As luzes apagam-se por toda a Europa. Não as voltaremos a ver acesas ao longo das nossas vidas." Pronunciada nas vésperas da entrada da Grã-Bretanha na Primeira Guerra Mundial pelo secretário-geral dos Negócios Estrangeiros britânico Edward Grey, esta dramática afirmação tornar-se-ia profética. Em 1918, quando, aliviada, a maior parte da população acreditava que aquela fora, de facto, a guerra destinada a acabar com todas as guerras, alguns outros, mais lúcidos, compreendiam que os próprios termos do Tratado de Paz continham já a semente do ódio e do ressentimento..Quatro anos de guerra global, vinte milhões de mortos, uma multidão de estropiados e a certeza de que nada voltaria a ser como antes: a consciência da fragilidade da vida precipita jovens e menos jovens numa década de puro hedonismo que a história conheceria por "anos loucos". A moda feminina é revolucionada por visionários como Poiret e Chanel, o cinema afirma-se como espetáculo de massas, a vida noturna das grandes cidades é animada por jovens que dançam novos ritmos como o fox trot ou o charleston. O que eles ainda não podiam saber é que dançavam sobre um vulcão adormecido..O primeiro sinal de alarme veio de Itália, onde, a 28 de outubro de 1922, Benito Mussolini, acompanhado por milhares de militantes do Partido Fascista, marchou sobre Roma, numa demonstração de força que levou o velho rei Vítor Emanuele III a entregar-lhe o governo.. O mundo sobressaltou-se. Camisas negras, postura belicista, como tal era possível entre um tão agradável mar de lantejoulas e plumas? Não se dança bem com botas cardadas... Mussolini, que errara ideologicamente entre o socialismo e o anarquismo nas primeiras décadas do século XX, formara o Fasci Italiani di Combattimento (Feixe Italiano de Combate), fortemente influenciado pelo pensamento ultranacionalista do escritor Gabriele d"Annunzio. Mais conhecido pelos escândalos sexuais (que ele próprio propagandeava) do que pela sua obra literária, D"Annunzio passara da teoria à prática quando, em setembro de 1919, tomou a cidade de Fiume (hoje Rijeka, na Croácia)..À frente de um exército de dois mil voluntários, obrigou as forças americanas, britânicas e francesas que a ocupavam a retirar-se e impôs aquilo a que chamou a Regência Italiana de Carnaro. O objetivo era forçar a Itália a anexar Fiume, mas, em vez disso, o governo italiano iniciou um bloqueio, exigindo a rendição dos golpistas. D'Annunzio declarou então Fiume um Estado independente..Tentou organizar uma liga de nações oprimidas selecionadas no mundo (tal como os italianos de Fiume), e começou a negociar alianças com vários grupos separatistas nos Balcãs (especialmente grupos de italianos, e também alguns grupos eslavos, embora sem muito sucesso). Apesar de derrotada por um bombardeamento da Marinha italiana, a experiência autoritária de D"Annunzio impressionou fortemente Mussollini, que, uma vez no poder, o convidaria para seu conselheiro pessoal..Na Alemanha, também a semente do autoritarismo começava a dar os seus frutos venenosos. Em plena República de Weimar, numa Alemanha que saíra socialmente destroçada da guerra que perdera, o Partido Nazi, dirigido por Adolf Hitler, fortificava-se. A 9 de fevereiro de 1923, os seus membros sentem-se suficientemente fortes para ousar um golpe de Estado a partir de Munique. Foi o chamado Putsch da Cervejaria, de que resultaria a prisão dos cabecilhas, nomeadamente Hitler e Rudolf Hess. O desaire não os desmotivou. Na prisão, Hitler escreveria o primeiro volume de Mein Kampf (A Minha Luta), que publicaria em 1925. Um ano depois, surgiria o segundo volume do que é considerado o ideário do nazismo..Portugal também participou nesta corrida para a catástrofe. A contestação à participação do país na Primeira Guerra Mundial levara já a uma primeira experiência autoritária, centrada na figura de Sidónio Pais. Muito popular numa primeira fase (Fernando Pessoa deu-lhe o epíteto de "Presidente Rei"), acabaria, no entanto, assassinado na Estação do Rossio, em dezembro de 1918..O regresso ao parlamentarismo não trouxe, no entanto, a desejada acalmação. Num país pobre que as consequências da guerra empobreceram ainda mais, os anos 1920 pautaram-se por uma instabilidade crónica que deixava exangues as finanças do país e da população. Com a República ferida de morte, sucedem-se as tentativas de golpe militar. Lisboa enche-se de boatos. O medo cresce na mesma proporção que o descontentamento..A 28 de maio de 1926, o general Gomes da Costa partiu de Braga rumo à capital, à frente de um vasto contingente de tropas. No mesmo dia, em Lisboa, formava-se uma Junta de Salvação Pública, chefiada pelo almirante Mendes Cabeçadas, que entregou um manifesto ao então Presidente da República, Bernardino Machado. Ao contrário do que acontecera cerca de um ano antes, com um golpe dirigido por Sinel de Cordes e pelo próprio Gomes da Costa, a intentona triunfara. Começava, então, a ditadura militar, que imediatamente suspendeu a Constituição de 1911, dissolveu o Parlamento e estabeleceu a censura prévia da imprensa. Embora o novo regime ainda demorasse algum tempo a consolidar-se, os portugueses só voltariam a ler jornais livres quase meio século depois, a 25 de abril de 1974.