A teimosia grega encerra algo de admirável. Quando em finais da década de 1950 o senhor Leandros Papathanasiou quis zarpar da ilha de Corfu foi porque percebeu que a sua vida ali não poderia ser desperdiçada a tocar para turistas bêbedos ou americanos de cruzeiro a caminho de Veneza. Ter "andros" no nome dá sempre jeito e a helénica testosterona catapultou-o para a Alemanha, que se reerguia da guerra e precisava de belas e doces baladas para inspirar a reconstrução federal..Leo, já tilintando marcos no bolso, viu ainda mais além: desembarcado em Hamburgo nos seus trinta e poucos anos, mudou o seu nome artístico para Mario Panas, algo entre a piza e o gyros, e começou a dar--lhe no Schlager, uma das mais perigosas drogas duras que a humanidade jamais produziu. Almejou algum sucesso, embora a vida lhe tenha trocado as voltas..E quem diz vida, diz a sua querida filha Vassiliki. Era um prodígio que, reza a lenda, falava oito línguas com inesperada fluência. Tamanha que, ao fim da primeira década de vida, o seu pai aditivou-lhe o nome para Vicky. Sábio, Leo também abdicou de uma carreira própria. A pequena guerreira chamar-se-ia doravante Vicky Leandros e teria de ser muito grande. Um Magnus Alexandrus de saias. Foi-o, embora o carimbo só tenha acontecido em 1972: grega de nascimento, residente no Holstein alemão, cantou num francês perfeito pela bandeira do Luxemburgo. .Venceu. .Venceu Vicky, naturalmente, e uma certa ideia de Europa unida. No 1 de janeiro seguinte, o de 1973, a Irlanda, a Dinamarca e o Reino Unido aderem de pleno direito à então Comunidade Económica Europeia, vulgo CEE, e não seria somente pelos subsídios..Vicky trouxe um perfume orientalizante ao festival. Après Toi foi das melhores coisas que nos aconteceram. Uma minitragédia grega cantada com a dócil paixão da língua francesa e a toxicodependência do Schlager. Curiosamente, há poucas covers deste êxito, uma em castelhano e outra em finlandês, porventura duas ou três mais, mas sempre escassas para tão ruidoso estrondo. .Na sua ambição, na sua vertigem, e como legítima herdeira genética do seu pai, o primeiro cantor do hino do Panathinaikos, já agora, ainda foi vereadora da Cultura do Pireu entre 2006 e 2008. .Desistiu, obviamente. A política é péssima conselheira para quem gosta de cantar e sabe fazê-lo com a dignidade xamanística de quem nasceu e viveu num porto, em vários portos, sempre habituada, preparada, portanto, a partir e chegar e partir..Après Toi é muito mais do que um après ski beto. É a minha canção favorita da Eurovisão e seria estúpido da minha parte se não o enfatizasse aqui: Efharisto para poli! Ou: um abraço para ti, Thanasis, a nossa Elina de Haapsalu, ou Eleni, já nasceu ou ainda estás à espera de que a Nechayeva ganhe aqui em Lisboa?