43 candidaturas ganham apoio com novo reforço anunciado por Costa
Com o Governo sob pateadas e apupos do mundo das Artes, o primeiro-ministro desdobrou-se ontem em explicações e justificações sobre os dinheiros para o setor. Primeiro através de uma iniciativa inédita, uma carta aberta publicada no portal do Governo, depois no debate quinzenal na Assembleia da República, com todas as bancadas a falarem do tema. Sem conseguir convencer: os artistas, que mantiveram os protestos marcados para hoje, os parceiros parlamentares do PS e os partidos da oposição.
Para PEV, BE e PCP, por esta ordem de intervenção, o que falta às Artes sobra para os bancos. "O financiamento é claramente insuficiente" e "os reforços" de verbas feitos "são minúsculos", apontou a ecologista Heloísa Apolónia. "O Governo esteve mal, o Orçamento é insuficiente, está pior distribuído", sintetizou a bloquista Catarina Martins. António Costa argumentou junto dos seus parceiros que está a fazer melhor, depois dos "brutais cortes" do governo anterior e prometeu rever o modelo de financiamento do setor, após uma avaliação a esse modelo. O secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, já tinha aberto idêntica porta, depois de admitir erros, na terça-feira à noite.
Logo às 7.00 da manhã, Costa ensaiava o primeiro controlo de danos após a crescente contestação dos agentes da cultura com uma "Resposta aberta à cultura": "Nos últimos dias, vários criadores culturais têm-me contactado publicamente a propósito do novo regime de apoio às artes. Não podendo responder individualmente a cada um, recorro a esta forma de resposta pública às questões que têm sido apresentadas." E aí relembrava um anúncio já feito a 20 de março, "em conjunto com o ministro da Cultura", de "um reforço anual de 2 milhões de euros para o orçamento de apoio às artes". Ao qual acrescentava um outro reforço, agora de 2,2 milhões de euros.
À tarde repetiria estes argumentos no Parlamento, notando que com este reforço serão apoiadas mais 43 entidades, que se somam às 140 inicialmente aprovadas. Na carta, Costa explica que este reforço foi decidido depois de "constatar, pela dinâmica das candidaturas a concurso, que havia um sério risco de vários projetos merecedores de aprovação por parte dos júris poderem vir a não ser contemplados".
Onde falhou esta explicação que provocou aquela que é, segundo Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, "a maior contestação que existe na Cultura desde o 25 de Abril"? Costa admitiu que o novo modelo de apoio, implementado este ano, "pode potencialmente ser corrigido". A esquerda não deixou de ironizar com o súbito amor da direita pelas artes, como criticou Catarina Martins ao recordar uma frase antiga de Rui Rio, quando era presidente da Câmara do Porto: "Quando ouço falar de cultura saco logo da máquina de calcular."
Mais 43 estruturas apoiadas
Com o novo reforço, "o valor total destinado aos concursos de apoio sustentado para o ciclo 2018-2021 corresponde a 81,5 milhões de euros", esclareceu uma nota do Ministério, notando que, "respeitando os períodos de audiência prévia previstos na lei, os resultados dos concursos podem ainda vir a ter alterações". Recorde-se que foi lançado com a verba inicial de 64 milhões de euros.
Centro Dramático de Évora, Orquestra de Câmara Portuguesa, A Escola da Noite, O Teatrão, c.e.m - centro em movimento, Cão Danado, Teatro dos Aloés, Chão de Oliva, Teatro Animação de Setúbal, Teatro Estúdio Fontenova e Teatro das Beiras e Teatro Experimental de Cascais são algumas das 43 candidaturas que agora se podem juntar às 140 iniciais. Contactados pelo DN, Carlos Avilez (do TEC) e José Russo (Cendrev) disseram querer esperar pelos resultados antes de comentar este possível financiamento às suas companhias.
Quanto aos protestos, esses não perderam força. Quem o garante é Carlos Costa, da Plateia, uma das estruturas envolvidas na dinamização das mobilizações marcadas para hoje, às 18.00, em Lisboa, Porto, Coimbra, Beja, Funchal, Angra do Heroísmo e Ponta Delgada.
"Temos de reconhecer o esforço que o primeiro-ministro fez para tentar corrigir uma suborçamentação que estava a estrangular o setor", refere. Mas o problema, defende, "é mais vasto e tem a ver também com o património, a arqueologia, o cinema, os museus, as bibliotecas, os arquivo, com todo o setor da cultura, que funciona com 0,2% do orçamento do Estado, um dos níveis mais baixos em termos relativos entre os países da OCDE".
Por isso, Carlos Costa sustenta: "este é o momento certo para pensar a afetação orçamental à cultura". Nesse sentido, "as mobilizações de amanhã continuam convocadas porque é preciso sublinhar a ideia que não se trata de algo que se resolva apenas com a correção deste concurso.
A carga fiscal que tira o que uma mão dá
Foi um jogo com as palavras com que tinham à mão: a presidente do CDS, Assunção Cristas, acusou o Governo de dar com uma mão e tirar com a outra. "O senhor falhou o seu objetivo. Fê-lo através dos impostos indiretos. É claríssimo hoje perante todos os portugueses que há uma austeridade escondida e encapotada através dos impostos indiretos que o senhor aumentou", atirou Cristas, recorrendo aos dados do INE que indicam que a carga fiscal atingiu o valor máximo em 23 anos. O primeiro-ministro replicou com os argumentos já apresentados pelo ministro Mário Centeno. "A diferença do aumento da receita explica-se essencialmente por algo positivo chamado emprego. Quando alguém que está no desemprego passa a estar empregado passa a contribuir para a Segurança Social. Sim, aumenta a tributação para o Estado mas porque ganhou um emprego." E concluiu, em tom ríspido: "Temos duas mãos, mas aquela com que damos dá muito mais do que aquela com que tiramos."
Pesada herança e uma promessa
O primeiro-ministro, António Costa, prometeu no debate de ontem que o Governo vai apresentar ainda este mês aquilo a que chamou "uma nova geração de políticas de habitação que assegurem habitação acessível". Costa respondia assim à coordenadora do BE, Catarina Martins, que levou a plenário a questão de eventuais despejos de milhares de famílias em prédios propriedade da seguradora Fidelidade. "Estamos a acompanhar o problema. Como sabe, uma das questões centrais do novo regime de arrendamento urbano foi que levou a precarização do mundo de trabalho para a precarização do direito à habitação e essa é uma das pesadas heranças que recebemos da maioria anterior", acusou, dirigindo-se às bancadas do PSD e CDS. Foi então que revelou, sem se alongar, que "esse conjunto de medidas irá ser apresentado durante o mês de abril, em homenagem ao 25 de Abril e ao artigo 65 da Constituição que consagra o direito à habitação como um primeiro direito".