Escola Gualdim Pais. "É preciso manter a normalidade, a bem da nossa saúde mental"
Quando um aluno tossiu, e deu sinais de ter febre, no início de março, o estado de alerta começou na Escola Básica Integrada Gualdim Pais, em Pombal, mesmo antes de decretado pelo Governo. Mesmo antes das escolas fecharem, por longos seis meses. "Quando hoje falamos no assunto até nos rimos. O meu colega esteve na sala de isolamento com o aluno durante horas, a falar com o pai - que é camionista e estava em viagem - e com a Saúde 24. Usou uma máscara de papel que ainda tínhamos, do tempo da gripe A, e o aluno não tinha máscara nenhuma. É claro que hoje estamos muito mais conscientes e mais preparados". Sara Rocha, diretora do agrupamento, conta ao DN como tem sido feito o caminho para o regresso às aulas, no ano mais estranho da vida de todos. Aquele é um lugar de sorte, para quem o frequenta todos os dias: no ponto mais alto, vê-se dali a cidade e a serra de Sicó. Há espaço, muito espaço exterior, onde cabem campos de futebol, canteiros de suculentas, uma horta e até um pequeno galinheiro.
Mas dentro das salas é que tudo se iguala. Mesas para dois, que não permitem distanciamento sequer de meio metro. Os últimos dias foram de intenso trabalho por parte da direção, professores e funcionários. Há marcações de sentido de circulação por toda a parte, sinais de proibição aqui e ali. As 22 turmas de 2º e 3º ciclos, bem como as seis do primeiro, não sofreram grandes alterações, "porque habitualmente as nossas turmas já não são muito grandes", explica Sara Rocha, há 18 anos responsável máxima da direção da escola. "Só temos uma turma com 28 alunos. As restantes têm à volta de 20", acrescenta, embora sublinhe que este é um cenário apenas relativo à escola-sede. Inaugurada há 25 anos, a escola Básica Integrada Gualdim Pais fez parte de um modelo que, com o tempo, o Ministério da Educação acabaria por abandonar - num mesmo edifício convivem as crianças desde o 1º até ao 9º ano de escolaridade. Porém, Sara Rocha, professora de Educação Visual, já não se imagina a trabalhar numa escola diferente, por acreditar nesse registo e lhe parecer benéfico sobretudo para os alunos.
Na verdade, este regresso às aulas começou a ser preparado ainda no final do ano letivo passado. E a primeira prova de fogo aconteceu logo a 1 de junho, quando os Jardins de Infância do Agrupamento voltaram a abrir portas. Com muitos receios, os pais de 40% das crianças voltaram a deixá-las no infantário, o que quer dizer que a maioria preferiu continuar em confinamento. "Mas isso alertou-nos logo para uma série de aspetos", adianta a diretora, que nos últimos dias insiste com todo o corpo docente para que se passe "uma mensagem de tranquilidade e de segurança".
No caso do pré-escolar e do primeiro ciclo, o trabalho tem sido facilitado pelo apoio da autarquia local. Já no caso dos restantes níveis de ensino, na escola sede, a direção anda a tentar não se desorientar "com tantas orientações" que chegam da tutela. "No meio de tantas regras é importante termos a noção daquilo que é importante cumprir: o uso da máscara, desinfeção das mãos, manter o distanciamento; e sempre que possível manter a "bolha", o grupo-turma na mesma sala". Ali, na Gualdim Pais, os alunos só vão mudar de sala para as aulas temáticas (EV ou TIC).
Também vão continuar a ir à casa de banho sem hora marcada. Aliás, Sara Rocha recorda que "não era uma regra da escola facilitar as idas à casa de banho em tempo de aula, mas os professores vão agora fazê-lo".
A poucas horas da abertura das portas aos 450 alunos que frequentam a escola, a diretora confessa ao DN que "estes primeiros dias vão ser muito importantes para perceber se aquele manual de regras que o Ministério e a DGS mandaram tem que ser assim, ou vai ter de ser adaptado".
À hora em que decorre esta conversa há pais que vão chegando à escola. Porque o agrupamento decidiu fazer reuniões presenciais com aqueles que entram pela primeira vez para o pré-escolar, e também para o primeiro ano de escolaridade. "Sobretudo para esses, que são mais pequeninos, é importante que exista para os pais uma mensagem de conforto, além de tranquilidade", sublinha Sara Rocha. Nos restantes ciclos, decorreram já no início da semana as reuniões com os encarregados de educação, por videochamada.
O que lhe chega desses encontros virtuais são também sinais de calmaria. Os pais querem saber as regras de funcionamento, os diretores de turma vão respondendo. A diretora considera que, apesar de cumprido o rácio no que respeita a auxiliares de ação educativa, este tempo de exceção precisava de um reforço, contando que ali funcionam também dois Centros de Apoio à Aprendizagem. Ainda assim, a direção aposta muito na responsabilidade individual e coletiva: cada aluno e cada professor deverão deixar limpo o local onde estão ao longo do dia. É por isso que cada sala está equipada com gel desinfetante para as mãos, mas também para as superfícies. Além disso, cada secretária está dividida com uma fita que delimita o espaço de cada um. Só numa sala - a de Educação Visual - é que cada mesa é individual.
O recreio é imenso, quando comparado com a maioria dos espaços nas escolas. Sara Rocha imagina que não vai ser fácil conseguir que os alunos mantenham a máscara quando saem à rua.
"É claro que vai ser difícil. Não podemos ter a pretensão de conseguir controlar tudo. Além disso, faz parte de ser jovem. Por natureza eles estão sempre a quebrar regras. Faremos o nosso trabalho de sensibilização, mas não deveremos fazer disso nenhum drama. Não há risco zero", diz.
Para minimizar este ano e "este processo de aprendizagem para todos", a escola Gualdim Pais espera continuar a desenvolver o conjunto de projetos que ao longo dos anos a tornam dinâmica, aos olhos de toda a comunidade escolar. "Vamos tentar manter a normalidade. Porque preocupamo-nos muito com a saúde física, mas há aqui uma parte que é tão ou mais importante, que é a saúde mental".
Um dos projetos é a horta biológica, que a auxiliar Deolinda Sousa trata com todo o empenho, com a colaboração de pequenos ajudantes. Está à espera da reforma desde o princípio do ano, mas garante que "mesmo depois de reformada, se me deixarem, virei cá dar a minha ajuda". É aquela horta que abastece muitas listas de compras, a preços simbólicos. Nas traseiras, há ainda duas galinhas que têm sido incansáveis a por ovos. E um pouco afastado, uma espécie de horto de suculentas, num rasto verde que anima o chão ladrilhado.
Por ali perto há um campo de futebol, que por estes dias está repleto de miúdos, no âmbito do ATL em funcionamento desde o início do mês. São do primeiro ciclo, e por isso não têm obrigatoriedade de usar máscara. E por isso tudo parece normal. O concelho de Pombal é um dos que regista níveis mais altos de infeção por covid-19 no distrito de Leiria. Os números apontam para 30 casos ativos, dos 130 contabilizados desde o início da pandemia. Nos 16 concelhos do distrito de Leiria há 185 casos ativos. De resto a região centro regista 4669 casos dos 19.220 ativos, segundo as contas da DGS. É a terceira região com mais casos, depois de Lisboa e Vale do Tejo e da Região Norte.