Daniel Ricardo, membro do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, discordou das minhas conclusões nos artigos intitulados A batalha sem tréguas dos dinossauros vivos contra a escravidão, sobre a exploração esclavagista que órgãos de informação praticam com os estágios não remunerados de candidatos cujos trabalhos enchem páginas de jornal ou asseguram piquetes de prevenção em audiovisuais em horários desconfortáveis que os profissionais (?) para eles empurram..Sublinha Daniel Ricardo que não me escreveu em nome do Secretariado, nem solicita a publicação do seu texto. Entendo, porém, que o diálogo exige conhecimento das posições divergentes, pelo que lhe pedi autorização para publicar o seu escrito, não nas páginas do jornal, dada a sua dimensão incomportável, mas no Blogue do Provedor, a que Daniel Ricardo anuiu..Temos um ponto em comum: o de nos considerarmos, seguindo a linguagem dos que ao longo destes anos venderam ideais e princípios para se tornar capatazes e jagunços do patrão, "dinossauros" que teimam em lutar contra o trabalho gratuito de estagiários nas redações..Mas discordamos no modo de combater essa exploração: a Comissão da Carteira quer proibir e multar a publicação de textos assinados por tais estagiários; eu entendo que não, considero que qualquer pessoa pode publicar e assinar uma notícia num jornal, mesmo não sendo jornalista profissional..Daniel Ricardo pergunta se não estarei a confundir essa atividade com o chamado "jornalismo de cidadão", tão desacreditado pela transmissão de boatos e mentiras; e acrescenta que sem o título profissional não são dadas garantias de seriedade e rigor à notícia publicada. .Não estou de acordo. Não, não estou a falar do suposto "jornalismo de cidadão", mas vou à essência do que é o jornalismo: o jornalismo não é uma ciência (qual seria o objeto de tal "ciência"?), não é uma técnica, não é uma arte, não é uma profissão, não é um negócio - se bem que contenha ciência, técnica, arte, profissão e negócio. Mas o jornalismo é tão-somente uma ética da comunicação, o que faz dele a mais nobre das atividades, porque se trabalha para alargar a liberdade dos outros. A ética da comunicação não é garantida por qualquer cédula, como o é o ato médico, por exemplo, mas pelo escrutínio. A garantia da seriedade de uma notícia não é dada porque provém de um jornalista profissional, mas porque há uma pirâmide hierárquica que a avaliza - e o público tem condições para fazer o seu juízo. Não esquecer que as maiores canalhices que têm sido cometidas no jornalismo - a começar em manipulações e a acabar em trabalho escravo - têm origem em titulares veteranos de carteira profissional. Por isso, assinar notícias é coisa que todos podem fazer - assim entendam publicar os que têm responsabilidade profissional, criminal e cível pelo que vai ser publicado. Proibir a assinatura cheira-me a corporativismo e isso distorce a finalidade desta batalha "dinossáurica"..Outra divergência que tenho com Daniel Ricardo é que ele admite o estágio curricular gratuito e eu entendo que é um abuso das escolas incluir um estágio nas condições para reconhecer uma licenciatura. Em primeiro lugar, as licenciaturas não produzem profissionais, mas licenciados. Se as escolas querem incluir o estágio no currículo, que sejam elas a encontrar os lugares - para todos! - sob pena de ser abusivo que, por causa disso, recusem a licenciatura..Diz Daniel Ricardo que a lei permite. Não é exato. A lei apenas admite que as escolas estabeleçam convénios com órgãos de informação para estágios até três meses. E que esse tempo poderá ser contado como estágio profissional, reduzindo assim a duração do estágio obrigatório..Ora, se o tempo é descontável no estágio profissional, é porque o estágio, conquanto curricular, foi também profissional, isto é, constituiu ocupação principal, permanente e remunerada, como o define a lei - e não se supõe que a mesma lei diga uma coisa e o seu contrário. Se o órgão de informação estabeleceu horário de trabalho, mesmo que flexível, vinculou o estagiário a agenda e não lhe pagou, não estamos só no âmbito do incumprimento de normas laborais: entrámos no crime - e já é tempo de os jagunços patronais irem malhar com os ossos à cadeia. .Por isso, se um candidato ao título provisório (título de estagiário) o vem requerer à CCPJ e solicita o desconto do tempo, há que lhe pedir a prova das remunerações; se apenas apresentar o dossiê de trabalhos assinados, tem de mostrar que foi pago por isso; se não o conseguir fazer, apure-se se trabalhou com horário, hierarquia e agenda; se sim, participa-se à hibernante Inspeção de Trabalho. Além disso, a CCPJ tem legitimidade para notificar a Procuradoria da sua suspeita de prática de trabalho escravo. .É um wishful thinking, mas há de vir o dia em que será metido no calabouço nem que seja só um dos esclavagistas que levaram até este ponto o seu miserável vira-casaquismo..Uma palavra final para João Marcelino, que há poucos dias deixou de ser diretor do DN. Foi uma grata surpresa ter trabalhado com ele, tão grande como a minha perplexidade ao ser escolhido para Provedor do Leitor, conhecida que é a minha suave maneira de ser elefante em loja de porcelana..Nem por um momento, nem ao de leve, João Marcelino exerceu qualquer pressão sobre as minhas opções de intervenção ou de estilo: liberdade completa foi o que me proporcionou - não me esqueço e agradeço. .Notei em João Marcelino que não se rodeou de yes men, o que mais lhe valoriza a liderança..Só posso desejar-lhe êxitos renovados noutras experiências porque, ou apenas temos em Portugal empregadores mais estúpidos do que permite o regulamento, ou João Marcelino não andará muito tempo ocioso..A André Macedo, o diretor que vai assumir funções, desejo e prevejo bons sucessos. Não tem tarefa fácil diante de si: mas esse é o aliciante do triunfo.