O balão de ensaio dos Açores

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A linha de rumo com que Rui Rio liderou o PSD conta-se entre as vítimas do acordo PSD-Chega que formou uma maioria parlamentar nos Açores.

Com Rio, o PSD tinha persistentemente procurado afastar o partido da polarização esquerda-direita, como se viu na facilidade com que viabilizou medidas em nome da necessidade de consensos nacionais e mesmo em sucessivos episódios de golpe de tesoura ao governo, formando com os partidos de esquerda coligações negativas.

Essa estratégia ainda não tinha produzido vitórias eleitorais, mas já tinha produzido efeitos. Sem a moderação que Rio apresentou nas últimas legislativas e a descrispação que mostrou face a António Costa a geringonça não tinha deslaçado ao ritmo a que assistimos até à recente votação na generalidade do Orçamento de Estado, bem como não tinha sido tão fácil ao PS apresentar ao Presidente da República um governo sem apoio garantido no Parlamento numa prova de força aparente que em poucos meses se verificou as fraquezas que continha. Por este caminho, era tornando o PS progressivamente mais minoritário e isolado que o PSD regressaria ao poder, mais tarde ou mais cedo.

No rescaldo das eleições legislativas parecia que a chegada da extrema-direita racista ao Parlamento era essencialmente uma ameaça ao partido mais à direita do espectro parlamentar, pondo em risco o papel do CDS no nosso sistema político e não um desafio ao centro-direita, que afastasse o PSD da sua trajetória de despolarização política.

Acresce que no parlamento André Ventura tem feito tudo o que está ao seu alcance para afirmar o Chega pela via da direita radical, contrariando abertamente o caminho de Rio. Ataca fortemente a Constituição. Faz discursos de ódio racista. Coloca deliberadamente no espaço público ataques frontais a direitos fundamentais e liberdades básicas. Tenta agitar o país com ideias penais medievais. No plano externo não faltou com a sua solidariedade a Steve Bannon, nem com o anúncio do apocalipse por causa da vitória de Biden, nem ainda perdeu as oportunidades de aparecer ao lado de Le Pen e Salvini. Não se furtou sequer a achar o Papa Francisco pernicioso na evolução para a Igreja Católica.

Bem podem dentro do PSD tentar construir uma equivalência de planos entre o grau de incómodo que deve causar ao PS o alinhamento externo ou os modelos económicos defendidos por BE e PCP e a ameaça ao Estado democrático de direito que o Chega abertamente corporiza. É público que não tem adesão à realidade.

Nos Açores o PSD lançou perante o total silêncio de Marcelo um balão de ensaio, para ver se os ventos da República lhe permitiriam, quando chegasse a hora, associar-se à extrema-direita racista com ligações fascistas para governar o país. Veremos o que diz o vento ao PSD. Mas parece muito provável que a aliança PSD-Chega diminua a solidão do PS face aos partidos parlamentares do centro e da esquerda. Dará essa reação um segundo fôlego à geringonça e um terceiro fôlego ao PS? Por enquanto a resposta ainda está do lado das convergências progressistas.

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