A alimentação do futuro e o futuro da alimentação
A população mundial atingiu 8 mil milhões de pessoas em novembro. As previsões apontam para 10 mil milhões em 2050. Este crescimento exponencial exerce uma forte pressão sobre os sistemas agroalimentares, que são forçados a produzir cada vez mais, devendo, ao mesmo tempo, garantir a sustentabilidade dos processos de produção e abastecimento. Nestas circunstâncias, iremos conseguir alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030?
É por isso que a inovação alimentar assume um papel central, disponibilizando soluções que vão ao encontro das exigências nutricionais de uma população em crescimento e, cada vez mais, também de sustentabilidade ambiental.
Durante a última década, foram lançadas no mercado inúmeras inovações alimentares, muitas das quais têm por objetivo fornecer nutrientes essenciais para o organismo.
Neste âmbito, as plant-based foods - ou seja, os alimentos compostos unicamente por ingredientes de origem vegetal - já se encontram presentes em todos os mercados há vários anos, posicionando-se como uma alternativa mais saudável e sustentável aos produtos cárneos e lácteos convencionais.
Já que no diz respeito aos produtos à base de insetos comestíveis, trata-se de uma tendência recente, pelo menos no mercado europeu. Além de serem ricos em proteínas e outros micronutrientes, a produção de insetos tem um menor impacto ambiental quando comparada com a pecuária tradicional. No entanto, a comercialização desses novos alimentos em Portugal e em alguns outros países europeus tem sofrido algum atraso por falta de um quadro regulamentar específico e harmonizado.
Mais recentemente surgiu a carne cultivada em laboratório, prática assente na reprodução de células animais in vitro. Singapura é o único país que já aprovou esta inovação e os Estados Unidos deram o primeiro passo para a sua legalização há poucas semanas. Isto tem um potencial disruptor relevante ao prescindir dos fatores de produção agrícola normalmente necessários para a produção desse alimento.
No entanto, no mercado europeu, a presença da carne de laboratório nas prateleiras dos supermercados está ainda longe de ser uma realidade. É preciso garantir as devidas autorizações legais para a sua comercialização, o que pressupõe a ausência de qualquer risco e desvantagem nutricional para o consumidor. Por outro lado, é preciso ver como vão os consumidores europeus reagir a esta tendência, sabendo nós que, como mostra o caso dos alimentos geneticamente modificados, há muita resistência aos produtos resultantes da biotecnologia ou que não sejam 100% naturais.
Mesmo com todos os benefícios que estas inovações possam trazer, é difícil crer que os nossos padrões de consumo atuais - que se baseiam em séculos de experimentação, conhecimentos e tradição - mudem radicalmente no curto ou no médio prazo. Talvez seja mais realista esperar que tais inovações contribuam para uma maior diversificação da oferta alimentar, sem se substituírem completamente aos alimentos convencionais.
A alimentação do futuro, portanto, será inevitavelmente influenciada pela atividade de I&D do setor agroalimentar. Ao invés, o futuro da alimentação depende, no espaço europeu, da definição de políticas públicas mais ambiciosas, que incentivem esta atividade garantindo um acesso ao mercado mais rápido para as inovações com comprovados benefícios para a saúde e o ambiente.
Jurista especializado em Direito Agroalimentar e investigador no Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS), Lisbon Nova School of Law