A pose maternal de Kathleen Williams Spreckles a aconchegar o seu bebé, nascido um mês antes, ocupou toda a capa da revista norte-americana Life, na edição de 14 de abril de 1961. Kathleen, apresentada em manchete como "Mrs. Clark Gable", revelava aos leitores John Clark, nascido quatro meses após a morte do pai, o ator Clark Gable. Numa filmografia com mais de 60 longas metragens, Gable rendera as salas de cinema à sua interpretação em E Tudo o Vento Levou, em 1939. Vinte e dois anos volvidos sobre a estreia do filme que juntou as personagens de Scarlett O"Hara e Rhett Butler, a Life entregava 12 páginas da já referida edição de abril, sob o signo da família Gable, a uma outra estrela da cultura americana..John Steinbeck, que se notabilizara com livros como A um Deus Desconhecido (1933) e As Vinhas da Ira (1939) e que em 1962 receberia o Prémio Nobel da Literatura, aceitou o desafio de embarcar num navio petroleiro, convertido em embarcação com carácter científico. Steinbeck, a par de uma tripulação onde se destacavam inúmeros sismólogos, geofísicos e geólogos, rumou às águas ao largo da ilha de Guadalupe, no Mar das Caraíbas. A reportagem escrita que se lhe seguiu, relatou aquela que era considerada, na época, empresa semelhante a desbravar o espaço. .John Steinbeck que descreveu a expedição Mohole como "o primeiro contacto com um novo mundo", assistiu in loco à corporização de um projeto nascido em 1957 com o objetivo de perfurar a crosta terrestre, a mais externa entre as camadas do interior da Terra, de forma a chegar ao estrato que lhe está abaixo, o manto. A expedição materializada em 1960, nasceu espicaçada pela teoria formulada em 1909 pelo geofísico croata Andrija Mohorovicic, que determinara a fronteira entre a crosta e o manto terrestre. O lugar cunhou o nome do seu descobridor. A Descontinuidade de Mohorovicic, também denominada Moho (inspiração para o batismo da expedição), agitava há anos os espíritos do geólogo Harry Hess e do geofísico Walter Munk, absortos em encontrar a solução para escavar fundo: a Moho estende-se a uma profundidade média entre os 6 e os 30 km, abaixo da crosta e consoante a abordagem se faça a partir do mar ou de terra..Hess e Munk angariariam a simpatia de um excêntrico grupo de cientistas informalmente designado American Miscellaneous Society, apostados em apoiar a expedição que levaria as brocas a perfurarem milhões de toneladas de basalto e granito em direção à fronteira entre a crosta e o manto. Em teoria, uma perfuração que não passaria de um "beliscão" na estrutura interior da Terra que se estira ao longo de mais de 6000 km, rumo ao núcleo. Na prática, a empresa revelou-se uma impossibilidade. Seis anos volvidos, decorridos entre 1960 e 1966, a expedição Mohole que contou com o financiamento da Natural Science Foundation, consumira perto de 60 milhões de dólares, para perfurar uns humildes 180 metros na crosta terrestre ainda em 1961..Das três fases previstas para o projeto, apenas havia avançado a primeira. Isto, não obstante o sucesso que fora baixar até ao fundo marinho perto de 3600 metros de tubagens que acolheram as brocas. De tão complexa, a missão levou a geóloga Donna Blackman da Universidade da Califórnia, sediada em San Diego, a afirmar que perfurar àquela profundidade, enfrentando as correntes marinhas, assemelha-se a "tentar trabalhar na superfície da Terra a partir de um helicóptero estacionado a meia milha [805 metros] de altitude". Em 1966, o Congresso norte-americano arquivava o projeto Mohole..A viagem de descoberta do âmago do planeta é recente, remontando ao início do século XX e não dissociada da descoberta do sismógrafo em 1880. Caberia ao geólogo irlandês Richard Dixon Oldham, o feito de "mergulhar" no coração da Terra. Após análise dos registos de um sismo na Guatemala, Oldham percebeu que algumas ondas de choque eram devolvidas pelo interior do planeta, sugerindo a existência de uma outra massa para lá do manto. Em 1960, três anos antes de Mohorovicic determinar a fronteira entre a crosta e o manto, Richard Dixon revelava à comunidade científica o núcleo da Terra..Até 1936, a região cujas temperaturas ascendem aos 6000 ºC, foi tida como uma massa líquida, presumivelmente constituída por ferro e níquel. Coube à geofísica e sismologista dinamarquesa, nascida em 1888, Ing Lehmann, adicionar uma estrutura sólida ao núcleo do planeta. À Descontinuidade de Moho juntava-se-lhe a Descontinuidade de Lehmann, a fronteira entre os dois núcleos terrestres, o interno e o externo, a mais de 5000 km de profundidade. Teoria confirmada em 1970, mas que mereceu a aceitação quase imediata da comunidade científica na década de 1930..Ing Lehmann morreu aos 104 anos, em 1993, ano em que a lente de um telescópio instalado no Observatório Palomar, na Califórnia, apontou a um novo asteroide, identificado pelo casal de astrónomos Carolyn e Eugene Shoemaker. O corpo celeste então captado foi batizado de Inglehmann 5632 em homenagem à mulher que terminara a sua longa carreira nos Estados Unidos, onde prosseguira investigações sobre o manto e a crosta terrestre..A 24 de maio de 1970, a então União Soviética iniciou na península de Kola, acima do Círculo Polar Ártico, aquele que se propunha ser o poço mais profundo até então perfurado na crosta terrestre, atingindo os 15 km. Nos 12 anos seguintes, as perfuradoras alcançaram os 12 km, ultrapassando o anterior recorde detido pelo poço petrolífero Bertha Rogers, nos Estados Unidos, que mergulhava mais de 9 km, na crosta terrestre sob o Oklahoma. Após anos de suspensão do projeto na década de 1980, os trabalhos recomeçaram. Em 1992 foi estabelecido o limite máximo de perfuração: 12 262 metros. A temperatura de 180º C àquela profundidade inviabilizou a continuação do projeto.