Graffiti em comboio da CP punidos em tribunal com "puxão de orelhas"

Dois jovens foram condenados por dano qualificado a uma pena de admoestação. Confessaram, dizem estar arrependidos e pagaram os prejuízos causados à CP, justificou a juíza do Tribunal de Penafiel.
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Classificando o ato de fazer graffiti em duas carruagens da CP como "uma estupidez da juventude", a juíza do Tribunal de Penafiel entendeu nesta quinta-feira, dia 28 de fevereiro, que os dois jovens acusados do crime de dano qualificado pelas pinturas efetuadas no comboio são condenados pelo crime mas punidos com um "puxão de orelhas", no sentido figurado como frisou a magistrada. A pena aplicada foi uma admoestação e transitou em julgado uma vez que o Ministério Público (MP) não irá recorrer, após pedido da defesa para que tal ficasse já definido. Para a pena, a juíza teve em conta que os jovens confessaram, mostraram arrependimento e pagaram os prejuízos causados à CP.

O caso ocorreu em 2016 quando os dois jovens, na altura com menos de 21 anos e por isso beneficiaram na sentença das atenuantes previstas no regime penal especial para jovens, foram apanhados a grafitar duas carruagens da CP. A empresa, que não apresentou queixa, calculou os prejuízos em 539,66 euros, verba que foi necessária para a remoção das pinturas. Gerou-se então uma discussão jurídica sobre se era crime de dano qualificado ou mera contraordenação, com decisões contraditórias na justiça sobre a descriminalização ou não destes atos. O processo subiu à Relação do Porto e, mais tarde, ao Supremo Tribunal, que fixou jurisprudência e considerou que nestes casos se trata de crime de dano qualificado.

Foi este crime que esteve em julgamento no Juízo Local Criminal de Penafiel, com a sentença a ser conhecida nesta quinta-feira. A juíza considerou que os factos da acusação ficaram provados, tendo em conta que os dois jovens confessaram. Além disso, mostraram arrependimento e já repararam os danos causados à CP. Sem antecedentes criminais e bem integrados a nível familiar e social, o estudante universitário e o jovem trabalhador acabaram condenados a uma pena de cem dias de multa. No entanto, a magistrada decidiu substituir a multa por uma admoestação, o que considerou suficiente em face das circunstâncias. Além disso optou pela não transcrição da condenação para o registo criminal dos dois jovens para que não sejam penalizados na procura de emprego.

Como o MP aceitou o trânsito em julgado, a juíza proferiu logo a admoestação, que definiu como um "puxão de orelhas". "Isto não volta a acontecer", disse aos dois arguidos, classificando a conduta deles como uma "estupidez de juventude". "Quando se é novo faz-se alguns disparates. Andar a grafitar comboios é crime e levam uma lição que quando fazem isso há consequências", disse a magistrada, dirigindo-se aos dois jovens.

Caso foi até ao Supremo

O crime de dano qualificado tem uma moldura penal até 600 dias de multa ou até cinco anos de prisão. É um crime público e não necessita de queixa. Mas neste caso houve entendimentos diferentes se os graffiti eram dano qualificado. Após os jovens serem identificados por fazerem graffiti em duas carruagens, uma ficou com pinturas numa superfície de 40 metros quadrados e outra de 25. Quando chegou a tribunal, o juiz de instrução de Marco de Canaveses invocou a lei 61/2013 - criada para regulamentar os graffiti e estabelecendo um regime de contraordenações para ser aplicado quando não tiver sido atingida a integridade do bem - e não pronunciou os arguidos pelo crime de dano qualificado como acusava o MP. O juiz decidiu que a aplicação de uma contraordenação era o correto, com os dois envolvidos a pagarem e a resolverem a questão.

O MP recorreu para a Relação do Porto, que teve entendimento diferente. Este tribunal superior decidiu, em acórdão de 2017, que a lei 61/2013 pretende aplicar contraordenações quando os factos em causa não estiverem sujeitos a aplicação de sanção mais grave. "Ora no caso a conduta dos arguidos preenche também os elementos típicos objetivos e subjetivos do crime de dano qualificado imputado, pelo que como norma mais grave é a ele subsumível a conduta em causa", decidiram os juízes.

A defesa dos jovens não se conformou e recorreu ao Supremo, argumentando haver jurisprudência, já invocada pelo juiz de instrução, do Tribunal da Relação de Lisboa que apontava no sentido inverso, isto é, não pronunciava arguidos pelo crime de dano em processo semelhante. Em setembro de 2018, o pleno do Supremo acordou que "a Lei 61/2013 não descriminalizou qualquer das condutas típicas do crime de dano, nomeadamente a de desfiguração", pelo que fixou jurisprudência e, como tal, o caso voltou ao tribunal de Penafiel para ser julgado, livrando-se os arguidos da contraordenação mas respondendo em julgamento pelo crime de dano qualificado.

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