Holocausto. "Gostaria de dizer que os alemães aprenderam a lição de uma vez por todas"
Foi com "profunda tristeza" que o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier se dirigiu aos cem sobreviventes do Holocausto e a mais de 40 líderes mundiais e curvou-se perante a memória do "assassínio industrial em massa de seis milhões de judeus, o pior crime da história da humanidade" cometido pelos seus compatriotas. O discurso foi proferido no Memorial do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém, durante as cerimónias comemorativas do 75.º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz.
"Gostaria de poder dizer que nós, alemães, aprendemos com a nossa história de uma vez por todas, mas não posso afirmá-lo quando o ódio está a espalhar-se", lamentou Steinmeier, o primeiro presidente alemão a proferir um discurso no Yad Vashem.
"Estou diante de vós e gostaria de poder dizer que a nossa memória nos tornou imunes ao mal. Sim, nós, alemães, lembramo-nos. Mas às vezes parece que compreendemos melhor o passado do que o presente."
O chefe de Estado alemão alertou para as novas roupagens dos criminosos. "Os espíritos maus surgem hoje com uma nova aparência, apresentando o seu antissemitismo, o seu nacionalismo, o seu pensamento autoritário como uma resposta para o futuro - como uma nova solução para os problemas do nosso tempo.".
Ao falar do ressurgimento de ódios, do extremismo e da intolerância, deu como exemplo crianças judias que são "cuspidas no pátio da escola" na Alemanha. E recordou também o ataque antissemita a uma sinagoga na cidade alemã de Halle, em outubro. "As palavras não são as mesmas. Os perpetradores não são os mesmos. Mas é o mesmo mal."
"A responsabilidade histórica da Alemanha não vai expirar", enfatizou. "Queremos estar à altura e devem julgar-nos por isso."
Se o tema do maior encontro diplomático de sempre em Israel foi o Holocausto, bem como o ressurgimento do antissemitismo, a política acabou por tomar conta do palco, com o primeiro-ministro israelita a querer transformar o Forum Mundial do Holocausto num evento de condenação ao regime teocrático do Irão.
"Convido todos os governos a unirem-se no esforço vital de enfrentar o Irão", disse o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. "Não pode haver outra Shoah."
"Ainda não vimos uma postura unida e resoluta contra o regime mais antissemita do planeta, um regime que procura abertamente desenvolver armas nucleares e aniquilar o único Estado judaico".
Na quinta-feira afirmou que Israel "saúda" Trump "por confrontar os tiranos de Teerão que subjugam o seu próprio povo e ameaçam a paz e a segurança do mundo inteiro".
Para Netanyahu se "Auschwitz é o símbolo máximo do mal é também o símbolo máximo da impotência judaica". E disse qual é a principal lição do Holocausto: "Israel fará o que for preciso para defender o nosso Estado, defender o nosso povo e defender o futuro dos judeus".
O governo de Israel opôs-se ao acordo nuclear assinado em 2015 entre o Irão e os cinco países com assento no Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha. O acordo previa o levantamento das sanções a Teerão em troca da limitação do enriquecimento de urânio para impedir o regime de fabricar armas nucleares.
Netanyahu elogiou Donald Trump por ter abandonado o acordo em 2018 e por ter pressionado as potências europeias a seguir o exemplo.
Em sintonia, o vice-presidente norte-americano Mike Pence exortou a comunidade internacional a "manter-se firme" contra o Irão, dizendo que é o único país onde a negação do Holocausto é "política de Estado".
Para Pence, o Holocausto mostrou o que acontece "quando os impotentes clamam por ajuda e os poderosos se recusam a responder". O vice de Trump - que convidou Netanyahu a deslocar-se na próxima semana à Casa Branca - lembrou a visita que realizou no ano passado a Auschwitz, onde mais de um milhão de judeus foram exterminados pelos nazis.
"Não se pode andar pelos terrenos de Auschwitz sem ser tomado de emoção e tristeza. Não se pode ver as pilhas de sapatos, as câmaras de gás, os crematórios, sem perguntar: 'Como é que foram capazes?'."
Diálogo é o que propõe Vladimir Putin. O líder russo aproveitou a ocasião para propor uma cimeira de líderes dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para "defender a paz" face à instabilidade global. Convidado com honras especiais, o ex-agente do KGB aproveitou o palco para tentar voltar a pôr o seu país no centro das instituições internacionais.
A Rússia enfrenta sanções económicas internacionais devido à anexação da Crimeia, em 2014, e do apoio às regiões separatistas do leste ucraniano, em guerra com Kiev. Moscovo foi também expulso do grupo dos países mais industrializados.
"Os países fundadores das Nações Unidas, os cinco Estados que têm a responsabilidade especial de salvar a civilização, podem e devem ser um exemplo", disse Putin na cerimónia. (Refira-se que a República Popular da China não foi um estado fundador nas Nações Unidas, tendo sido admitida em 1971 em troca com a República da China, Taiwan).
Para Putin, a reunião "desempenharia um grande papel na busca de respostas coletivas aos desafios e ameaças modernas", disse. O dirigente sugeriu que a Líbia poderia estar na agenda após as recentes conversações de paz em Moscovo e em Berlim.
O presidente russo "viu uma reação positiva" de "vários dos colegas" ao seu desafio.
Putin, que está envolvido na guerra na Síria, afirmou que os países devem "fazer tudo para proteger e defender a paz". Sobre o Holocausto, "um dos mais terríveis capítulos da história da humanidade", apontou que os crimes dos nazis, em especial "chamada solução final para a questão judaica é um dos mais negras e vergonhosas páginas da história moderna mundial".
Putin, que tem vindo a protagonizar uma disputa com o homólogo polaco Andrzej Duda sobre as responsabilidades históricas dos povos e dos seus governos, voltou a acusar outros além dos alemães.
"Não devemos esquecer que este crime também teve cúmplices. Eles eram muitas vezes mais cruéis do que os seus mestres. Fábricas de morte e campos de concentração eram servidos não só pelos nazis, mas também pelos seus cúmplices em muitos países europeus."
No mês passado, Putin deixou os polacos em ira depois de ter afirmado que a Polónia tinha conspirado com Adolf Hitler e contribuído para o deflagrar da Segunda Guerra Mundial.
A Polónia, pelo contrário, diz que Moscovo está a reescrever a história e a tentar esquecer o acordo de não agressão entre alemães e soviéticos, o pacto Ribbentrop-Molotov. Na terça-feira, o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki acusou a URSS de ter sido um "facilitador" da Alemanha nazi.
Putin disse que a União Soviética "pagou o preço mais alto, mais do que qualquer outro. Vinte e sete milhões de russos foram mortos. Esse é o preço da vitória."
Para o presidente russo 40% das vítimas judias do Holocausto eram cidadãos soviéticos, um número que é contestado pelos historiadores.
O presidente francês, que na véspera se envolveu numa discussão com os agentes da segurança israelita, negou qualquer comparação entre o regime nazi e o iraniano, ao dizer que "o Holocausto não pode ser manipulado, nem alvo de revisionismo nem utilizado politicamente".
Emmanuel Macron, sem mencionar o Irão, Israel, os Estados Unidos, ou a Rússia, afirmou que "ninguém tem o direito de invocar os seus mortos para justificar as divisões ou o ódio contemporâneo, porque todos os que morreram nos obrigam à verdade, à memória, ao diálogo e à amizade".