Primeiro, começou por ser definido como "trabalho social" - pela americana Jane Addams, pioneira no ativismo social, verdadeira assistente social, socióloga, filósofa, feminista, pacifista e reformadora, distinguida, em 1931, com o Prémio Nobel da Paz. Depois, instituiu-se o conceito de "diagnóstico social", que ainda hoje é utilizado, desenvolvido por Mary Richmond, uma seguidora de Jane..Duas mulheres à frente do conceito e da profissão, talvez por isso ainda hoje seja uma profissão maioritariamente de mulheres. Em Portugal, nasceu em 1935, passou por várias épocas históricas e políticas, contabiliza mais de 20 mil técnicos, e tem feito um caminho, para alguns de forma silenciosa, para outros como reconhecimento, mas também marcada pela precariedade, salários baixos e desemprego..Mas não só. Como alerta Maria Júlia Cardoso, presidente da Associação dos Profissionais de Serviço Social, que existe há 41 anos, marcada também pelo facto de que nem todos os que estão a desempenhar as funções de assistente social terem formação para isso. São técnicos de outros cursos, formações, nas áreas das ciências humanas, mas que não tiveram correspondência a uma profissão e que estão a ser encaixados como assistentes sociais. Por isso, e quando se passa a imagem negativa do trabalho do assistente, nem sempre são assistentes sociais que estão em determinadas funções..Para Maria Júlia Cardoso, o serviço social tem como fim o compromisso com o outro, com quem necessita de apoio para ser cidadão na sociedade e para exercer os seus direitos enquanto tal. O fim da profissão é o "bem público" e disto ninguém pode ter dúvidas, diz. E talvez por isso tenha de ser uma profissão que procura ser também interventiva e reformadora..A presidente da associação, de 64 anos, e 40 de profissão, aquela que escolheu para si desde a adolescência, por ter sido inspirada por uma assistente social quando ainda andava no liceu, conheceu três escolas para acabar o curso, o instituto de Luanda, do Porto e o de Lisboa. Hoje, com mestrado e doutoramento, é professora universitária de política social e técnica de uma autarquia. E diz que nem sempre é fácil lidar com a imagem negativa que por vezes passa para a opinião pública, mas que é preciso ultrapassar. "É preciso que os técnicos desenvolvam a sua competência política para que não sejam 'meros executores de medidas sociais'.".Agora, e ao fim de 18 anos de luta, foi dado mais um passo na profissão. Em julho, a Assembleia da República aprovou a lei que define a criação de uma Ordem. Falta que o ministro da Segurança Social e do Trabalho nomeie a comissão instaladora para dar início ao processo. O objetivo é que a profissão seja regulamentada e supervisionada..Podemos começar por definir o que é um técnico de serviço social? É até bom começar por esse aspeto, porque, na verdade, esse não é o nome da profissão. Há muitos colegas que dizem ser técnicos superiores de serviço social, o que é incorreto. Sempre que posso contrario, porque somos assistentes sociais. Pessoas formadas em serviço social. Nos países anglo-saxónicos e em Espanha, por exemplo, usa-se mais a expressão trabalho social, mas somos assistentes sociais..Essa questão tem que ver com os cursos que são ministrados ou que foram ministrados, que eram de Política Social ou de Ação Social... A licenciatura começou por ser em Serviço Social, depois mudou para Política Social, mas há uns anos voltou à designação de Serviço Social. E ainda bem. Foi o próprio conselho de reitores das universidades portuguesas que procurou clarificar a situação, pois havia uma imensidão de licenciaturas com várias denominações, que eram a mesma coisa que outras. A denominação de serviço social ou de trabalho social tem mais de cem anos. E não vale a pena andarmos a querer atribuir funções iguais com nomes diferentes. O nome da nossa profissão está legitimado internacionalmente, portanto, em termos de formação universitária, os estabelecimentos de ensino tiveram de se entender..E agora está tudo pacificado? Sim, embora haja institutos que tenham planos curriculares com algumas diferenças, mas, desde que tenham as matérias e disciplinas consideradas essenciais para a formação dos assistentes sociais, está tudo bem..Mas, na prática, o que faz um assistente social? Tem consciência de que é uma profissão que nos últimos tempos está muito exposta e quase sempre por maus motivos? O assistente social é um profissional que foi formado para conhecer e estudar a realidade social, as relações que se estabelecem nessa realidade - muitas vezes, injustas -, que estuda o sistema social - também injusto e gerador de desigualdades - para depois agir. Há um conjunto de pessoas na sociedade que não chegam a ser cidadãos, ou a ter oportunidades para o serem, e o assistente social é o profissional que foi formado para apoiar as pessoas nesta situação, para que se tornem efetivamente cidadãos, com direitos e com acesso a estes..Isso exige características específicas para quem escolhe esta profissão? Exige. Há quem ache até que é preciso vocação. Não sei se é preciso. Mas posso entender que a vocação seja a preocupação com o outro, com o seu bem-estar e com a inclusão de todos na sociedade. Não digo também que seja preciso militância, mas é preciso ter como orientação fundamental os direitos das pessoas e a luta pela justiça social..O que é que isso implica? Um grande foco nas realidades que existem, ética e deontologia? Implica ter competências para analisar a realidade social e as suas idiossincrasias, competências para analisar as políticas públicas e de que forma é que elas interferem na vida dos indivíduos. Implica ter competência para perceber como é que as políticas poderiam funcionar e propor alternativas. Implica trabalhar com o cidadão, com as organizações e com outros profissionais, sempre tendo por base a ética e, obviamente, a deontologia profissional..Com matérias tão sensíveis, a ética é fundamental? É. Lidamos com pessoas em situação de sofrimento social, de vulnerabilidade social, até podem não ser pobres, mas podem estar excluídas nalguma dimensão da vida social. E o assistente social precisa de ter sentido ético para entender a situação, envolver-se e tudo fazer para que a pessoa saia de uma situação que até pode ser temporária. Isto requer compromisso com as pessoas, com a sociedade e seguir os princípios e os valores éticos, como a dignidade e a solicitude. Eu considero que um dos princípios mais importantes da nossa profissão é o da solicitude..E é esse o principal compromisso da profissão? É sobretudo o compromisso de estar disponível para o outro e de apoiar o outro para que tenha o seu lugar na sociedade. Muitas vezes, não basta termos esta preocupação ou até a capacidade de análise da realidade social, o ser interventivo ou até usar o princípio da solicitude. É preciso ter recursos também..Por vezes, nós, técnicos, não sabemos dar o devido uso aos recursos que temos.A falta de recursos, de condições, os salários baixos e o facto de a maioria dos profissionais estar a trabalhar para o Estado ou para instituições de solidariedade social é o principal espartilho da profissão? Não gosto de dizer que o seja, porque considero que temos políticas sociais importantes e que Portugal fez um caminho muito interessante nesta área, sobretudo depois da entrada na UE. Mas a verdade é que algumas dessas políticas ficaram aquém em termos dos valores financeiros necessários. E, por outro lado, por razões políticas, também tem havido ao longo dos anos várias alterações no acesso às políticas sociais, o que tem criado dificuldades aos técnicos para que muitas pessoas que necessitam de apoio tenham acesso aos seus direitos..É cada vez mais difícil? Penso que, por vezes, não é só a dificuldade de dar acesso, os técnicos é que também, por vezes, não sabem dar o devido uso a algumas das políticas que temos. Nem sempre exploramos os interstícios das medidas para conseguir de facto usá-las..O quer quer dizer com isso? Obviamente que temos de cumprir as regras de acesso aos direitos, mas o que quero dizer é que os profissionais, às vezes, são mais exigentes do que deviam ser. Por exemplo, uma pessoas que recebe o rendimento social de inserção (RSI) tem de estar inscrita no centro de emprego, é obrigada a apresentar-se periodicamente, senão vai corre o risco de perder o apoio. Ora, o que o técnico tem de fazer é analisar por que é que a pessoa não comparece - pode simplesmente não ter dinheiro para os transportes..E quando não comparecem retiram o apoio? Já aconteceu, mas temos de perceber que a vida de algumas pessoas é, de facto, muito difícil. E, por vezes, os técnicos são tão exigentes com o cumprimento das regras que se esquecem de que uma pessoa em situação de exclusão pode não conseguir quebrar esse ciclo no tempo que lhe é exigido - num ano ou dois. Isso tem de ser avaliado. Não tenhamos ilusões, há pessoas que não têm oportunidades e, portanto, temos de ter a perceção de quais são as corretas oportunidades para que elas possam ter acesso e direito a ser cidadãos..As regras e a exigência de que fala são impostas pelo próprio sistema, certo? São, mas o próprio sistema tem de mudar algumas regras, tem de ser mais maleável. É por isso que digo que os profissionais têm também de saber trabalhar com alguma maleabilidade, mas sem serem paternalistas..Considera que em Portugal existem os apoios públicos necessários para dar resposta a tais situações? Apoios públicos diretos há alguns, mas considero que poderiam ser melhores, não apenas relativamente a prestações pecuniárias, mas relativamente a outro tipo de apoios fundamentais, como a habitação. Este é o maior problema que temos no país..Porquê a habitação? É um dos direitos mais preciosos que temos. É o direito à privacidade, o direito a ter um espaço e a poder organizar a sua vida nele. Ainda há muitas pessoas que não têm esse direito. Não tem nada que ver com a situação que o país vivia há 30 ou 40 anos, mas ainda há um caminho a fazer..Tem havido algumas tentativas de aplicar medidas relativas à habitação. Não têm funcionado? Houve agora algumas tentativas de instituir uma verdadeira política de habitação, mas vamos ver quanto tempo é que demora a ter resultados. Os municípios têm também um papel muito importante nesta questão..Há quem esteja desmotivado e não tão envolvido, mas há quem faça um trabalho excelente....Os assistentes sociais têm de lidar com a frustração de não conseguir dar resposta a quem precisa? É uma profissão desmotivada? Lidamos com alguma frustração, mas não podemos permanecer nesse estado, porque temos de partir para a ação e temos de tentar influenciar no sentido positivo..E como é que se influencia? A maioria dos técnicos trabalha para o Estado e há quem se queixe de que não é fácil. Temos de tentar influenciar nas próprias organizações onde estamos. Temos esse dever, e não é com palavrinhas que se faz isso. Tem de ser com dados, relatórios e propostas para mudar. É isto que é preciso para se tentar influenciar e mudar..Considera que a classe não está desmotivada? Não sei responder a isso, vou apanhando pessoas desmotivadas, cansadas por não terem melhores condições e mais recursos para trabalhar, embora pense que também temos de ser nós a aproveitar melhor os recursos. Mas também conheço pessoas muito motivadas e a fazerem um trabalho excecional..É uma classe que vive também com a marca da precariedade? É. Apercebo-me dessa situação porque dou aulas, continuo a ter contactos com alguns alunos que estão nessa situação e percebo que os mais jovens também têm tido dificuldade em entrar no mercado de trabalho. Alguns vão conseguindo entrar mas em situação contratual muito má, contratos temporários e mal pagos...Quando diz mal pagos a que se refere? Salário mínimo ou menos. Nas instituições particulares de solidariedade social é um pouco diferente, há uma tabela que tem de ser cumprida e que começa com cerca de 700-750 euros, mas há situações em que não é assim..Quais? Falo do setor privado, que tem crescido bastante na área dos cuidados continuados e das estruturas residenciais para os idosos, como agora se chamam, em vez de lares, e das empresas com apoio domiciliário. Muitas destas organizações têm assistentes sociais, porque têm de os ter para conseguir alvará, mas se os podem integrar a meio tempo é o que fazem, quando muitas vezes as funções que desempenham exigem mais horas, e por 400 euros ou menos..É mais uma das profissões mal pagas. É e isso faz que os profissionais mudem de área ou que, se calhar, não se envolvam tanto. Às vezes, é preciso um incentivo financeiro para a pessoa trabalhar. Não é essa a única razão, não pode ser, mas é uma razão importante. Há situações no privado em que oferecem ordenados muito baixos e, se o assistente social não aproveita, contratam profissionais com outras formações para o substituir..Isso quer dizer que há outros profissionais a fazer de assistentes sociais? Sim. É um problema da classe. A Segurança Social deveria exigir mais nas qualificações para o exercício de determinadas funções, por vezes basta-lhes qualquer formação na área das ciências sociais e humanas, o que pode ser muita coisa. Mas tem os seus perigos..Quais? O de termos profissionais a exercer funções que requerem determinadas competências e um sentido ético e deontológico que não os têm. E o cidadão não está protegido. Ao longo dos tempos houve funções que foram sempre atribuídas aos assistentes sociais e o que aparece na opinião pública é que, quando há erros, é o assistente social que os comete, e, muitas vezes, não é. Não estou a dizer que um assistente social não cometa erros, também os comete, como em qualquer profissão. O que estou a dizer é que muitas vezes somos acusados de determinados erros e não foi um assistente social que os cometeu..Quer explicar melhor? Nas comissões de proteção de menores, por vezes, não há assistentes sociais, e quando alguma coisa corre mal há programas de televisão que analisam tudo ao detalhe e exaustivamente falando de assistentes sociais, denegrindo a profissão e, por vezes, os assistentes sociais não estão nas comissões de menores..Refere-se a algum caso específico? Não vou especificar casos..Mas está a dizer que os assistentes sociais estão a ser substituídos por outros profissionais? Há muitos profissionais com outras formações que estão a fazer de assistente social. São contratados para o exercício de determinadas funções, não sei se as próprias organizações não percebem que estão a contratar uma pessoa que não tem propriamente a formação necessária para aquela função ou se não querem perceber. Conheço organizações que têm técnicos a fazer acompanhamento social e que não têm preparação para isso..Para saber se uma família passa fome não preciso de lhe abrir o frigorífico e há quem faça isso....Em que é que isso se reflete... Por exemplo, acontece que fora dos gabinetes e entre colegas que não são daquela área são feitos comentários sobre a situação das pessoas que estão a acompanhar, e isso está proibido a um assistente social, que tem o dever da confidencialidade. As pessoas que acompanhamos têm de ser tratadas na sua dignidade, e isso significa não andarmos a falar da sua vida noutras instâncias. Vou dar outro exemplo: para saber e comprovar que uma família está a passar necessidades e que até tem fome não preciso de entrar na casa dela e de lhe abrir o frigorífico. Um assistente social é formado para ter competências para perceber esta situação sem ter de fazer isto, mas há organizações que dão este tipo de orientação..Essas orientações são dadas por quem? Instituições, dirigentes, técnicos? Não vou especificar, mas isto é para dizer que há pessoas que substituem o assistente social e que fazem isto....Para tornar mais claro, quem são os técnicos que as organizações contratam e que substituem o assistente social? Vêm de que formações? Há formações diversas. As universidades privadas tiveram coisas positivas, mas também negativas, começaram a criar cursos com denominações extravagantes que depois não correspondiam a uma profissão e, quando tiveram de encaixar estes licenciados no quadro legal das profissões, tudo o que tivesse que ver com a vertente mais social ia ocupar o lugar de assistente social. Estou a falar de formações como Psicopedagogia Curativa, Ação Social, Educação Socioprofissional, Investigação Social Aplicada. Estes cursos já não existem, mas há muitos destes licenciados que estão a desempenhar funções de assistente social..O exercício profissional não é controlado? Não..E a quem competiria isso, a uma Ordem? Sim. A Ordem vem dizer quem pode exercer a profissão, quem pode exercer e praticar determinados atos profissionais que são próprios da profissão. A Ordem vem colocar um travão, não na formação-base, porque não lhe compete aprovar ou chumbar cursos, isso é da tutela do Ministério do Ensino Superior, mas compete-lhe dar pareceres. E o ministério terá de acreditar que a Ordem dá o seu parecer garantindo que as pessoas que se formarem naquele curso vão ter as competências necessária para o exercício profissional..A ordem vem regular a formação e a profissão. É isso que fazia falta à classe? Há três aspetos importantes para termos uma Ordem, pela regulação da formação e do exercício da profissão, mas também porque obrigatoriamente somos parceiros sociais. Temos de ser ouvidos para um conjunto de políticas e de decisões que têm de ser tomadas, e o termos de ser auscultados e o termos de fazer parte da discussão e da definição de políticas e de projetos é uma dimensão muito importante para a profissão e até para a sociedade..Porquê? Por exemplo, o Ministério da Saúde já abriu a porta aos assistentes sociais e ao trabalho que temos de ser nós a fazer em certas situações, mas o Ministério da Educação ainda não. Não estamos nas escolas, e fazemos uma falta enorme. Essa será a próxima luta da associação..Os assistentes sociais têm de estar nas escolas. Fazem uma falta enorme.As escolas já têm professores, auxiliares, psicólogos. Porque é que fazem falta? A comunidade educativa é composta por professores, auxiliares, famílias e algumas organizações da comunidade, mas há situações que ninguém destas áreas trata. Além dos professores, o único recurso técnico que há em muitas escolas é o trabalho dos psicólogos, que não podem tratar de tudo. Normalmente, até se concentram mais no que é a orientação vocacional. Falta a ponte com o exterior, o perceber as famílias e o que é preciso ser feito para que as famílias e a equipa de professores, auxiliares e psicólogos tenham o que é necessário para trabalharem com um menino. Por isso, os assistentes sociais têm de estar nestas equipas multidisciplinares, isso está a fazer muita falta à sociedade. Não podemos psicologizar tudo. Muitas das situações de meninos, que depois são sinalizadas à Comissão de Proteção de Menores, não têm que ver com problemas que necessitem de terapia psicológica. Têm que ver com o tratamento do contexto em que a criança está inserida..Apresentaram algum projeto ao Ministério da Educação ou ao governo? Neste momento, há um grupo de profissionais na associação que estão a trabalhar no sentido de termos um documento que espelhe a realidade para se propor uma reunião ao ministério e conversarmos sobre o assunto..Tudo isto será mais fácil com uma Ordem? A Ordem vai ter peso para dialogar com as organizações. Vai ter peso até para defender os profissionais no seu exercício..Porque diz isso, por ser considerada uma profissão menor ou por ter uma imagem negativa? Por exemplo, os casos que apareceram recentemente das duas gémeas na Amadora... Trouxe uma imagem muito negativa... Para algumas pessoas ou setores a classe pode ser vista como uma profissão menor, mas quem connosco lida de perto, as pessoas que apoiamos, sabe quem somos e que existimos. Se temos uma imagem negativa também é porque, normalmente, o que aparece na opinião pública é só o que é negativo, o problemático, também se compreende, pois é uma questão de defesa do cidadão. Mas volto a dizer: o que aparece na opinião pública apontado como tendo sido feito por um assistente social pode não ter sido..E se tiver sido mesmo, o que é que a Ordem num caso destes fará? Obviamente que quando a Ordem estiver a funcionar terá a obrigação de averiguar tais situações. A Ordem tem de ter um papel pedagógico, mas também um papel disciplinar. Não gostaria que a parte disciplinar tivesse mais peso e mais visibilidade do que a pedagógica, porque esta é muito importante para a profissão, porque as situações com que lidamos são muito complexas e, por vezes, precisamos de alguém que faça supervisão e que nos apoie no exercício das nossas funções..Ordem terá um papel pedagógico mas também disciplinar.A supervisão é importante numa profissão que mexe com situações tão sensíveis? É importante para a forma como o assistente social desempenha a sua função, que tem de estar de acordo com o que são os princípios e valores da profissão. A nossa ação tem como objetivo o bem-estar do cidadão e, por vezes, há dificuldades a esse nível. Nem sempre atuamos da melhor forma. E, por isso, a Ordem deverá ter um papel interventor no apoio aos profissionais, para que exerçam melhor a sua profissão, e também um papel e poderes disciplinares, que uma associação não tem. Mas espero que quem fique à frente da Ordem exerça os seus poderes de forma construtiva, para que os profissionais exerçam melhor as suas funções..A luta pela Ordem não foi pacífica, dividiu a classe? Diria que, mais do que divisão, houve falta de envolvimento, mas isso é um problema dos assistentes sociais, não se envolveram na Ordem, como não se envolveram em outros processos, até na associação dos profissionais, que tem 41 anos, só 10% da classe está inscrita. Neste momento, devemos ter cerca de 2000 sócios, hoje devemos ser mais de 20 mil. Não tenho dados concretos..Porque não se envolvem? Pelas condições em que trabalham ou por uma questão cultural? Penso que é mais por uma questão de cultural. Falamos muito no desenvolvimento da capacidade associativa, promovemos isso, mas depois connosco não o fazemos..Não deveria ser assim. São a profissão que foi criada para manter um certo equilíbrio social... É uma profissão centenária. A sua criação surge pela mão de Jane Addams. Em Portugal, a formação específica existe desde 1935, atravessou várias épocas históricas. Começou apadrinhada pelo regime do Estado Novo, como uma profissão para manter um certo controlo do social, alguma estabilidade, fazer que não houvesse grandes conflitos sociais - ou seja, não se colocava em causa a pobreza, mas tentava-se diminuir a sua visibilidade. Mas depois evoluiu muito e os profissionais começaram a estar envolvidos em movimentos sociais contra o regime. Somos uma profissão que desenvolve, que tem de desenvolver, muito a sua competência ético-política. Não podemos ser meros executores de medidas sociais..Acha que a profissão ainda é vista como menor? Nalguns setores da sociedade ainda somos vistos como a profissão que serve para ajudar os pobres, para dar um subsídio ou um banco alimentar e já não é isso há muitos anos, mas também nos compete a nós mudar essa visão. Somos uma profissão que pensa a realidade e que age na realidade de uma forma crítica, mesmo quando se sabe que os recursos são poucos, e no sentido de mudar a sociedade. Não podemos deixar de querer isso, mesmo que nos pareça uma ilusão..E fazem isso mesmo? Sim. A profissão evoluiu no sentido de assumir esse papel, de ir mais longe, de lutar para que não tivéssemos uma intervenção meramente interpretativa ou adaptativa. Temos lutado no sentido em que não basta agir para que um indivíduo tenha algum nível de adaptação à sociedade para poder viver nela, sabemos que a sociedade é injusta, temos de lutar também para que a sociedade mude, de passarmos de uma intervenção adaptativa para uma intervenção de mudança social. É essa a nossa responsabilidade. É claro que sozinhos dificilmente conseguimos mudar alguma coisa, quando muito mudamos nas nossas organizações, se tivermos essa capacidade e competências, mas não é isoladamente que mudamos alguma coisa do ponto de vista global. Portanto, temos de ser uma voz ativa no setor público, privado, temos de propor, de ser positivos para que haja melhores políticas sociais, mais recursos.Acredita que é possível? Não estamos perante uma classe silenciosa? Podemos ser uma classe silenciosa para a opinião pública, mas para os cidadãos que recorrem a determinados serviços não somos ignorados. Esses conhecem-nos..Estão a empurrar-nos para um serviço social de casos, e não pode ser.Neste momento, e numa altura em que a imagem não é muito positiva, o que considera que é importante para a classe e a que deve estar atenta? Penso que há um problema que requer toda a nossa atenção. Têm estado a empurrar-nos para uma única forma de fazer serviço social, que é o serviço social de casos, o da intervenção individual, quando, ao longo da nossa formação e profissão, desenvolvemos competências e métodos próprios para trabalhar com grupos e com comunidades. Fomos muito fortes no trabalho comunitário, mas, nos últimos anos, isso tem vindo a perder-se. O assistente social tem ficado muito no gabinete, no atendimento individual ou num programa mais burocrático. Não estamos na rua, no terreno, ao pé das pessoas e das comunidades, para as dinamizar e dar força para que sejam elas próprias a construírem o trabalho que é fundamental..Quando diz estão, refere-se ao Estado e ao sistema? Sim. Um serviço social que não está a ser feito da forma mais adequada, porque nos dão apenas 15 a 20 minutos para atender uma pessoa. Não pode ser. Estamos a lidar com pessoas e todas diferentes, umas requerem mais tempo do que outras, umas têm problemas mais complexos do que outras, que precisam de maior apoio para estabilizarem e poderem ser elas próprias a definir como podem organizar a sua vida. Isto requer tempo. Não se faz em 15 ou 20 minutos, para depois vir logo outra pessoa a seguir..Isto traz consequências... Traduz-se num outro perigo, que é o de uma intervenção mais assistencialista, mais centrada no indivíduo, no acompanhar se ele cumpre ou não, não se explorando o trabalho na comunidade onde o indivíduo vive, não se fazendo pressão para que sejam criadas oportunidades para essas pessoas..Acontece porque há poucos técnicos ou muita gente para ser apoiada? Não diria que somos poucos, diria que somos os suficientes, mas que deveríamos todos estar a trabalhar, e não é isso que acontece. Isto poderia fazer a diferença..Fazer a diferença nos resultados? Sim. Não trabalhamos só com pessoas que estão em situação de pobreza. Quando falamos de exclusão podemos estar a falar de uma situação temporária. A exclusão não obriga a que pessoa tenha carência económica. Por exemplo, um idoso, uma área fundamental em que intervimos, até pode ter uma situação económica muito confortável e estar numa situação de vulnerabilidade e de sofrimento social. Pode estar só, porque as relações sociais diminuíram, e não sabe como procurar a resposta de que necessita..A população que precisa de apoio é diferente, é isso? É. Esta é uma questão que alguns assistentes sociais, lamentavelmente, ainda não perceberam. É que as pessoas que encontramos hoje em situação de pobreza são muito diferentes das de há 20 ou 30 anos. Algumas estão agora em situação de fragilidade social, mas já estiveram bem na vida. Não vêm de uma pobreza que passou de geração em geração. A realidade social é diferente e temos de estar preparados para que o cidadão reclame de nós, da forma como atendemos ou como lhes proporcionamos o acesso a determinados recursos de que necessitam. O assistente social tem de estar preparado para se saber defender ou para mudar a sua forma de atuar..Isso melhora o exercício da profissão? Melhora. É um confronto que exige mais de nós.