15 111 militares saíram das Forças Armadas em cinco anos
Entre 2014 e 2018 saíram das Forças Armadas 15 111 militares que estavam em regime de contrato ou de voluntariado. De acordo com números oficiais facultados ao DN pelo gabinete do ministro da Defesa Nacional, no ano passado foram 3101 os que deixaram a tropa, dos quais 84% (2610) antes do tempo previsto - por desistência na formação, rescisão do contrato por vontade do militar, não renovação e ingresso nas forças de segurança. O total de saídas em 2018 foi menor que em 2017 e 2016. Numa década, as Forças Armadas perderam 25% dos efetivos.
O Exército é o que está numa situação mais alarmante. Do total de 3101 que os três ramo perderam em 2018, 2600 pertenciam ao Exército.
Na segunda-feira, em entrevista ao Público/Rádio Renascença, o chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante Silva Ribeiro, alertou para a falta de seis mil militares nas fileiras, classificando a situação como "insustentável". Este número é a diferença entre os 32 mil que existiam em 2012 - quando foi definido esse quadro - e os 26 500 mil registados no final do ano passado.
Pinto Ramalho, general que foi chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), reforça o aviso de Silva Ribeiro. "A questão é tão simples quanto isto: se não forem tomadas medidas com urgência, simplesmente deixa de haver Exército", sublinha.
O ex-vice-chefe de Estado-Maior do Exército, general Garcia Leandro, afirma que a diminuição de militares "é um problema muito profundo, que tem vindo a agravar-se".
O ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, reprovou publicamente a expressão dramática escolhida pelo CEMGFA, mas admitiu que o "problema é real". E acredita que este governo está a conseguir estancar a "sangria" das Forças Armadas, dizendo que em 2012 havia 31 143 militares que "foram caindo" até 26 154 em 2016 (com o anterior governo). O ano passado terminou com 26 500.
O seu gabinete lembra que "o total de saídas é muito influenciado pelo valor do efetivo e pelas entradas. Em 2017, o valor das saídas foi muito elevado porque em 2010-2011 os valores de admissão foram elevados também" (o tempo máximo dos contratos é seis anos).
O Ministério da Defesa "está atento ao fenómeno e preocupado com o valor que se registou em 2018 com as saídas por vontade dos militares (rescisões e não renovações)". Sublinha, porém, que "só nesse ano é que esta questão começou a ser monitorizada em detalhe".
Fonte oficial afirma: "Em 2018, 45,8% das saídas do Exército foram por rescisão do contrato ou não renovação - e isto merece ser acompanhado. Não existe histórico para usar como termo de comparação. Compreender e monitorizar as saídas tem importância para avaliar o modelo. Neste momento temos a perspetiva de quem está na organização, das suas expectativas e satisfação, mas o momento da saída só tem sido objeto de estudos pontuais e parcelares."
O gabinete de João Cravinho garante que "os dados recolhidos até 30 de junho não permitem antever que a situação esteja a piorar". Confirmam que continuam a ser "expressivas as saídas no período de formação (223 no total, sendo 215 no Exército) e estão também elevadas as saídas por rescisão de militares na Força Aérea (75)". Na Marinha foram 26 os que rescindiram e, de acordo com esta fonte oficial, o Exército ainda não apresentou estes registos. "É cedo, por isso, para tirar conclusões, sejam elas de que a situação está a melhorar ou o seu contrário", assevera.
No entanto,fonte bem colocada na hierarquia militar, garantiu ao DN que este ano a situação está mesmo a piorar. "Os ramos têm esses números. Só no Exército o abandono nos primeiro semestre está muito próximo dos mil praças. Neste momento o efetivo das Forças Armadas caiu para menos de 26 mil militares". O MDN garante não serem estes os dados que tem.
De acordo dados oficiais enviados ao DN pelo Estado-Maior do Exército no passado dia 28 de junho, 689 militares tinham deixado as fileiras, por rescisão ou não renovação do contrato e por ingresso nas GNR e na PSP. O MDN alega que o ramo não enviou ainda estes dados completos.
"Situação de emergência"
A criação do Observatório do Serviço Militar, decidida por este governo no âmbito do Plano de Ação para Profissionalização das Forças Armadas, tem como objetivo a recolha sistemática de informações que "permitirá uma visão total sobre o ciclo da relação dos militares com as Forças Armadas, desde a sua candidatura até à posterior reinserção - será isto que permitirá atuar e olhar para o problema com uma perspetiva científica".
Pinto Ramalho diz que "a curto prazo não haverá solução" e responsabiliza a legislatura de Passos Coelho, marcada pelo resgate financeiro, quando Aguiar-Branco era ministro da Defesa e Vítor Gaspar estava à frente das Finanças. "As Finanças passaram a tutelar os gastos da Defesa. Quebrou-se o fluxo de recrutamento. Sem horizonte, os militares foram desistindo. O cidadão não tem qualquer vantagem em ir para o Exército."
Este oficial superior sublinha que o "impacto operacional" é já notório: "O Exército está numa situação de emergência. Os Comandos têm 120 homens em missão na República Centro-Africana (RCA) e cá só estão 60 - devia ser um total de 600, quatro ou cinco companhias. Tiveram de mandar paraquedistas para a RCA porque já não havia comandos."
Soluções? "Para já, é preciso quebrar com muita urgência a diferença salarial entre militares e forças de segurança" (um agente da PSP ou um guarda da GNR chegam a receber mais 400 euros do que um praça, assinalou na entrevista Silva Ribeiro).
De acordo com dados oficiais cedidos ao DN pelas duas polícias, no recrutamento deste ano a PSP, que é uma força se segurança civilista, viu aumentar o número de candidatos militares admitidos - 208 contra 157 no ano anterior - 24% do total de candidatos militares contra 10% em 2018.
Paradoxalmente, na GNR, que é uma força se segurança militarizada, a percentagem de elementos provenientes das Forças Armadas tem vindo a diminuir desde 2015. Nesse ano, 66% (278) do total dos que entraram para a Guarda tinham essa origem, tendo esse valor descido para 56% em 2016, 55% em 2017 e 52% (285) em 2018. A quota dos incentivos militares garante o acesso a 30% das vagas na GNR e 15% na PSP.
O Ministério da Defesa não vê as forças de segurança como "concorrentes", assinalando que esse ingresso "é gerido como um incentivo à prestação de serviço militar nas Forças Armadas".
João Cravinho estima que "nos próximos dois, três anos haverá uma melhoria nos números" em resultado das várias medidas tomadas, como o plano para a profissionalização e o aumento salarial de 580 para 630 euros à entrada nas Forças Armadas. Apesar disso, um valor sempre abaixo do das polícias.
Quanto a medidas a médio e longo prazo, o ex-CEME Pinto Ramalho não acredita em quase nada do que o governo tem proposto, "como um quadro permanente ou contratos até 18 anos". O general entende que "num país com a nossa dimensão, e tendo em conta a falta de atratividade, tem de haver uma perspetiva radical".
Pinto Ramalho defende a criação de um "serviço nacional", com uma vertente armada e outra não armada. "O não armado seria cerca de um ano e meio, e os jovens fariam uma espécie de serviço cívico em instituições públicas. Podia incluir um leque de missões, desde vigilância nas florestas até ao tratamento de idosos. O armado seria de um ano, com preferência para as forças e serviços de segurança, com vantagem depois no emprego na função pública. Hoje a contribuição dos jovens para o Estado é nada, e desta forma desempenhariam um conjunto de funções de cidadania", assinala.
A favor desta possível solução "radical" está uma corrida contra o tempo: "A juntar à questão dos vencimentos dos soldados, à instabilidade na carreira, há ainda o declínio demográfico. Estima-se que em 2031 existam cerca de 80 mil recenseáveis com 18 anos. Desses, cerca de 48 mil estarão no ensino superior, restando apenas 32 mil para o mercado de trabalho, onde podem ser recrutados para as Forças Armadas, quando deviam ser, no mínimo, 60 mil", descreve um alto responsável da hierarquia militar que tem estudado o fenómeno.
"Esta é uma altura decisiva para serem tomadas decisões políticas. Se não forem tomadas medidas estruturais na próxima legislatura, o Exército não terá mais que 3500 homens nos próximos dez anos. Simplesmente ficam em causa as missões: não haverá navios no mar, aviões no ar nem tropas em terra. Há unidades só com 25% do efetivo, a Marinha já anda com navios sem a guarnição completa e a Força Aérea não tem gente suficiente para garantir a segurança de algumas instalações", afiança este oficial no ativo.
O governo não está convencido da necessidade de soluções "radicais". "Atualmente, apostamos na valorização da profissão militar como o rumo a tomar, porque consideramos que é a que melhor serve os interesses do país e as necessidades das Forças Armadas e também porque ainda há um forte potencial de desenvolvimento do modelo", afirma a fonte autorizada do gabinete de João Gomes Cravinho.
Desafiado a elencar entre as medidas previstas no plano para a profissionalização quais a que a curto prazo podem continuar a estancar a "sangria" e a "aumentar a retenção", o gabinete destaca como "essenciais" aquelas "que melhorem as condições de trabalho dos militares (materiais, mas principalmente a nível de carga laboral, tipo de tarefas, horários de trabalho), assim como a valorização da profissão (permitindo por exemplo que os militares aumentem as suas qualificações para que possam transitar mais facilmente para o mercado de trabalho civil após cumprirem o tempo máximo de serviço)".
O gabinete de João Cravinho sublinha que "algumas destas medidas, que são estruturais e que envolvem, em certos casos, alguma reconfiguração de estruturas e processos, necessitam de tempo, porque as mudanças desta natureza têm necessariamente um período de maturação antes de os seus efeitos ficarem visíveis".
Salienta que "o plano aposta nessa mudança, que não acontece de um momento para o outro". "Estamos conscientes de que nestes casos será preciso algum tempo, mas convictos de que o alinhamento a nível das instituições está assegurado e que o caminho está iniciado", conclui.
Porque a execução deste plano, já em curso, "envolve muitas entidades e tem um período de vigência considerável", de acordo com a mesma fonte oficial do Ministério da Defesa, "será brevemente anunciada a nomeação de uma comissão técnica de acompanhamento a funcionar na direta dependência da tutela".
Atualizado às 19:30 com uma clarificação sobre a informação do número total de saídas e com dados oficiais do Exército