando a oposição no Knesset, chefiada por Netanyahu, votou contra o interesse dos seus eleitores, rejeitando estender a lei que trata os colonos judeus na Cisjordânia como cidadãos israelitas regulares. O motivo foi um só: derrubar o governo e obrigar o Presidente da República a anunciar as novas eleições, pela quinta vez nos últimos anos..O governo ainda se está a aguentar, mas até o primeiro-ministro Naftali Bennett expressou dúvidas sobre a possibilidade de a situação poder durar muito tal como está..A fragmentação dos partidos políticos em Israel não começou recentemente, mas continua e ameaça prejudicar seriamente a tomada de decisões do mais alto órgão executivo do país, o que não pode ser bom para a estabilidade no Médio Oriente. Israel está envolvido numa série de tentativas de normalizar as suas relações com os países árabes da região e está a tentar construir uma coligação anti-iraniana cujo objetivo seria impedir este país de produzir armas nucleares e avançar na cooperação económica em benefício do toda a gente..Além disso, Israel, Egito e UE acabam de assinar um acordo sobre exportação de gás natural israelita através dos portos do Egito, o que torna Israel um importante fornecedor de energia para a Europa na crise energética causada pela guerra russo-ucraniana..O problema é que cada interveniente nesta situação instável pode ver a sua oportunidade de fazer algumas tentativas sérias que mudariam totalmente as prioridades políticas e económicas de cooperação e levariam todos para as questões de segurança e conflito.. Antigo embaixador da Sérvia em Portugal e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE