As quedas nos hospitais são o principal incidente registado com doentes em ambiente hospitalar, sendo o tipo de acidente mais comum e que se mantém no topo das estatísticas nos últimos anos. Entre 2015 e 2017, foram registadas pela Direção-Geral da Saúde um total de 22 799 quedas de doentes nos hospitais sendo a principal causa de incidentes a nível de segurança interna nos hospitais..Em 2018 e 2019, a tendência mantém-se e, além de um maior rigor na monitorização e registo destes acidentes pelos profissionais de saúde, há três razões que podem explicar a manutenção do elevado número de casos, em que o estado de saúde do doente é determinante para o acidente: a idade cada vez mais avançada dos doentes internados, a maior dependência dos doentes em termos de mobilidade e a pressão que existe sobre os internamentos hospitalares, com o número de macas nos corredores a ser também maior..Estes três motivos foram descritos ao DN por Carlos Martins, gestor hospitalar que dirigiu até janeiro passado o Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte. "Há um elevado número de doentes internados com idade avançada e com menor capacidade de reação. Precisam de muito mais atenção do pessoal de enfermagem e auxiliar. Muitos apresentam mais do que uma patologia", disse Carlos Martins, como explicação para números altos de acidentes com doentes a nível hospitalar, apesar dos esforços feitos a nível de planeamento e prevenção..A problemática das quedas em ambiente hospitalar voltou à ordem do dia após o Ministério Público abrir um inquérito no caso da morte do dirigente do PCP, Ruben de Carvalho, que terá sofrido uma queda, tendo batido com a cabeça em circunstâncias ainda não esclarecidas, durante o internamento no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde morreu três semanas depois do referido episódio. O inquérito visa apurar se houve negligência. O hospital também abriu uma averiguação interna sobre o incidente..Sete mil quedas por ano.Os números da DGS indicam que as quedas são o principal incidente, relativo à segurança dos doentes, registado nos hospitais. Num relatório de Monitorização, Qualidade e Segurança aos anos 2015, 2016 e 2107, o número total de quedas é de 22 997. Foram 7001 em 2015, 8826 no ano seguinte para em 2017 se registar uma diminuição para 6952. A seguir às quedas surgem as úlceras de pressão (muitas vezes causadas por longa imobilidade dos doentes) com 17 391 casos. A identificação do doente também provocou 2140 incidentes. O objetivo da DGS é, até 2020, reduzir até 50% o número de quedas..Esta estatística tem por base as notificações dos hospitais e do Sistema Nacional de Notificação de Doentes, com os elementos deste sistema a serem fornecidos, de forma anónima, por profissionais de saúde e doentes. Dos relatórios trimestrais, que existem desde 2013 com o último a referir-se ao primeiro trimestre de 2019, fica também a evidência de que os acidentes com doentes - e aqui não se refere apenas a quedas - ocupam, de forma destacada, a primeira posição na estatística dos incidentes. São os profissionais de saúde que reportam a maioria dos casos, constituindo 38% do total de incidentes..O objetivo desta plataforma NotifiQ@ é dotar as autoridades de saúde de uma noção nacional do tipo de incidentes que são notificados e para, depois de analisar as principais causas, tomar medidas para corrigir os problemas. No ano passado, o responsável pelo Departamento da Qualidade na Saúde da DGS afirmava ao DN que as quedas são um dos principais exemplos desta estratégia. "É o produto que põem no chão que não é antiderrapante? Não têm o cuidado de pôr grades nas camas dos doentes que estão mais agitados? Tem de se saber qual é a causa e depois tomar medidas corretivas, corretoras, para que sejam sistémicas para toda a instituição." E a DGS garantia que 95% dos hospitais têm implementadas estratégias de prevenção de quedas e que o número de auditorias internas nos hospitais aumentou, de 2016 para 2018, de 1456 para 4910..Carlos Martins, que também já foi secretário de Estado da Saúde e ocupou outras funções a nível do SNS, refere que hoje "todas as instituições de saúde têm presente esta preocupação da segurança dos doentes e dos profissionais de saúde". No caso dos doentes, há várias situações em que podem ser tomadas, seja ao nível do piso com material antiderrapante, grades mais adequadas nas camas, segurança das janelas, reações adversas a um fármaco. "É preciso ter em conta que um hospital como o Santa Maria tem 5000 a 7500 doentes por dia. É quase impossível que não aconteça uma situação imprevista", aponta o gestor, que recorda ter analisado alguns casos de acidentes por negligência nos seis anos que presidiu ao Santa Maria, sem que nenhum atingisse gravidade de maior ou fosse causa direta de morte de um doente..Da experiência como gestor hospitalar, dá os exemplos de acidentes que melhor conhece. São os acidentes com macas, com o gradeamento das camas e até o acesso a zonas como terraço. No Santa Maria houve um caso de um suicídio de um visitante que acedeu a um terraço. A situação obrigou a rever os procedimentos de segurança, com maior rigor no acesso. "Um hospital é como uma grande cidade. Recebia os relatórios de segurança e havia sempre incidentes. Os episódios são relatados e obrigam, por vezes, a que se tomem medidas.".Se as quedas permanecem como o principal acidente nos hospitais, é por haver hoje uma maior monitorização, com mais casos a serem reportados. "Contudo, não podemos justificar tudo com isso. A esperança de vida tem aumentado e isso tem provocado alterações. Há mais idosos nos hospitais, muitas vezes com várias patologias, são pessoas com maior dependência e sem grande capacidade de mobilidade. Se a isto se juntar a pressão que existe sobre os internamentos, com doentes a ficarem em macas, teremos as causas para que as quedas sejam ainda o maior número dos acidentes", refere Carlos Martins..Falta de enfermeiros acentua risco.São os enfermeiros quem lida mais de perto com os doentes e Sérgio Branco, presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros, diz que os acidentes como as quedas "são um indicador de qualidade e o facto de assistirmos a valores elevados é um reflexo do desfalque dos enfermeiros nos hospitais". O dirigente apontou ao DN que "estudos demonstram que cada doente a mais que um enfermeiro tenha é um fator de risco". Se devia ser cinco ou seis doentes por enfermeiro, em Portugal temos "20 ou 30 por enfermeiro", assegura..Uma população mais envelhecida, com "várias patologias e tendência para ter alterações de saúde mental quando estão internadas", é outro fator que "contribui para um número elevado de acidentes a nível de unidades de saúde". Refere ainda que "há muitos doentes internados que ficam em macas, seja em corredores, refeitórios e outros locais inadequados", o que propicia um maior número de acidentes..Este responsável da Ordem dos Enfermeiros não tem dúvidas de que as quedas "contribuem para o aumento da taxa de mortalidade a nível hospitalar" e insiste que o "desfalque assistencial" aos doentes é uma realidade devido à falta de profissionais. De resto, Sérgio Branco aponta que o registo destas situações, comunicadas em maior número pelos profissionais de saúde, "são também um pedido de ajuda para o que está a acontecer no contexto hospitalar, com médicos, enfermeiros e outro pessoal a fazer registo das situações" para que sejam tomadas medidas..Estado de saúde é decisivo.A atitude das unidades de saúde em ter estratégia de prevenção e redução dos acidentes, referida pela DGS e secundarizada por gestor e enfermeiro, encontra exemplo prático no projeto STOP Quedas: Programa de Gestão e Controlo das Quedas de Doentes em Ambiente Hospitalar, produzido pelo Gabinete de Gestão do Risco do Centro Hospitalar de Lisboa Central em 2013, e que mereceu um prémio de boas práticas. Desde 2008 que existe a monitorização do indicador "Queda do Doente" nos quatro hospitais..No resumo do projeto, lê-se que "vários estudos apontam que 80% dos incidentes relatados nos hospitais são quedas e em 5% a 6% destas o doente sofreu uma fratura ou uma lesão grave, com repercussões a nível psicológico, económico e social. Dos múltiplos fatores que podem contribuir para as quedas, destaca-se a idade (acima dos 65 anos), o estado de saúde, a medicação que o doente está a tomar, história de queda anterior e fatores ambientais". Com dados até 2013, indicava o projeto que "os fatores que mais contribuíram para a queda do doente foi o "estado de saúde" (74,5%), dando relevância à importância de uma abordagem multidisciplinar da equipa de saúde na gestão e controlo das quedas do doente. Os fatores ambientais representam 20,4% das causas de queda do doente, sendo avaliados e monitorizados pela Equipa da Gestão do Risco. Do total das quedas, 36,7% originaram lesão e resultaram 3880 atos médicos e de enfermagem".