"O Adriano foi o mais corajoso de todos os cantores do seu tempo". Manuel Alegre não hesita um segundo, nem precisa de pensar tempo nenhum quando o DN lhe pede que lembre quem foi, para ele, Adriano Correia de Oliveira, no momento em que começam as comemorações dos 80 anos do nascimento do amigo. Esse tiro de partida aconteceu em Avintes (terra onde o cantor cresceu e está sediado o Centro Cultural que lhe rende homenagem), sexta-feira passada, num fórum alusivo, mas a festa vai continuar ao longo dos próximos meses, e atingirá o auge em abril, como tinha de ser, prolongando-se até 2023. Passará pelo país inteiro, através de uma exposição itinerante, que deveria começar em Lisboa, na Assembleia da República, já este mês. Mas o atraso na instalação do Governo, decorrente do processo eleitoral, criou alguma indefinição. Por ora, a comissão executiva criada para organizar as comemorações não tem ainda data marcada. Manuel Alegre não faz parte dela, mas fará parte de toda a História. É ele o autor da Trova do Vento que Passa, a mais conhecida canção de Adriano. "Ele foi pioneiro a cantar as canções perigosas, as canções que punham o problema da liberdade e a existência de uma ditadura, ou mesmo da guerra. Ele foi o primeiro a fazer isso. Isso eu tenho que dizer, porque é a verdade. Foi ele cá, e o Luís Cília em Paris", recorda, enquanto recua mais de meio século: "O Adriano era mais novo do que eu. Nós começámos a conviver sobretudo depois de eu ter vindo de Angola, durante aquele período de quase seis meses em que eu estive em Coimbra. Ele vivia na Rás-Teparta [a República] e o resto do tempo em minha casa, ia lá ensaiar muito com o António Portugal, que era meu cunhado, casado com a minha irmã, e o grupo de fados e guitarradas juntava-se ali. Nessa altura eu publiquei alguns poemas, muitos dos quais fazem parte do livro Praça da Canção, e ele foi o primeiro a cantá-los". À distância de tantos anos, Alegre recorda como Adriano os cantava "sem truques, sem disfarçar aquilo que eles diziam. E a mensagem era de contestação do regime, e de liberdade". É assim que surge a Trova do Vento que Passa, composição de António Portugal, "que foi um hino da resistência. Durante a resistência o hino que se cantava não era tanto a Grândola. Essa foi usada para o 25 de abril, até por não ser muito conotada com canções de resistência - por ser vista como uma canção regional. O hino da resistência estudantil, juvenil, foi a Trova do Vento que Passa. E quem a cantou foi o Adriano", sublinha Manuel Alegre, enquanto espera que estas celebrações sirvam para relembrar "quem foi o Adriano, que tem estado um pouco esquecido e um pouco apagado. Porque morreu muito cedo, muito novo. Quando os outros cantores começaram a emergir e a ter uma projeção nacional, o Adriano morreu, desapareceu. É importante que se lembre o Adriano e as composições que ele cantou, que nessa altura foram verdadeiras armas de luta contra a ditadura"..A ideia das comemorações dos 80 anos do músico e cantor (nascido a 9 de abril de 1942, na Rua Formosa, no Porto) começou a germinar no Centro Artístico Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira, sediado em Avintes. "Ele mudou-se para cá muito pequeno, é como se fosse daqui", conta ao DN Jorge Guedes, presidente da direção, lembrando que este ano se assinalam também 40 anos do desaparecimento de Adriano..Jorge, 63 anos, lembra-se de uma figura marcante, que viu duas vezes, uma delas num comício do Partido Comunista, no Estádio das Antas: "eu teria uns 17 anos, foi logo depois do 25 de Abril. Ele era um indivíduo muito brincalhão. Não há como esquecer essa faceta dele". Os amigos lembram-lhe o lado "muito generoso, solidário, um ser humano incrível"..Do programa de comemorações destaca-se uma exposição que consta de 15 painéis, "que mostram a vida e obra de Adriano, desde a sua infância, o ensino secundário, a ida dele para Coimbra, toda a vivência, a ida para a tropa e depois a vida em Lisboa. O que queremos é que todos, sobretudo os mais jovens, fiquem com uma ideia de quem foi Adriano Correia de Oliveira. Nós já temos mais de 20 pedidos de várias cidades e vilas, que vão de Trás-os-Montes até ao Algarve. A nossa ideia é fazer pelo menos seis coleções da exposição, para que ela possa estar em simultâneo em vários locais. Por exemplo em abril, vai estar no Arquivo Sophia de Melo Breyner, e em Avintes e em Coimbra ao mesmo tempo"..A 10 de abril, um espetáculo na Casa da Música reúne vários nomes da cena musical. "Nunca se fez uma grande iniciativa no Porto, onde ele nasceu, em memória dele", justifica Jorge Guedes. O elenco não está completamente fechado, mas há nomes já confirmados. Gente que privou com o músico e que dividiu palcos com ele: Carlos Alberto Moniz, Samuel, Brigada Vítor Jara, Manuel Freire, e depois as Vozes da Rádio, os Trabalhadores do Comércio, além de um grupo de fados de Coimbra, entre outros.."O que queremos é que seja sobretudo uma homenagem, e um encontro de amigos, dos amigos do Adriano. Muitos deles já não se veem há muito tempo, há mais de 30 anos", acrescenta Jorge Guedes, esperançoso numas comemorações que sirvam para levar a memória de Adriano às gerações mais novas. Porque sente que o cantor foi esquecido. "É muito simples: basta ouvir a rádio, qualquer uma, e percebe-se rapidamente que ele foi completamente votado ao esquecimento. Eu acho que ele cantou Abril antes de Abril acontecer. E teve a coragem de o fazer - até porque muitos estavam ausentes do país, pelas razões que sabemos, e ele esteve sempre cá. E sempre vigiado. Por isso é muito importante passar isto aos mais jovens, para que percebam que existiu um tempo que, infelizmente, parece que ressurge novamente nos tempos atuais, que coloca em perigo as nossas liberdades. E por isso as músicas do Adriano são tão atuais". Em Avintes, existe uma escola básica com o nome de Adriano. A 8 de abril, é lá que será inaugurado um mural..A apresentação de um livro, cuja capa é da autoria do arquiteto Siza Vieira, está prevista ainda para Abril, em Gaia, no arquivo Sophia de Melo Breyner. As comemorações prolongam-se durante um ano, até abril de 2023. Deverão encerrar no auditório municipal de Gaia, com um grande espetáculo. Até lá, Coimbra e Lisboa também vão acolher iniciativas, que estão ainda a ser fechadas com os municípios e a comissão executiva. Um livro de banda desenhada da autoria de João Mascarenhas, com textos de Paulo Vaz de Carvalho, fazem também parte do programa.