Irlanda é favorita no balão de ensaio para o Mundial do Japão
Quando em 17 de novembro a Irlanda derrotou a bicampeã mundial Nova Zelândia por 16-9 - primeiro triunfo irlandês em casa frente aos All Blacks em 113 anos de duelos! - a equipa treinada pelo neozelandês Joe Schmidt desde 2013 - de partida após a Taça do Mundo do Japão e vencedor de três das seis edições da competição que disputou ao leme da seleção do trevo - confirmou a sua candidatura à próxima edição do Mundial e, por maioria de razões, estabeleceu-se desde logo como a maior favorita à conquista do Torneio das Seis Nações que tem início esta sexta-feira.
Será a edição n.º 125 da mais antiga competição do mundo entre seleções de qualquer modalidade, criada em 1883, com as quatro seleções britânicas, e que em 1910 veria a França juntar-se para, em 2000 e com a entrada da Itália, ganhar a nova designação que já vai na sua 20.ª edição. E pela primeira vez em muitos anos terá três equipas entre os quatro melhores países do "ranking" mundial: Irlanda (2.ª) Gales (3.ª) e Inglaterra (4.ª).
Passados pouco mais de dois meses a Irlanda, vencedora em 2018 com o terceiro grand slam (vitórias sobre todas as outras equipas) da sua história, continua a ser uma tremenda e bem oleada máquina de râguebi. E basta atender ao facto das suas quatro equipas provinciais estarem em grande forma e se terem qualificado para a fase a eliminar das competições europeias (com Leinster, Munster e Ulster a manterem-se entre as oito melhores na Taça dos Campeões) para se entender todo o favoritismo que desfruta a seleção que no ranking mundial só fica atrás da Nova Zelândia, ocupante da 1.ª posição desde novembro de 2009!
Há mais fatores que contribuem para o favoritismo dos irlandeses, como terem o eleito melhor jogador do mundo em 2018 (Jonathan Sexton), o jogador do torneio passado (Jacob Stockdale, autor de sete ensaios, número que ninguém atingia há 105 anos!) e ser maioritariamente composta por atletas do Leinster, o atual campeão europeu.
Ora não poderia haver melhor arranque da prova do que, logo na ronda inaugural, a receção da Irlanda à Inglaterra, num duelo entre as duas seleções que venceram as últimas cinco edições do Torneio (Aviva Stadium, 16.45 desta sábado, Sport TV5). E que, curiosamente, escolheram ambas o Algarve para efetuarem os acertos finais antes do arranque da prova. Inclusivamente os ingleses viajaram diretamente de Vilamoura para a capital irlandesa.
E se para o selecionador inglês Eddie Jones este, segundo as suas palavras, é o "melhor conjunto de jogadores que teve à disposição" desde que em dezembro de 2015 assumiu o cargo, os bem-vindos regressos dos irmãos Mako e Billy Vunipola e do 2.ª linha Joe Launchbury não compensam as ausências do capitão Dylan Hartley, do seu vice e "playmaker" Owen Farrell (foi operado ao pulso e perderá o fim-de-semana inicial), de Sam Underhill e Chris Robshaw, nomes de peso do quinze da rosa. Isto numa Inglaterra que nos últimos 15 anos só uma vez saiu de Dublin como vencedora e que desde 2011 não marca ali um ensaio. E que ao contrário do seu adversário, sofreu um autêntico descalabro na Taça dos Campeões, um verdadeiro "brexit" raguebístico, pois das sete equipas inglesas participantes na prova apenas o campeão Saracens se mantém em prova.
"Vai ser um jogo exigente, brutal e temos que começar a todo o gás, não podemos deixá-los embalar" declarou John Mitchell, o técnico neozelandês braço-direito de Jones, reconhecendo que uma pretensa candidatura à reconquista do título exige o triunfo em Dublin, uma colossal empreitada que nem os fantásticos All Blacks conseguiram concretizar há poucas semanas.
Assim, o principal rival da Irlanda será o País de Gales (face ao sorteio, para Joe Schmidt será mesmo o candidato n.º 1...), anfitrião dos irlandeses em Cardiff na derradeira jornada, e que após 12 anos se irá despedir do neozelandês Warren Gatland sob o comando do qual ganhou dois títulos (2008 e 2012, ambos com "grand slam"). Os galeses, que somam nove triunfos consecutivos (a dois do seu recorde) tiveram pela primeira vez em muitos anos um mês de novembro 100% vitorioso e com o regresso de alguns lesionados (falta ainda o excelente n.º 8 Toby Faletau e o titularíssimo médio de formação Gareth Davies começará como suplente) têm todas as condições para constituir o maior obstáculo a um segundo triunfo consecutivo irlandês.
Mas para tal terão que já esta sexta-feira à noite mostrar credenciais quando se estrearem (Stade de France, 20.00, Sport TV5) diante de uma França que sob a orientação de Jacques Brunel vinha mostrando alguma melhoria - até ser humilhantemente batida pela primeira vez no seu historial pelas Fiji em Paris (21-14) no último "test-match" de novembro. Os gauleses não vencem o Torneio desde 2010 - e a partir da sua primeira vitória, em 1954, nunca estiveram um período tão dilatado a penar sem triunfos! - e continuam com pouca estabilidade e a sofrer demasiadas mudanças no lote de convocados. Por exemplo, 14 dos 23 franceses que defrontaram Gales há um ano estão agora de fora...
Mas o experiente Brunel já percebeu que há suficiente mão-de-obra no Top 14 para a necessária renovação e para lá da estreia do sul-africano 2.ª linha Paul Willemse, arriscou na chamada de dois jovens campeões do mundo sub-20 em 2018, o centro Romain Ntamack e o "pilarão" Demba Bamba, que estará de início no banco.
Depois de ser a improvável terceira classificada em 2018, alicerçada pelas boas exibições na janela de outono e pela inédita presença nos quartos-de-final da Taça dos Campeões das suas duas equipas (Edinburgh e Glasgow Warriors, o que nunca antes acontecera), a Escócia, na segunda época com Gregor Townsend ao comando, pretende finalmente ter uma palavra a dizer quanto ao triunfo final, o que nunca aconteceu na prova já que o seu último título data de 1999 - última edição do Cinco Nações.
A estreia será em casa diante da Itália (Murrayfield, 14.15 deste sábado, Sport TV5) e mesmo sabendo que só por duas vezes venceram na jornada inaugural nas 19 edições do Torneio, os escoceses podem contar com a capacidade penetradora do defesa Stuart Hogg (melhor jogador da prova em 2016 e 2017) e o acerto nos pontapés colocados do capitão Greig Laidlaw, duas garantias de pontos... e triunfos.
Pela frente surgirá uma Itália que mantém o irlandês Conor O'Shea ao leme e que continua irregular e sem chama. O quinze transalpino nos últimos dois anos somou 19 derrotas nos 22 "test-matches" que disputou, só tendo batido Fiji, Japão e Geórgia (não ganha em casa para o Seis Nações desde 2013!) e não conseguiu qualquer triunfo nos quatro últimos anos no Torneio, sendo mais uma vez o grande candidato à colher de pau do último classificado para juntar às 13 que já possui nas suas vitrines. Isto no adeus do veterano capitão Sergio Parisse, 35 anos, que ao pisar o relvado em Edimburgo passará a ser o jogador com mais jogos na prova, 66, ultrapassando o histórico irlandês Brian O'Driscoll.
Como todas as edições em ano de Mundial - e o do Japão está a menos de oito meses de distância - este será um torneio especial, com as equipas técnicas a analisarem todos os desempenhos ao microscópio e testando modelos de jogo que irão ser aplicados no certame que arranca a 20 de setembro.
Já para os adeptos voltará a ser, como todos os anos desde 1883 (com a natural exceção do período das duas guerras mundiais), a oportunidade para, em civilizada romaria, encherem por completo os magníficos estádios onde verão as suas amadas equipas, vibrarão com os ídolos... e esvaziarão barris e barris de cerveja. Tudo no mais completo desportivismo e com "fair play as usual".