É num nono andar com vista panorâmica sobre o rio Tejo que Cláudia Guerreiro tem o seu ateliê. É ali o seu pequeno mundo, um mundo que começou a criar ainda em criança, em desenhos espalhados por inúmeros cadernos e também em pequenos bonecos, pouco a pouco transformados em esculturas, devido à influência do tio Jorge e da tia Noémia, "ambos escultores".."O desenho começou antes de tudo", revela, enquanto volta a tentar pegar numa obra, já há algum tempo adiada, pensada para oferecer à amiga Rita Redshoes e que agora vai ser transformada numa serigrafia..Cláudia é também a baixista dos Linda Martini, o grupo rock que a tornou uma "figura semipública", apesar de a sua formação ser noutras artes, bem diferentes da música. "Sou licenciada em Escultura e tenho um mestrado em Ilustração Científica", especifica. Já a música, adianta, "também esteve sempre presente" na sua vida, devido ao pai, que tocava guitarra e cantava. "Começou por ser um hobby, não gosto nada do termo, porque desvaloriza e faz parecer que as pessoas não podem interessar-se por várias coisas na vida, mas com o tempo tornou-se algo mais sério." Em termos académicos, porém, nunca foi uma prioridade: "E ainda bem, porque como sou bastante perfeccionista, acabo por ficar muito presa às convenções. Como não sei música, consigo ser muito mais livre quando toco do que quando desenho. A ignorância às vezes é boa [risos].".Neste momento, são todavia duas realidades bastante afastadas uma da outra. "A música é algo que faço com mais três pessoas, enquanto o resto faço sozinha. "É verdade que foi a música a tornar-me mais conhecida e não a ilustração, mas na minha cabeça é ao contrário. A Cláudia, que faz artes plásticas, também é música." É-lhe mais difícil, por exemplo, separar duas bandas, quando se toca em ambas, do que a música e a ilustração. "São coisas completamente diferentes, cada qual com o seu espaço, que eu vou gerindo da melhor forma. Até gostava que se influenciassem mais, mas não as consigo mesmo misturar", sublinha. Às vezes dá-lhe jeito para trabalhar, mas apenas quando faz "peças grandes". Nessas alturas gosta de ouvir música, "daquela nada relaxante", para ganhar energias. Pelo contrário, se estiver a trabalhar em algo mais minucioso, como a ilustração científica, prefiro estar "no mais absoluto silêncio"..Além deste tipo de trabalho, executa também ilustrações para livros e capas de discos - foi autora da capa e ilustrações do recém-editado álbum Canções de Roda, Lengalengas e Outras Que Tais, de Ana Bacalhau, Jorge Benvinda, Sérgio Godinho e Vitorino - ou de "rótulos para vinhos" a cartazes, como os que mensalmente faz para a Casa Independente ou aquele que criou para a edição deste ano do festival Soam as Guitarras.."Não sou uma ilustradora da moda, porque não faço arte de rua, nem estou ligada a nenhuma galeria, que aliás nem devem fazer ideia de quem eu sou. Quase tudo o que faço é para responder a pedidos específicos. E é também assim que acabo por desenvolver o meu trabalho mais pessoal"..Pelo caminho ficou entretanto a escultura, que, "além de ideias, precisa também de dinheiro e de espaço" para ser desenvolvida. "E como só tenho ideias para peças impossíveis e enormes, é melhor estar quieta." Quando convidada a definir aquilo que faz, Cláudia simplesmente não consegue. "Tenho quase 40 anos e continuo à espera dessa epifania, que me desvende um caminho, onde junte todas as coisas tão diferentes que vou fazendo." Assume-se como "uma picuinhas", tão "presa aos aspetos mais técnicos", que depois acaba por esquecer outros, se calhar "tão ou mais importantes"..Reconhece fazer "um esforço enorme para o contrariar", mas nem sempre consegue, pelo que, arrisca, a melhor palavra para definir aquilo que faz é: "Confuso, tal é a misturada."