Podia dizer-se que já está tudo escrito sobre a vida de três escritores, um poeta, uma cantora e um realizador, mas a editora Contraponto quer provar que não é bem assim e anunciou uma ambiciosa coleção de biografias que foi apresentada hoje na Biblioteca Nacional de Portugal, com direito a ministra da Cultura. Agustina Bessa-Luís, Amália Rodrigues, Herberto Helder, José Cardoso Pires, Manoel de Oliveira e Natália Correia, são as primeiras "figuras"..Coincidentemente, a exposição Os primeiros 25 anos da Agência Portuguesa de Revistas (1948-1973), que estava no caminho até ao auditório onde se deu a apresentação, testemunhava de forma irónica que a biografia romanceada em tom cor-de-rosa já foi sucesso em tempos e teve bastante tradição junto dos leitores portugueses, afinal mostravam-se ali capas de revistas que confirmavam publicações de sucesso nesta área, como foi o caso de uma telenovela na Crónica Feminina intitulada Casamento por anúncio, situação que corresponde à vida emocional de Agustina Bessa-Luís, ou em livros cor-de-rosa e de banda desenhada títulos como O Homem sem passado como Herberto Helder queria ser, Uma Mulher moderna como foi Natália Correia, e por aí em diante..Claro que o sexteto escolhido pela editora para serem descobertos por leitores do século XXI pouco tem a ver com estas revistinhas do passado, serão antes volumes com cerca de 500 páginas e com a realidade biográfica impressa em vez de romanceada. Pelo menos é o que o editor Rui Couceiro promete ao garantir que do projeto com três anos de gestação vão resultar "biografias que devem ser vistas como parte da literatura nacional e que se lerão com interesse". Intenção que a ministra Graça Fonseca sublinhou ao pedir para que a Coleção Biografias de Grandes Figuras da Cultura Portuguesa Contemporânea "permita conhecer a história do país e das suas gentes". Não deixou de, na sua primeira visita oficial à instituição, reforçar um pedido: "A continuidade de uma cultura depende da memória e de se recordarem os nomes que marcaram a literatura além das obras que deixaram escritas"..A ministra da Cultura aproveitou para confessar que ficou com "bastante inveja do trabalho que os seis autores têm em mãos", processo que cada um explicara antes após o esclarecimento de Rui Couceiro sobre o facto de "cinco dos seis biógrafos serem escritores" e que "não foram escolhidos por acaso." Revelou que a periodicidade destes volumes dependerá das datas em que forem terminados, mas será certo que terão capa mole, de modo a poder serem vendidos a um preço em conta, cerca de 20 euros..Cinco autores a iniciar-se no género.Confirmou que a primeira biografia a chegar às livrarias será O poço e a estrada - Biografia de Agustina Bessa-Luís, de Isabel Rio Novo. A escritora referiu o conhecimento prévio da obra da escritora, cerca de 80 livros, mas que mesmo assim ficou surpreendida com o desafio. "Pensava que a conhecia bem, mas com a investigacão descobri muitas outras componentes da sua vida", disse, definindo ainda a autora como às vezes "perversa" noutras "enigmática"..Bruno Vieira Amaral revelou que continua a ter o sonho de escrever uma biografia do cantor Tony de Matos, no entanto acabou por aceitar fazer o retrato do autor e da época de José Cardoso Pires: "Tinha a vantagem de estar morto, o que é uma vantagem quando se faz este género de trabalho" e que recebeu o apoio da família, "situação que não esperava". O escritor considera-se fascinado pelas descobertas que tem feito sobre Cardoso Pires na escrita da biografia..Filipa Martins considera que "foi encontrada por Natália Correia" e se tivesse de escolher uma biografia "não seria a de um escritor ou um autor de telenovelas". Também disse ter sido uma "uma sorte que, além de a biografada esteja morta a família também" para poder trabalhar à vontade, em tom de brincadeira como fizera antes Vieira Amaral. Refere que "ainda está a espreitar pelo buraco da fechadura" a autora que lhe coube, mas já descobriu que Natália Correia foi ghost-writer de vários políticos portugueses..Evitar o romanceado.A Filipa Melo coube Amália Rodrigues, que tal como os restantes biografados "ainda não dispensam apresentações" por serem mal conhecidos no género biográfico. Porquê Amália? Foi a sua primeira opção, disse, acrescentando o interesse numa mulher que chegou a tentar ler A Divina Comédia no original, que aprendia línguas de ouvido e dizia que o fado era triste porque era lúcido. "Existem várias aproximações à vida da fadista mas não uma biografia propriamente dita, resultante de uma investigação. Quero fazer a primeira biografia formal sobre ela para se chegar à verdadeira Amália, evitando qualquer perspetiva romanceada", afirmou..João Pedro George agradeceu a presença da ministra e da administração da editora antes de referir a importância do "indivíduo que se quer afastar da obra para não a influenciar", o que era o caso de Herberto Helder. Parodiando o seu biografado, que "não gostava deste tipo de cerimónias", aproveitou para informar a ministra da Cultura das dificuldades em que a Biblioteca Nacional de Portugal se encontra..Paulo José Miranda garantiu que não lhe foi fácil dar início à sua biografia e que ficou insatisfeito com a primeira fase do trabalho sobre o cineasta Manoel de Oliveira, uma pessoa que sempre viu com muita idade. "Sempre teve a idade de Moisés para mim, evidentemente que foi mais novo e nos deixará estupefacto com o que se virá a saber dessa época", disse, antes de brincar com o facto de não conseguir "encontrar ninguém que fosse seu contemporâneo em jovem e que se lembre dessa época". Entre as novidades desta biografia está um depoimento da cantora Patti Smith, grande admiradora do realizador..Duas situações perceberam-se ao fim de cem minutos de sessão. Primeiro, a de que a ministra não iria debater as dificuldades da Biblioteca a não ser num encontro para o efeito, que deixou em aberto. Segundo, que neste conjunto de autores a maioria está a iniciar-se na arte da biografia. Veremos o que resultará deste amadorismo, até porque é um género demasiadamente ignorado em Portugal, e que, perante o espanto confessado pelos autores presentes na apresentação sobre as surpresas já verificadas no caminho, terão de ser bem editadas. Ou as que a seguir virão, estarão inquinadas à partida.