A ameaça dos poderes autoritários e um guião para salvar as democracias liberais
Manter os ideais democráticos", reforçar a "cooperação entre as democracias consolidadas" e regular a utilização da tecnologia de acordo com padrões democráticos são instrumentos importantes para enfrentar os "poderes autoritários emergentes", de acordo com um estudo apresentado pelo Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos (CIEP) da Universidade Católica Portuguesa.
Identificando a Rússia e a China (esta com maior impacto e influência em Portugal) como ameaças às democracias ocidentais, este estudo - divulgado no âmbito do "Estoril Political Fórum" promovido pela Católica, que decorre esta semana e junta estudantes, académicos e peritos da área da ciência política - procurou "compreender as novas formas dos poderes autoritários que se estão a infiltrar no mundo democrático" através de tecnologia sofisticada, da economia e da desinformação, refere o relatório final desta investigação.
O designado projeto "Raising Powers" (poderes emergentes) foi desenvolvido no último ano e meio por dois professores e seis bolseiros de mestrado e doutoramento, com o apoio do Institute for War and Peace Reporting e do Global Engagement Center do Departamento de Estado norte-americano, contando também com várias conferências e artigos publicados.
"O nosso foco principal foi sobre os desafios autoritários em Portugal e na União Europeia, bem como as forças autoritárias influenciam os processos de democratização e o desenvolvimento económico nos países africanos de língua oficial portuguesa", é sublinhado no relatório final a que o DN teve acesso.
Esta equipa trabalhou em três áreas principais que, no seu entender, mais estão a corromper as democracias liberais. A primeira engloba a "Inteligência Artificial" e a "vigilância cibernética autoritária", no âmbito das quais "a tecnologia 5G desempenha um papel cada vez mais importante e generalizado na política e relações internacionais".
Segundo este estudo, "a subtileza com que estas tecnologias operam e a rapidez com que penetram na sociedade exige um estudo cuidadoso dos seus impactos". Quanto ao 5G é referido no capítulo sobre este tema que "embora seja suposto trazer enormes benefícios tanto para as empresas como para consumidores, começou a ser entendida como uma infraestrutura crítica, tornando-se um dos campos mais significativos de concorrência entre as potências mundiais".
Assim, é salientado, "o 5G deve ser visto no contexto de uma ordem mundial mais geopolítica causada pela ascensão da China como líder tecnológico global". É ainda analisada a "estratégia divergente do 5G sobre a Huawei numa Europa fragmentada" a qual "determinará a aliança da Europa com os Estados Unidos e a sua relação com a China", referindo "o processo de implementação dos 5G em Portugal, um membro da União Europeia que ainda coopera com a Huawei".
Outro foco de investigação foram as "campanhas de desinformação" que durante os últimos anos têm sido usadas como influência "de atores autoritários na formação da opinião pública" através das redes sociais e plataformas digitais. "A liberdade de expressão é um dos nossos princípios mais caros e, ainda assim, é agora armado para minar o regime democrático e provocar a dissidência", é assinalado.
A terceira área aprofundada foi a económica. "Nada é mais característico da globalização do que o florescimento de um continente através das relações económicas", no entanto, "enquanto os governos estão concentrados na prossecução do crescimento e desenvolvimento, as superpotências podem usar o seu poder económico para subjugar os mais vulneráveis aos seus interesses", afiança este estudo do CIEP.
Num dos capítulos é feita uma análise às capacidades de influência da China através do poder económico, designadamente em Portugal.
De acordo com o Mercator Institute for China Studies, um think tank alemão que monitoriza os investimentos internacionais chineses, revela que na última década (2000-2019) Portugal foi dos maiores destinatários de investimento chinês, sendo previsto ainda que aumente.
Embora reconhecendo que há investimentos positivos, é também sublinhado que levanta questões de segurança relacionadas com a transferência de tecnologias. A influência da China é também analisada em países como Angola e Moçambique.
O que os autores deste estudo propõem para tentar proteger as democracias, consolidadas e em desenvolvimento, centra-se em três "armas" fundamentais.
A primeira passa por as democracias liberais "defenderem os seus princípios basilares" e manterem uma "sólida cultura democrática baseada na transparência e responsabilidade, interna e externamente". "A democracia precisa de um maior envolvimento dos cidadãos, ouvindo-os e valorizando-os", é assinalado.
Em segundo lugar, destaque para a necessidade de cooperação entre as democracias. "Isto pode ser alcançado desde que haja vontade política, por via formal ou informal, através de organizações já estabelecidas, como a NATO, ou através de novos tratados e protocolos".
Quanto às "ameaças híbridas", relacionadas com a tecnologia e a inteligência artificial, elas "representam um dos maiores desafios para a Aliança Atlântica". Para os autores do estudo, "as democracias liberais estão numa posição privilegiada para refletir e construir um quadro democrático robusto" com "regulação" que salvaguarde "a ética" da relação "entre a máquina e a humanidade".