Há uns bons anos atrás, durante uns dias, a quem pesquisasse, no Yahoo ou Google, já não me lembro, por "great French military victories" era sugerido se não quereria antes dizer "great French military defeats". A brincadeira de algum hacker com sentido de ironia histórica foi mais ou menos repetida há dias, só que desta vez pelo presidente dos Estados Unidos, depois de Macron ter dito a frase mais grave que podia dizer sobre a defesa europeia. Ao contrário do hacker de há uns anos, porém, nem o presidente francês nem Donald Trump parecem ter querido fazer humor ou, mais grave, percebido a História e o presente..Desta vez, tudo não começou por um tweet de Trump. Foi Macron, numa entrevista de rádio que, a propósito das ameças de ciber-ataques, disse que a Europa precisa de se defender da Rússia, da China e "mesmo dos Estados Unidos". E voltou, nessa entrevista, a dizer que a Europa precisa de um exército europeu. Apesar de ter acrescentado que é para não depender apenas dos americanos para se defender, o estrago estava feito. Dias depois, o presidente americano tweetou que quem ameaçou os franceses, na primeira e segunda guerras mundiais, foram os alemães e que se não fossem os americanos, os franceses estariam a falar alemão..A resposta de Trump, como quase sempre, foi inconveniente e desadequada para um presidente americano. Mas a declaração de Macron - mesmo que, dias depois, tenha dito que falava específica e unicamente de ciberataques - foi muito mais grave..A América não é Trump. A América não é, sequer, a NATO, a América é o resto do Ocidente, do nosso mundo. Macron pode, compreensivelmente, não gostar da presidência Trump e do que ela faz, mas não pode declarar o fim do Ocidente - que inclui, necessariamente, a Aliança militar que temos - como se fosse uma coisa banal..A ideia de que precisamos de um exército europeu para nos defender tanto da Rússia e da China como dos Estados Unidos não é uma gaffe, um erro, uma precepitação. É uma ideia grave. Duplamente grave. É que, ao considerar que os nossos aliados afinal podem ser nossos inimigos, Macron está a dar ao eventual exército europeu, que tantas dúvidas e reticências provoca, a pior de todas as razões para existir. Não é dizer que temos de ser co-responsáveis pelo nosso destino, que temos de também contribuir, em igualdade, para os custos da nossa defesa ou, sequer, dizer que se vamos gastar dinheiro com a nossa defesa, ao menos que compremos europeu. Tudo isso é razoável, mas não foi nada disso que Macron disse. O Presidente francês disse que os nossos aliados não o são. E não se diga que isso é um exagero, uma ilação injusta porque, de facto, há sinais de que os americanos volta e meia espiam os europeus e por aí fora e, portanto, ele só estava a dizer o óbvio. Ou que aquilo é o que os franceses sempre pensaram dos americanos. É que, das duas uma: ou o presidente francês é para ser levado a sério, e ao dizer o que disse quer dizer o que disse; ou o presidente francês gosta e dizer coisas, e pareceu-lhe popular insultar Trump. Nenhuma das opções é boa. E nenhuma delas ajuda à discussão sobre a defesa europeia, que não precisa de um exército europeu e, menos ainda, de um exército para nos defender da América.