13 de Dezembro de 1991: a sexta-feira negra da EDP

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Horta Seca, quatro horas da tarde de uma sexta- -feira 13; um assessor, no gabinete das secretárias, ao mesmo tempo que o ministro fazia uma sessão de fotografias na escadaria principal, segredava-me: conseguimos! Sem perceber que eu não sabia, pôs-me a par da demissão do dr. Castro Rocha, que naquele preciso momento se encontrava na Central Termoeléctrica de Sines, em reunião de trabalho. Tinha sido assegurada a publicação, no Expresso do dia seguinte, da demissão do presidente da EDP, facto que àquela hora o próprio desconhecia em absoluto. Esta demissão fora urdida ao longo do tempo, primeiro beneficiando das quezílias existentes entre o secretário de Estado da Energia e o próprio ministro, e depois consumou-se com a substituição de Nuno Ribeiro da Silva por Luís Filipe Pereira, na Secretaria de Estado.

A partir desta data seria posto em prática um alucinado plano estratégico que interrompeu um processo de reforma bem sucedido que deu à empresa importantes resultados, nomeadamente, ao nível das operações e do saneamento das dívidas das autarquias. Apesar das deficiências estruturais na produção de energia eléctrica por via térmica, a empresa conseguia custos de produção que situavam os preços nacionais da electricidade na média europeia. Há vinte anos, a EDP, tendo o monopólio da produção, transporte e distribuição de energia, tinha como missão o serviço público da electricidade: produzir a preço acessível para a economia e disponibilizar a electricidade em todo o território nacional, com qualidade de serviço.

Na actualidade, a EDP não explicita a sua missão, apresentando, em substituição, a sua visão: em 2007, "uma empresa de energia integrada, líder na criação de valor nos mercados onde podemos fazer a diferença; em 2010, uma empresa global de energia, líder na criação de valor, inovação e sustentabilidade.

Daqui se percebe que hoje não há primazia para o mercado nacional e nada é dito sobre o serviço público de electricidade. De empresa pública de capitais públicos passou a empresa privada de capitais privados, onde a missão de serviço público foi substituída pelos objectivos de lucro. Quem estranha que o dr. Mexia seja premiado com milhões de euros pelo seu trabalho desconhece as profundas alterações produzidas na empresa; o dr. Mexia é pago pelos resultados económicos que consegue para os accionistas, como qualquer outro gestor. Os seus accionistas são privados e estão exclusivamente interessados em dividendos.

Para explicar a EDP de hoje, um Estado dentro do Estado, é preciso recuar no tempo e chamar à colação o período da história correspondente ao último Governo de Cavaco Silva e aos Governos de Guterres.

Na transformação profunda operada no sector eléctrico durante a época de noventa é fácil identificar os seus actores principais, a saber: Nuno Ribeiro da Silva, Luís Filipe Pereira, Pina Moura e José Penedos.

O primeiro rompeu com o monopólio da produção de energia eléctrica entregando a privados a concepção, construção, financiamento e operação da Central a Gás da Tapada do Outeiro, em prejuízo da EDP, e criou condições para a venda da Central do Pego.

O segundo levou por diante um alucinado plano estratégico, visando o desmembramento da empresa, através da criação de várias dezenas de empresas e a venda da Central do Pego, causando o enfraquecimento da EDP.

Acresce que, para viabilizar os investimentos privados, houve que criar os CAE - contratos de aquisição de energia -, transformando-os em autênticas PPP - parcerias público- -privadas e garantindo margens consideráveis para os respectivos investimentos, o que introduziu distorções significativas no sector eléctrico. Às novas empresas, respectivamente detentoras da Central da Tapada do Outeiro e da Central do Pego, foram criadas condições de operação sem riscos, altamente rentáveis, que, naturalmente, anos mais tarde vieram a ser também asseguradas à EDP vantagens equivalentes.

Pina Moura e José Penedos, respectivamente ministro e secretário de Estado do Governo de Guterres, fizeram o resto; consumaram a política de enfraquecimento do sector eléctrico como motor da economia nacional e levaram a EDP para investimentos no exterior, à partida de rentabilidade duvidosa, incrementando o seu endividamento.

Assim, sob a bandeira, primeiro do PSD e depois do PS, foram levados a cabo políticas que beneficiaram interesses privados, por homens que em determinado tempo da sua vida se afirmaram como homens de esquerda. Nesse lote deverá incluir-se Eduardo Catroga, referenciado em 1980 como sendo um homem de esquerda. (Belmiro - História de Uma Vida, de Magalhães Pinto, 2001, pág. 197)

Olhando para o panorama nacional do sector eléctrico, não podemos deixar passar em claro o que se passa na EDP, de contestar as escandalosas remunerações e mordomias que recebem os principais responsáveis, de nos indignarmos até com a eleição de Catroga, mas não podemos também deixar passar em claro o que passa ao lado da EDP. Nomeadamente, não podemos esquecer Nuno Ribeiro da Silva, o primeiro protagonista no ataque à EDP, que é presidente da Endesa, empresa eléctrica espanhola a operar em Portugal; Pina Moura, que é presidente da Iberdola, empresa eléctrica espanhola a operar em Portugal; que José Penedos era até há pouco tempo o presidente da REN - Rede Eléctrica Nacional; que Luís Filipe Pereira entrava e saía da política o mesmo número de vezes que entrava e saía do Grupo Mello, tendo sido até há pouco tempo presidente da Efacec, um dos principais fornecedores da EDP. Tal panorama sugere uma grande promiscuidade entre interesses públicos e interesses privados e devia merecer uma especial atenção.

A privatização completa da EDP constitui um erro tremendo e só uma revolução impossível o poderia emendar; este Governo não é responsável pelo que foi feito ao sector eléctrico e em particular à EDP, mas cometeu um erro grave; a EDP só poderia ser vendida (a sê-lo ) depois de saneadas as distorções do sector eléctrico, postas a claro com a demissão do secretário de Estado da Energia, Henrique Joaquim Gomes.

Os portugueses, se quiseram continuar a ter um país onde possam com alegria cantar o hino nacional, têm de passar em revista o que aconteceu nos últimos vinte anos; nomeadamente, terão de pôr em causa muitos direitos adquiridos, para os quais não há moral que os defenda. Como cidadão amo o meu país e a minha pátria e quero continuar a acreditar neste Governo, mas hoje não me revejo em nenhum político que governou o País nas duas últimas décadas.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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