Empresário, feito comendador, colecionador de arte notável -- tendo inclusivamente trazido para o país a mais importante coleção de Arte Moderna alguma vez vista em Portugal, desde 2007 no Museu a que deu o nome, no CCB --, o madeirense ex-emigrado na África do Sul chegou a estar entre os mais ricos do país. Agora, a história é bem diferente..Aquele que foi um investidor de relevo na bolsa portuguesa, em 2007, e que chegou a ser o quinto homem mais rico do país, com uma fortuna avaliada em 890 milhões de euros, segundo a revista Exame -- só no BCP, era dono de uma posição de 7% do banco, tentou comprar a SAD do Benfica e o seu papel foi importante para o desfecho de diversas operações, nomeadamente as relativas ao controlo do BCP e da Portugal Telecom --, hoje, aos 75 anos, está em apuros. Deve quase mil milhões de euros a três grandes bancos portugueses. BCP, Caixa Geral de Depósitos (CGD) e Novo Banco estão a pagar caro por terem concedido créditos ao empresário sem acautelar as devidas garantias. Os três bancos tentam agora, confirmou o DN/Dinheiro Vivo, executar o antigo investidor e especulador da bolsa.."A execução de bens não será fácil", disse fonte próxima de um dos bancos. O gestor tem entre os seus negócios a Quinta da Bacalhôa, a Fundação Berardo e a Metalgest. Estes negócios podem vir a servir para pagar os créditos do empresário. No caso da Coleção Berardo - que está instalada no Centro Cultural de Belém -, levanta muitas dúvidas sobre se pode ser executada. A coleção de arte foi dada como garantia aos três bancos..Um império de Joanesburgo à arte.Nascido José Manuel Rodrigues Berardo no Funchal, em 1944, e tendo começado a trabalhar antes dos 14 anos na Madeira Wine Company, emigrou acabado de atingir a maioridade, como tantos outros madeirenses, para Joanesburgo -- onde viria a conhecer Horácio Roque, de quem ficou amigo e sócio no Siet Savoy, com três hotéis na Madeira, e na Empresa Madeirense de Tabacos. Foi por lá que ganhou o nome que o faria famoso, Joe, logo nos primeiros anos, quando começou por trabalhar "numa loja de produtos agrícolas da qual viria a tornar-se sócio", conforme o próprio conta na apresentação que se faz na página do Museu Berardo..Se o trabalho que o pôs na rota do setor mineiro -- "antecipando a subida do preço do ouro, Berardo dedica-se à reciclagem dos desperdícios, reiniciando a exploração das minas desativadas que entretanto havia adquirido" e em poucos anos assumia a liderança como dono de "várias refinarias em minas de ouro e de diamantes, alargando os seus negócios ao mercado bancário e ao mercado bolsista", conforme se relata naquela página -- lhe deu bagagem financeira para expandir os negócios, a sua paixão sempre foi outra. Colecionador apaixonado, Berardo não descansaria enquanto das primeiras coleções de selos, postais e caixas de fósforos não fizesse nascer uma coleção de arte digna desse nome..Antes disso, porém, alargaria os seus negócios o mármore e ao granito, ao petróleo, às telecomunicações, ao material informático... até ser nomeado, "na década de 1980, presidente do Bank of Lisbon", relata a mesma fonte, recordando ainda a sua passagem, já no final dessa década, pelo Canadá e Austrália, antes do regresso a Portugal, já com honras de distinto empresário comprovadas em 1985 com a atribuição do grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então Presidente Ramalho Eanes (secundada pela Grã Cruz da mesma Ordem, uma década mais tarde)..Por cá, tornar-se no "senhor Gulbenkian do século XXI" era o objetivo, traçado já nos anos 1990 por Francisco Capelo, que tomou por missão ajudar Berardo a transformar e dar sentido e unidade ao seu espólio. E foi percorrendo essa estrada que Joe conseguiu que a sua coleção se tornasse numa referência mundial -- segundo o Independent e vários críticos de arte mundialmente conceituados, numa "das melhores coleções privadas da Europa, superior à de Guggenheim"..Além do Museu de Arte Moderna por si inaugurado em 1997, tendo posteriormente conseguido chegar a acordo com o governo para a instalação da sua coleção no Centro Cultural de Belém -- o Museu Berardo de Arte Moderna e Contemporânea, inaugurado em 2007 --, reúne obras de incrível valor e que já foram integradas em exposições dos mais importantes museus do mundo, incluindo o Centro Georges Pompidou, em Paris, a Tate Gallery, em Londres, o MoMA e o Guggenheim Museum, em Nova Iorque, e o Museu Rainha Sofia, em Madrid..Casado e com dois filhos, Joe Berardo deu ainda vida a uma outra paixão, os vinhos, através da Quinta da Bacalhôa, em Azeitão -- propriedade da Fundação Berardo.."Governo persegue as pessoas do dinheiro". Leia aqui a entrevista de Berardo em 2012.Ator em guerras de poder.Se os negócios de Berardo começaram na África do Sul, em Portugal, o comendador investiria em diferentes áreas, do tabaco à banca e aos vinhos. Os seus investimentos têm sido feitos através da Fundação Berardo e da Metalgest..Investidor e especulador em bolsa, entrou na Cimpor e na Teixeira Duarte, tendo sido um ator decisivo na guerra de poder no BCP e também na oferta pública de aquisição (OPA) falhada da Sonae sobre a Portugal Telecom. E nessa altura tinha mesmo presença assídua nos media..No caso do BCP, o empresário madeirense ficou do lado dos grandes acionistas, incluindo Manuel Fino e Teixeira Duarte, na guerra contra Jorge Jardim Gonçalves, que liderava o banco..BES (atual Novo Banco), CGD e BCP ajudaram Berardo a comprar ações do BCP, financiando o empresário. "Os bancos é que vieram oferecer-me crédito para comprar ações", garantiu, numa entrevista ao DE em 2011. E quando as ações do BCP afundaram em bolsa -- fazendo a sua fortuna perder um terço do valor em apenas alguns meses --, Berardo deu como garantia a sua coleção de arte. Mas a garantia foi dada através da Associação Coleção Berardo, conforme conta o Correio da Manhã, pelo que, juridicamente, há diferentes interpretações sobre as obras de arte poderem ser alvo de execução. A Coleção Berardo foi avaliada pela leiloeira Christie's em 2006 num valor que ascende a 316 milhões de euros..Bancos avançam com processo contra Berardo. Leia aqui.No caso da Portugal Telecom, Berardo acabaria por ficar contra a Sonae na OPA, que foi chumbada numa assembleia geral da PT em março de 2007. Nesse mesmo ano, a PT Multimédia comprou os negócios de TV por cabo de Berardo por 65 milhões de euros. De resto, o BES, a CGD e o BCP financiaram vários dos atores principais da OPA sobre a PT, incluindo a Ongoing e Joaquim Oliveira..Esta OPA acabou por chamar a atenção do Ministério Público, no âmbito da Operação Marquês, que começou a investigar o que levou ao seu desfecho, noticiou o DN em 2015. Um desfecho para o qual Joe Berardo e os bancos que o financiaram contribuíram..O nome de Berardo voltou a estar na agenda mediática numa altura em que decorre a segunda comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD. O ex-presidente do conselho fiscal da CGD Eduardo Paz Ferreira afirmou em audição na comissão que havia um "tratamento especial" dado a alguns grandes devedores do banco público, incluindo Joe Berardo, que era "o cliente especial à margem das regras"..Paz Ferreira também disse estar "muito longe de acreditar que a Coleção (de arte) seja executável" e desejou "boa sorte" aos bancos sobre a eventual execução de bens do empresário por parte dos bancos. Segundo o Correio da Manhã, a Direção de Gestão de Risco da CGD só encontrou uma garagem em nome do empresário madeirense..O processo conjunto dos três bancos vai avançar depois de ter falhado uma última tentativa de acordo para a liquidação dos empréstimos, segundo o mesmo jornal. Os bancos propuseram executar a Coleção Berardo a par de um perdão de grande parte da dívida do empresário. Berardo recusou..Os bancos portugueses têm vindo a ser pressionados a cortar no crédito malparado. O nível de crédito em incumprimento em Portugal ainda é elevado, apesar de se ter reduzido em 24 600 milhões de euros desde o pico em 2016. Mas os empréstimos "tóxicos" ainda representam 9,4% do crédito em carteira no sistema bancário português, acima dos 4,5% de média na zona euro..O DN/DV contactou o advogado de Joe Berardo, André Luiz Gomes, mas até à hora de fecho desta edição não obteve resposta..Com Joana Petiz