Natural de Londres, a cantora e compositora Ana Silvera, de 38 anos, é descendente de sefarditas, judeus expulsos de Portugal e de Espanha pela Inquisição nos séculos XV e XVI..Quinhentos anos depois, a britânica, que atualmente vive entre o Reino Unido e a Dinamarca, depois de já ter passado pelos EUA, vai ter nacionalidade portuguesa ao abrigo do Decreto-Lei n.º 30-A/2015, de 27 de fevereiro (sobre a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, a descendentes de judeus sefarditas)..Fã do fado de Amália Rodrigues e de Mariza, quer manter ligação à UE, por isso votou "remain" no referendo de 23 de junho de 2016 sobre o Brexit. Em entrevista ao DN, por e-mail, fala sobre a sua ligação a Portugal, a sua carreira musical e o conturbado processo britânico para sair da União Europeia..Manifestou a vontade de aproveitar a lei portuguesa sobre judeus sefarditas e pedir nacionalidade portuguesa por causa do Brexit. Se já o fez, que resposta obteve, até este momento? Sim. Acabei de saber pelos meus advogados do Porto [Yolanda Busse e Oehen Mendes] que fui aprovada. Estou tão feliz. Agora só tenho que esperar que o governo português emita a minha certidão e, a partir daí, sou portuguesa..A Ana Silvera já alguma vez esteve em Portugal? Sim. Há uns anos fui ao casamento de uma amiga, numa vila pequena, perto do Porto. Mas tenciono visitar Portugal muitas mais vezes, não só por ter a nacionalidade, mas claro que isso torna tudo ainda mais especial. É um país incrível, cheio de criatividade, de maravilhas naturais, de música..O que sabe sobre Portugal e os portugueses e de que é que gosta mais?.Além de compor e cantar as minhas próprias músicas, também sou intérprete de ladino, que é um estilo tradicional dos judeus da Península Ibérica, o qual mantiveram e desenvolveram ao longo dos séculos, mesmo no exílio, depois de terem sido expulsos pela Inquisição em Espanha e Portugal nos séculos XV e XVI..Definitivamente, identifico a mesma melancolia, bela e ansiosa, no fado, que ouvi a primeira vez pela voz de Amália Rodrigues e depois, como é óbvio, nas cantoras mais modernas, como a Mariza, cujas músicas também falam de exílio. O som e o sentimento tocaram profundamente a minha alma..Também sei que Portugal, ao longo dos anos, tem tido políticas de facto progressistas, como a da despenalização do consumo de drogas, tem feito uma boa integração das comunidades de imigrantes e é um país que não acusa uma deriva para a direita, no sentido da extrema-direita, como acontece noutros países da Europa. Isso é muito inspirador e faz que eu sinta ainda mais orgulho em ter a nacionalidade portuguesa..Em que parte de Portugal viveu a sua família? Tanto quanto eu sei, a minha família viveu numa zona de Torres Vedras, chamada Silvera [hoje Silveira]. Há ainda outra variante do nome de família, Silveyra, que também tem relação, por exemplo, com o poeta judeu português Miguel de Silveyra [que faleceu em Nápoles em 1638)..Li que os seus antepassados vieram de Espanha para Portugal e, depois, foram para Aleppo, hoje Síria, antes de partirem novamente para Manchester, Inglaterra, Reino Unido. Alguma vez visitou Aleppo? Quando via as notícias sobre a guerra na Síria e em Aleppo, que tipo de pensamentos vinham à sua cabeça?.Bem, é uma situação de partir o coração, independentemente da ligação que temos com o sítio. É aflitivo para todas as pessoas de Aleppo. Há uma história, que costumo contar quando interpreto canções de ladino, sobre uma tradição muito específica dos judeus de Aleppo. Eles acendem as oito velas no Hanukkah e uma nona em sinal de gratidão para com os nativos de Aleppo durante o Império Otomano [uma população muçulmana] por os terem ajudado enquanto refugiados. Essa história tem muito eco nos dias de hoje..Para mim, o reforço dos laços entre as comunidades da diáspora de judeus e muçulmanos é essencial e, efetivamente, algo muito natural. Temos muita coisa em comum. Especialmente os judeus do Médio Oriente, como os da minha família: a cozinha, a música, o humor, a sensibilidade emocional. A nível pessoal, gostava muito de ter tido a oportunidade de visitar a Síria e alguns dos locais ligados à minha família. Em 2006, estive quase para ir lá, mas por várias razões acabei por não ir. Espero voltar, um dia..Explora vários estilos musicais nas suas canções e já tem álbuns a solo. O que mais a inspira enquanto cantora e compositora e em que sítios de Portugal gostaria de atuar? Eu lancei dois álbuns a solo - The Aviary e Oracles - mas também tenho feito muitos outros trabalhos, tais como composições para o Royal Ballet [Reino Unido], participações em orquestras de cordas e coros..Sempre cantei e o que me inspirou para ser cantora - e viver disso - foi o facto de eu ser uma contadora de histórias. Adoro a forma como as histórias nos podem conectar uns aos outros, através da partilha de experiências, da partilha de dor ou da partilha de alegria..Apaixonei-me pela música ladino desde o momento em que a ouvi, na minha adolescência - apesar de não pertencer à nossa tradição familiar. Recentemente, comecei um projeto de um duo de ladino com a violoncelista Francesca Ter-Berg, que vai buscar canções que não foram interpretadas durante centenas de anos e as reinterpreta, reavivando a tradição..Gostaríamos de tocar por todo o Portugal, devolver esta música onde ela saiu, em primeiro lugar. Se houver interessados, podem encontrar-me online e enviar-me um e-mail..O que sente em relação ao Brexit e como votou no referendo de 2016?.Primeiro, fiquei em choque, zangada, depois triste e depois perplexa com a forma como o Parlamento [britânico] tem conduzido o processo, Claro que votei remain [pela permanência do Reino Unido na UE]. Não é que eu considere a União Europeia uma organização perfeita, de todo, mas acho que tem muitos aspetos positivos e eu aprecio muito o sentido de uma identidade europeia. Acho que deveria haver um segundo referendo [sobre o Brexit] para que as pessoas tenham realmente a oportunidade de votar com conhecimento de causa sobre a situação.