"Houve uma gestão errática e reativa, não a que o país merecia: credível, coerente e corajosa"
É médico pneumologista, professor catedrático, diretor de serviço no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, membro do Conselho das Escolas Médicas, integra o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos no combate à pandemia e ainda lidera a Sociedade Europeia de Pneumologia. Carlos Robalo Cordeiro falou com ao DN no início da pandemia, a 28 de março, quase 11 meses depois volta a falar sobre o olhar que tem da realidade atual. E não tem dúvidas de que se cometeram erros e de que a realidade ainda agravará mais. Diz que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a passar pelo maior desafio de sempre, "está a ser testado ao limite" e envia um apelo às novas e velhas gerações da medicina. Aos mais novos, que tenham esperança, que aproveitem ao máximo esta fase como uma fase de aprendizagem, aos seus pares que não desistam, porque a pandemia também trouxe ao de cima o melhor do exercício da prática médica - o humanismo, a solidariedade e o espírito de missão.
No início da pandemia, disse em entrevista ao DN que se estava a fazer o que devia ser feito, mas que, provavelmente, poderia ter sido feito com mais antecedência. E agora? Não se fez o que se deveria ter feito?
Vão-se tomando medidas, mas sempre um pouco atrás do tempo em que deveriam ter sido tomadas. Tenho de ser honesto. Considero que tem havido muito mais reatividade do que proatividade, sobretudo mais reatividade do que prevenção. Isto tem sido uma marca ao longo desta pandemia.
Em que aspeto?
Recordo dois episódios: o uso obrigatório das máscaras, por exemplo. Só com uma pressão muito grande de diversas entidades e especialistas é que foi adotado na primeira fase da pandemia, mas foi uma decisão que levou muito tempo. Outro exemplo, e este foi um dos momentos críticos, quando se reabriu o país, se assim se pode dizer, ou melhor, quando as aulas recomeçaram em setembro, não se tinha um Plano Outono-Inverno (POI), com medidas e planeamento para atuar, esse plano só chegou durante o outono. Na altura, disse-o e continuo a dizer que saudava um plano deste tipo, porque era fundamental na programação e organização do combate à pandemia, mas o plano pouco saiu do papel, muitas medidas que ali estavam nunca foram operacionalizadas.
Fala de que medidas?
Por exemplo, da operacionalização de hospitais covid e não covid, da criação de hospitais de campanha, da promoção do teletrabalho - devo dizer que foi claramente um erro que em setembro se tivesse aberto tudo ao mesmo tempo, depois do exemplo que já se tinha tido com o desconfinamento na Área Metropolitana de Lisboa após a primeira vaga. Logo nesta altura, houve um aumento de casos que seguramente foi motivado por uma abertura sem critério, pelo condicionamento gerado nos transportes públicos e no trabalho. A operacionalização de algumas destas medidas teria sido fundamental, mas nada disso aconteceu.
Porque é que o plano não saiu do papel?
É uma pergunta à qual não sei responder. Não tenho qualquer responsabilidade política nem qualquer responsabilidade operacional, a não ser a de diretor de um serviço hospitalar numa área que está muito envolvida na pandemia, a de diretor de uma faculdade de Medicina e a de fazer parte do gabinete de crise da Ordem dos Médicos. Mas essa é uma pergunta que todos nós fizemos e nunca percebemos porque é que muitas das medidas foram sempre retardadas.
Quais eram as medidas do POI que considerava essenciais para não se chegar a esta situação limite?
Desde logo a separação de hospitais covid e não covid, por outro lado foi dito que iria ser criada uma task force para a resposta não covid, com o foco nos cuidados de saúde primários e na articulação entre estes e os hospitais, e isso também não aconteceu. Neste plano estava também plasmado o reforço, de forma enérgica, da saúde pública, e também isso ruiu.
O POI tinha várias medidas que poderiam ter travado esta situação?
O Plano Outono Inverno 2020-2021 tinha definida a estratégia nacional para a pandemia, para a gestão da situação, não só numa perspetiva nacional, mas também no âmbito mais regional e local. Só que não aconteceu. Porquê? Não lhe consigo responder. A única coisa que consigo dizer-lhe é que é uma tristeza que nada disto tenha sido operacionalizado, porque assim tivemos uma gestão errática e reativa e não a que o país merecia, que era uma gestão credível, coerente e corajosa.
Destaquedestaque""Uma das coisas mais marcantes a que assisti nos últimos tempos foi o discurso emotivo e corajoso da Chanceler Merkel. Foi um verdadeiro exercício da missão e da vocação nobre da política".
Não houve uma atitude política corajosa?
Uma das coisas mais marcantes a que assisti ao longo destes últimos tempos foi o discurso emotivo e corajoso - emotivo q.b. e muito pragmático - da Chanceler Merkel, que foi um verdadeiro exercício da missão e da vocação nobre da política, porque a política existe para servir os interesses da população. A chanceler alemã colocou a segurança dos seus concidadãos à frente da política. E, nós, com esta gestão errática, pouco focada e reativa, não estamos a servir qualquer interesse da saúde e muito menos da economia, porque, como é evidente, a economia não recupera se não houver uma situação sanitária diferente no país. Dei-lhe o exemplo da Alemanha porque a meu ver é paradigmático, mas digo-lhe com toda a sinceridade que muitos fizeram essa sensibilização entre nós.
Quando fala de nós fala de quem está na ciência?
Falo do Conselho de Escolas Médicas e do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, porque pugnámos sempre para que houvesse uma audição de peritos de forma mais alargada. Ou seja, pugnámos sempre para que na audição aos peritos estivessem as universidades, as sociedades científicas, as ordens profissionais. E isto nunca se fez, onde está o maior conhecimento científico senão na academia?
Quer dizer que o poder político não ouviu a ciência?
Ouviu apenas alguns especialistas e era preciso ouvir também quem claramente não tivesse apenas o conhecimento e a sustentação científica, mas também uma certa independência do poder político. Isto é muito importante. Um diretor de uma faculdade de medicina, de uma sociedade científica, um bastonário de uma ordem profissional tem independência, para começar são eleitos pelos seus pares, não são escolhidos pelo Governo para nenhum lugar. Portanto, uma audição mais alargada poderia ter ajudado nas decisões e isso falhou.
Isso significa que as decisões tomadas não o foram com base numa fundamentação científica, mas apenas no que alguns pensavam?
Essa fundamentação existiu, mas deveria ter sido mais alargada - tenho de esclarecer que há diversas pessoas nas ditas reuniões do Infarmed por quem tenho o maior respeito, são pessoas conhecedoras e com credibilidade. Não estou a dizer que foram nomeadas ou que estão ligadas a um círculo mais fechado do poder político, mas essas também lá estão.
Algumas das que lá estão também não têm sido ouvidas...
Algumas das que têm estado nessas reuniões não têm sido ouvidas em função do que tem sido dito. Evidentemente que quem tem de tomar decisões teme as dificuldades. Percebo que seja difícil, porque ninguém estava preparado para uma situação destas. Não há ninguém que não se tenha já enganado no que foi dizendo, no que ia propondo ou nas expectativas que foram sendo criadas ou até nos cenários delineados - certamente que ninguém dos que estão ao leme do país pensaram que iriam passar por uma pandemia - mas desde o inicio até agora houve uma aprendizagem. Não se pode criar um ónus excessivo sobre os decisores, mas a verdade é que houve mais reatividade do que proatividade, mais comportamentos ou atitudes erráticas do que coragem. Houve falta de coragem e incoerências nas decisões e isso retirou credibilidade à mensagem que estava a ser passada.
Há uma responsabilidade política na situação que estamos a viver...
Disso não tenho dúvida
Mas há também uma responsabilidade social?
Há uma responsabilidade política, porque as atitudes erráticas de que a população se foi apercebendo motivaram uma quebra na confiança nas medidas tomadas e daí a fuga ao seu cumprimento. Portanto, há uma responsabilidade coletiva. Na primeira vaga tivemos o sucesso que tivemos porque a mensagem foi clara e o confinamento eficaz. O aligeiramento das medidas numa fase em que não deveria ter acontecido fez com que as pessoas assumissem uma postura de maior relaxe, o que levou a uma desresponsabilização maior e à falta de cultura ética e cívica.
Destaquedestaque"O que se passou no fim de semana passado é um exemplo de que não é possível pedir só às pessoas para ficarem casa. Há que adotar medidas para que fiquem em casa".
Está falar do Natal e do que aconteceu também no último fim de semana?
Claro. O que se passou no fim de semana passado é um exemplo de que não é possível pedir só às pessoas para ficarem casa. Há que adotar medidas para que fiquem em casa. E isso não aconteceu, excecionaram até ao limite as hipóteses de não se ficar em casa e as pessoas aproveitaram tudo. Sinceramente, de uma forma que dá a sensação de falta de reconhecimento.
No início bateram-se palmas aos profissionais e agora foram esquecidos?
Claro. As pessoas esqueceram-se totalmente do que se está a passar nos nossos hospitais. Se as pessoas que andaram a passear trelas sem cães ou que andaram sem máscara e em grupo, a fazer ou a fingir que faziam o seu exercício, pudessem assistir ao drama que se se vive nos hospitais provavelmente teriam outra atitude. Não quero pensar que são totalmente inconscientes ou que não têm a possibilidade de ter uma atitude cívica.
Fala das excecionalidades, foi aqui que não houve coragem política para impor outra mensagem?
Houve falta de coragem política para restringir e sancionar isto ou aquilo. No combate à pandemia nunca se retirou a política da agenda. E este não é o momento da política, é o momento da ciência e da responsabilidade política. Por isso, volto a dizer que a comunicação da Chanceler Merkel foi notável neste sentido, sem preconceitos de ganhar ou perder popularidade. Ela colocou no centro as medidas sanitárias, porque só essas podem salvar a saúde, a economia e a componente social. Mas infelizmente em Portugal a política nunca foi retirada da agenda.
Quais vão ser as consequências?
As consequências estão à vista. São o que está a acontecer no SNS. Não é aceitável que neste momento tenhamos a grande maioria do esforço de trabalho do SNS dedicado só a uma doença. Eu trabalho no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra onde neste momento há mais de 400 doentes com covid internados. Não falta muito para que metade da atividade hospitalar, ou seja, para que uma em cada duas camas, esteja destinada à covid. Isto não é sustentável, não só porque não se está a prestar um serviço eficaz a estes doentes, mas porque as energias estão esgotadas. As pessoas estão cansadas e em burnout. Isso é visível. Mas, por outro lado, estamos a perder o resto da população doente e este é o grande problema. É um desastre.
O preço que vamos pagar é a perda de muitas mais pessoas do que é habitual no inverno?
Na quarta-feira desta semana, Portugal teve o maior número de mortes diárias desde que há registo, 721. Nunca tinha acontecido. Por covid foram 219, mas a estas somaram-se mais 500. Há muitos doentes que não estão a ser geridos como deveriam ser. Isto é uma catástrofe, significa que há uma disrupção total no controlo sanitário do país. Não só relativamente à covid, mas também em relação aos outros doentes e ao que deveria ser prioridade para os médicos hospitalares, para os médicos nos cuidados primários - aqui praticamente não se está a fazer mais nada senão Trace Covid (rastreio) - e para os médicos de saúde pública. Veja, a principal porta de acesso aos cuidados de saúde, a medicina geral e familiar, está claramente bloqueada e a saúde pública também, porque com os recursos que temos não é possível fazer mais - as equipas de saúde pública têm como função a realização dos inquéritos epidemiológicos para quebrar cadeias de transmissão e sabemos que isso há muito que já não é possível fazer.
Destaquedestaque"Falo em sofrimento ético, estes médicos têm de tomar decisões, têm de priorizar quem vão ver, vão ter de prescindir de umas coisas em favor de outras, porque não vão conseguir chegar a todos".
Os recursos são finitos, isso foi sempre o principal problema...
São tão finitos que neste momento está-se a construir hospitais de campanha que não abrem. Não por não terem camas e espaço, mas porque não há recursos para alocar. Isto chegou a este limite. Para lhe dar um exemplo, esta manhã, o médico pneumologista que esteve de serviço durante a noite à urgência respiratória, no Hospital dos Covões, disse-me: 'Nunca passei uma urgência tão má para o colega que entrou às 9.00'. Ele passou 23 doentes. É insustentável, imagine o que é só uma das pessoas que estava de urgência ter passado todos estes doentes. Durante o dia, até ao fim do turno, às 21.00, certamente que outros se somaram. Como é que um médico e um interno (de Pneumologia) conseguem responder a isto tudo? É por isto que falo em sofrimento ético, estes médicos têm de tomar decisões, têm de priorizar quem vão ver, vão ter de prescindir de umas coisas em favor de outras, porque não vão conseguir chegar a todos.
Disse que o seu hospital está destroçado, após a pandemia os hospitais portugueses não poderão voltar a ser os mesmos e refiro-me à gestão, organização humanização?
Apesar de tudo os nossos hospitais vão sair reforçados desta situação, no sentido em que testaram até ao limite a sua capacidade de resistência e de elasticidade. E ainda não acabou, ainda vai agravar mais. Mas não tenho dúvida de que vão sair reforçados.
Como?
Por um lado, porque houve um investimento em recursos, meios e equipamento, e humanos, embora não de forma suficiente nesta situação, como se está a perceber. Por outro lado, porque o espírito de solidariedade e de humanismo a que se tem assistido nos últimos tempos é algo que seguramente ficará. Nunca se tinha assistido a este movimento de tantas pessoas de diversas especialidades a trabalharem todas no mesmo sentido. Normalmente, em todas as épocas de inverno os hospitais têm de acionar os planos de contingência por causa do frio e da gripe e há sempre quatro especialidades que são muito envolvidas, a Medicina Interna, a Pneumologia, a Infecciologia e depois a Medicina Intensiva, mas agora vai muito para além deste grupo de especialidades. Todos estamos a trabalhar para o mesmo. Penso que é uma cultura que vai ficar.
E o SNS vai sair reforçado desta pandemia? Antes dizia-se estar fragilizado pela delapidação dos recursos humanos...
O SNS estava fragilizado e continuará a estar se se mantiverem algumas das premissas. Sabemos que o SNS é muito pouco atrativo em comparação com a competitividade de outras vertentes do sistema de saúde, como a privada. Sabemos que as carreiras profissionais não são atrativas, que a componente remuneratória também não é, que as condições de trabalho nem sempre são as melhores e que também há precariedade. Penso que o SNS sairá reforçado do ponto de vista da responsabilização em termos coletivos, porque nunca se viu um esforço tão grande, mas a fragilidade continua lá e aparecerá de novo quando tudo terminar e se não se olhar para o SNS de outra forma. Eu prefiro olhar para um Serviço Nacional de Saúde como um todo, ou para um Sistema Nacional de Saúde sem preconceitos. O mais importante é que os doentes e a população sejam tratados condignamente, independentemente de ser num hospital público ou privado.
Está na liderança da Sociedade Europeia de Pneumologia, a imagem de Portugal mudou. É uma questão falada entre os pares?
A nossa visão é de natureza formativa e menos de caráter político. Temos cerca de 40 mil sócios e essas questões até podem estar, eventualmente, no imaginário de cada um, mas não são dirimidas de modo explícito. O foco das nossas discussões é na formação e informação. A sociedade tem produzido um volume impressionante de informação científica sobre a pandemia, em breve vamos lançar guidelines actualizadas para a gestão global do doente covid, por exemplo.
Não há uma avaliação de quem pode estar a combater melhor ou menos bem esta pandemia?
Estamos todos no mesmo barco. Na direção temos pessoas de muitos países, também do Reino Unido que é um dos países que não tem a situação sanitária controlada, mas discutimos mais, por exemplo, processos de vacinação.
Faz parte do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos que não está de acordo com os critérios do Plano Nacional de Vacinação, pediram um parecer ao Conselho de Ética para as Ciências da Vida. O fator idade deveria ser prioritário para a questão da mortalidade?
Sempre fomos muito claros quanto à definição dos objetivos principais para a vacinação: estes devem prevenir a mortalidade e a sobrecarga do SNS. E o Plano Nacional de Vacinação elencou as prioridades sem olhar ao escalonamento etário, o que não aconteceu na maior parte dos países. Por exemplo, o RU colocou como primeiro grupo prioritário os residentes e trabalhadores em lares, depois as pessoas com mais de 80 anos, com mais de 75, 70, 65. Portugal não teve essa atenção. Colocou-se a fasquia nos 50 e mais anos com algumas patologias, quando se sabe que a letalidade é muito superior nos grupos etários mais avançados.
Mais de metade dos mortos está na faixa acima dos 80 anos...
A taxa de letalidade acima dos 80 anos é de 13,6%, enquanto na faixa etária entre os 50 e os 59 anos é de 0,3%. Portanto, desde logo isto faz pensar que não deveríamos colocar no primeiro grupo prioritário os 50 anos com patologias, mas os com mais de 80. São as pessoas desta idade que estão a morrer e que vão morrer ainda mais. Na Suíça, por exemplo, os médicos ainda não foram vacinados. O foco são os residentes em lares e os que têm mais de 80 anos. Eu já fiz a minha segunda dose e eles ainda nem chegaram à fase dos profissionais de saúde.
Mais uma vez isto vai ter um custo social...
Há estudos científicos que nos indicam que basta vacinar sete pessoas acima dos 80 anos para prevenir uma morte, enquanto no grupo entre os 50 e os 59 anos é preciso vacinar 300 para prevenir uma morte. Isto não é inexatidão, é ciência. É claro que assim vamos continuar a ter um aumento da letalidade. O primeiro grupo na proposta do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos são os profissionais e residentes em lares e instituições semelhantes, no sentido em que o objetivo prioritário é prevenir a mortalidade, e logo a seguir o escalão etário dos 75 anos, depois 70, 65.
Destaquedestaque"Como se vai rever agora o Plano Nacional de Vacinação para incluir os políticos espero que se reveja também os escalões etários e se inclua os mais idosos, para se prevenir maior mortalidade".
O argumento de que os grupos prioritários foram assim definidos porque não há vacinas para vacinar todos ao mesmo tempo é válido?
Não. A proposta que fizemos tem precisamente por base as vacinas que se disse que iam estar disponíveis e a fundamentação dos números que já referi para se prevenir uma morte. Se vamos começar a vacinar pessoas com mais de 50 com doença cardíaca, depois as de 54, 55 ou 58 anos, a prevenção da mortalidade na população vai ser muito menos eficaz do que se começássemos pelos que têm mais de 80 ou 75. Mas como se vai rever agora o Plano Nacional de Vacinação para incluir os políticos espero que se reveja também os escalões etários e se inclua os mais idosos, para se prevenir maior mortalidade.
As escolas foram fechadas hoje (sexta-feira) até aqui o argumento era o de que o custo do ensino não presencial para os alunos é muito grande. É impossível que estas gerações não consigam recuperar em tempo algum o que estão a perder?
Em primeiro lugar ninguém deseja o enceramento do ensino presencial. Como professor de medicina digo que estar a observar um doente, ouvir as suas queixas, as suas angústias, falar com os seus familiares é algo muito difícil de ser assimilado no ensino à distância. Mas o encerramento tinha de acontecer pelas razões que se sabe: estes grupos etários são os que têm agora maior incidência de infeção, são transmissores e geradores de uma enorme quantidade de contactos. Na primeira vaga, as universidades organizaram-se de uma forma notável e devo dizer que existem hoje muitas funcionalidades no ensino digital, no caso do ensino médico, que já são privilegiadas nos currículos das faculdades de medicina mais modernas, e que devem ser aproveitadas e ficar para o futuro. Nas escolas, a perda do processo de aprendizagem pode ser mais crítica, mas temos de estar alinhados e tentar manter ao máximo o ensino à distância.
Mas considera que a perda que possa existir nesta altura é irrecuperável?
Claro que não. Todos temos de nos adaptar ao momento que vivemos e os alunos não são exceção. Não tenho duvida de que os mais jovens e os mais velhos são os que mais estão a sofrer com a pandemia e, por isso, temos de ter em atenção o prejuízo e fazer um esforço acrescido para que o ensino à distância possa ser o mais próximo possível do presencial, mas o risco suplanta estes custos. Disto também não tenho a mínima dúvida.
Disse que os médicos estavam exaustos e em sofrimento médico, mas olhando para o futuro o que diria agora às gerações mais jovens da medicina e aos seus pares?
Que temos de olhar para o futuro com esperança. Esta é uma palavra que tem de existir no nosso vocabulário e imaginário, mas que temos de olhar também com uma perspetiva humanista, solidária e com espírito de missão, que é a base da atividade médica. Aos mais novos, que têm uma vida pela frente, direi que, apesar de tudo, estamos a viver uma situação que é um processo único de aprendizagem do ponto de vista da saúde pública, muitas gerações não tiveram esta oportunidade. Portanto, que aproveitem o melhor possível esta fase na perspetiva da formação global de um médico, criando a matriz que vão utilizar ao longo da sua vida. Aos restantes, as palavras são de não desistência, de reforço na esperança, porque com a pandemia veio ao de cima o melhor da nossa condição da atividade médica: o espírito de entrega, de sacrifício e de solidariedade.