"Se não há polícias na rua, os bandidos sentem-se mais à vontade"

Presidente da Associação dos Profissionais da Guarda comenta o aumento, em 2019, dos roubos na via pública: mais 627 do que no ano anterior. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), os roubos, nas várias formas, atingem os 75,9% do total de crimes graves e violentos, o que já não acontecia desde 2009.
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Não tinham ainda 20 anos, mas durante vários meses - entre novembro de 2018 e 26 de abril de 2019 - dois jovens dedicaram-se a vários assaltos a transeuntes na via pública na cidade de Braga. Abordavam as vítimas, muitas vezes sob ameaça de arma branca, obrigando-as a entregar todos os seus bens. No final do ano passado foram acusados de roubo pelo Ministério Público e um deles está em prisão preventiva.

Este tipo de crimes violentos - os roubos na via pública - foram aos que mais cresceram em 2019, com quase seis mil casos (mais 627, +11,8%), de acordo com o último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que será aprovado esta terça-feira pelo Conselho Superior de Segurança Interna.

O relatório indica que a criminalidade violenta e grave subiu 3 por cento no ano passado relativamente a 2018: registaram-se mais roubos na via pública, mas também em comércios (subiram para 432, +29,8%), mais raptos e sequestros (subiram para 338, + 23,8%), mais violações (431, +2,4%), mais agressões graves (661 casos, +14,2%) e mais carjackings (roubos de carros foram 126, +18,9%).

O RASI destaca ainda o aumento da delinquência juvenil (cometida por jovens entre os 12 e os 16 anos). Há 1.568 registos (mais 86, +5,8%), invertendo o decréscimo de anos anteriores.

Para César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), os números não o surpreendem, apesar de considerar que o RASI nem sempre espelha a realidade.

"Se formos ver os relatórios anteriores a tipificação dos crimes vai mudando de ano para ano", diz ao DN. Ainda assim, este aumento dos roubos na via pública espelha aquilo que os agentes sentem no seu dia-a-dia.

"Existe pouca patrulha de proximidade, muitas vezes existe apenas uma por posto, e se sabemos que em algumas zonas é suficiente, noutras claramente não é", afirma César Nogueira, que aponta ainda outra estatística presente no último relatório de Segurança Interna: o número de efetivos nas polícias.

Segundo o RASI que reflete os números de 2019, PSP, GNR, PJ, SEF e Polícia Marítima terminaram 2019 com 44.642 elementos (45.522 em 2018). Saíram 1.284 polícias e apenas entraram 411.

"Vigiam os postos e sabem que só temos uma patrulha por turno"

"Somos cada vez menos e isso nota-se. Se não há polícias na rua, os bandidos sentem-se mais à vontade", destaca o profissional, para quem esta falta de membros das forças de segurança poderá ser "uma das principais razões" para o aumento da criminalidade violenta em Portugal no ano passado.

A perceção de que a via pública é menos policiada não é apenas sentida pelos cidadãos, mas também pelos próprios criminosos, acrescenta César Nogueira.

"Muitas vezes nos dizem isso: sabem que somos poucos. Claro que vigiam os postos e que percebem que só temos uma patrulha por turno", afirma o presidente da APG/GNR.

César Nogueira refere ainda outro dado, também presente neste último RASI, e que diz respeito ao aumento das agressões a polícias, valor que subiu 12,6 por cento.

Já no ano passado, o presidente da associação socioprofissional mais representativa da Guarda Nacional Republicana referia existirem "cada vez mais agressões [a agentes] e nada se tem feito para considerar a profissão de risco".

César Nogueira sublinhava que tinha vindo a colocar várias vezes a questão dos militares agredidos em serviço ao Ministério da Administração Interna.

"O ministro da Administração Interna afirma várias vezes que sente um carinho especial pela GNR, mas esse carinho não se sente no trabalho do dia-a-dia", disse, na altura, dando como exemplo que um militar da GNR recebe menos 100 euros do que um agente da PSP.

Sobre este último relatório, César Nogueira admite que ainda não teve acesso ao documento na íntegra e que não analisou a fundo os dados, mas considera que se saírem mais profissionais das forças de segurança - para a reserva ou reforma - e se entrarem cada vez manos para as suas fieiras, a tendência de 2019, com o aumento da criminalidade violenta e grave, poderá vir a repetir-se nos próximos anos.

Pedro Fonseca, a vítima mortal do assalto no Campo Grande

Em dezembro de 2019, um assalto na via pública acabou por tornar-se um homicídio, quando Pedro Fonseca, de 24 anos, foi assassinado junto ao McDonald's do Campo Grande, em Lisboa,

A vítima, um recém-licenciado em Engenharia Informática, era filho de um ex-inspetor da PJ e morreu quando três homens o tentavam assaltar.

Dois dos suspeitos são menores (16 e 17 anos) e o outro tem 20 anos. Câmaras de videovigilância ajudaram a PJ a identificar os assaltantes, que foram também sinalizados noutros roubos

Pedro Fonseca, de 24 anos, foi assassinado junto ao McDonald's do Campo Grande às 23 horas do dia 28 de dezembro. A vítima, recém-licenciado em Engenharia Informática, era filho de um ex-inspetor da PJ e morreu quando três homens o tentavam assaltar.

Pedro Fonseca "foi atingido com dois golpes de uma arma branca de elevadas dimensões transportada pelos autores e veio a falecer no local", segundo a PJ.

Desde o início da investigação, a cargo da PJ, que o homicídio estava já a ser ligado a uma vaga de assaltos com faca que ocorreram em 2019 na mesma zona.

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