"E esse concerto que vamos ver quanto tempo é que demora?"

Cerca de 600 alunos de duas escolas de Lisboa participam no programa "Música na Escola" da Fundação Gulbenkian. Depois dos encontros com músicos da Orquestra e das oficinas pedagógicas, o primeiro concerto é esta semana.
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"Ah! Desarrumaram a sala toda!", espantou-se um dos alunos quando viu as mesas todas a um canto e as cadeiras colocadas em círculo. "Foram vocês?", perguntou às monitoras. "E deixaram-vos?" Cristina Brito da Cruz lembra-se da cara de espanto do rapaz. Não só deixaram desarrumar a sala de aula como vão pedir aos miúdos que fiquem de pé, que andem de um lado para o outro, que batam palmas. "Com regras, essa é a parte complicada", diz a professora de formação e pedagogia musical, responsável pela coordenação do programa "Música na Escola" da Fundação Calouste Gulbenkian. "Um dos objetivos destas oficinas é habituá-los a pertencer a um grupo, sentirem uma pulsação em conjunto." Tal como acontece numa orquestra.

Neste ano letivo, são cerca de 600 os alunos do 2º ciclo das escolas Josefa de Óbidos e Marquesa de Alorna, em Lisboa, que participam neste programa que tem como objetivo primeiro formar espetadores para os concertos da Orquestra Gulbenkian. Cristina Brito da Cruz explica como, antes de mais, a ideia é pôr em ligação três mundos que têm estado afastados: o dos músicos que tocam em orquestras, o dos professores de música e o dos alunos. "Estas escolas estão mesmo ali ao lado da Gulbenkian mas muitos dos alunos nunca lá foram ou provavelmente só visitaram os jardins." Para muitos o primeiro concerto será amanhã, quando forem ver a Orquestra tocar Pedro e o Lobo, de Prokofiev, e O Carnaval dos Animais, de Saint-Saëns.

Mas, antes disso, tudo começou com a visita de alguns músicos da Orquestra Gulbenkian às escolas. "Queríamos que as crianças vissem a orquestra não como um grupo de pessoas anónimas mas pessoas com um nome", diz Cristina Brito da Cruz. São a Marine que toca contrabaixo, o Patrick que toca viola, a Raquel que toca violoncelo, e por aí fora. "Ao conhecê-los, percebem que são pessoas como nós, vêm de partes diferentes do mundo, falam português, alguns falam com um sotaque diferente." São 16 os músicos envolvidos nesta atividade.

Nesses encontros, os alunos têm também oportunidade de ver de perto os instrumentos, "por dentro e por fora", aprender como se desmonta um clarinete, mexer nas cordas do violino, fazer perguntas. Por fim, os músicos tocam um pouco para que os alunos tomem contacto com o repertório de música de câmara. "São apenas dez minutos, mas eles percebem que têm de ficar em silêncio e quietos, como se devem comportar num concerto."

Num segundo momento, os alunos participam nas oficinas pré-concertos. Os monitores são todos formados na Escola Superior de Música, têm experiência no métodos Kodály e são também eles músicos ou maestros. Nestes encontros de hora e meia, os alunos cantam, fazem percussão, são narradores, experimentam coreografias, transformam-se em maestros, de batuta na mão, a dirigir uma orquestra. Tudo envolvido em brincadeira.

Fomos espreitar uma oficina na Escola Marquesa de Alorna com o monitor Alexandre Gomes. Vicente tem 10 anos e tem aulas de clarinete na Orquestra Metropolitana de Lisboa. Sabe perfeitamente que na orquestra há os instrumentos de corda, metais e as madeiras. Giovana tem 11 anos e só foi a concertos de música erudita com a escola. Clara tem 10 anos e está muito habituada a ir à Gulbenkian com os pais. Gosta sobretudo dos concertos das "músicas do mundo" porque são sempre diferentes. "E esse concerto que vamos ver quanto tempo demora?", pergunta Gonçalo, o mais irrequieto da turma. Não é fácil mantê-los atentos.

"Temos crianças com origens e experiências muito diferentes. É importante mostrar-lhes como a música erudita pode ser divertida e também criar-lhes hábitos de estar quieto, atento, em silêncio. Tudo isso é trabalhado nestas oficinas", explica Cristina Brito da Cruz. O programa continua ao longo de todo o ano letivo, com mais dois concertos (em março e em maio), antecedidos de visitas e oficinas. "Acreditamos que esta experiência muda a perspetiva dos miúdos porque quando eles vão ao concerto há uma proximidade emocional."

Na conversa final, em torno das obras que vão ouvir, é claro que todos já sabem que o contrabaixo faz a música do elefante e que os violinos fazem a música da tartaruga. Não se sabe bem as voltas que a conversa dá até que alguém fala do Beethoven, que era surdo e mesmo assim compôs tantas músicas. A Catarina levanta o dedo para falar: "É bué da triste porque ele fez a música e não a conseguia ouvir, não é?"

Pedro, o Lobo e outros carnavais
Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
Amanhã e quinta para escolas. Domingo (12.00 e 17.00) para o público em geral.
Bilhetes: 10 euro

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