Açores. A urgência de proteger a riqueza oceânica que (ainda) é a sua marca

Região privilegiada em biodiversidade marinha, os Açores vão avançar para a proteção de 15% da sua área oceânica até 2021. Relatório científico do programa Blue Azores, hoje divulgado, é o primeiro passo
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Há passos que vai ser necessário dar: estabelecer a proteção total em algumas áreas marinhas-chave, ainda a designar, promover a pesca regional e as artes sustentáveis de salto e vara, trabalhando a par disso para eliminar na região a pesca de larga escala e os seus métodos não sustentáveis, como o do palangre, apostar numa gestão integrada para a conservação da biodiversidade marinha e promover a educação e a literacia sobre o oceano no arquipélago.

Estas são as principais recomendações do relatório final de duas missões científicas realizadas em 2016 e 2018 nos mar dos Açores, no âmbito do programa Blue Azores, uma parceria entre as fundações Oceano Azul e Waitt e o governo regional. O relatório científico final, com as conclusões e recomendações é apresentado esta sexta-feira em São Miguel.

"Este é o primeiro passo de uma estratégia para o oceano na região", afirmou ao DN Emanuel Gonçalves, biólogo, administrador da Fundação Oceano Azul para a área da conservação e um dos autores do relatório científico hoje apresentado.

"Com base nos novos conhecimento que obtivemos durante as expedições, vai ser possível agora identificar as novas áreas marinhas que vão ter estatuto legal de proteção a partir de 2021".

O objetivo é ter no prazo de três anos 15% da ZEE dos Açores com o estatuto de áreas marinhas protegidas. "No início de janeiro deveremos realizar o primeiro workshop técnico para identificar as potenciais áreas para futura proteção, no verão do próximo ano contamos tê-las identificadas e depois vai ser necessário fazer um processo de discussão com os pescadores, para finalmente elas serem definidas e terem estatuto legal em 2021", diz Emanuel Gonçalves.

Poucos predadores de topo nas zonas costeira são sinal de fragilidades

As conclusões do relatório científico são claras: os Açores têm "alguns dos mais importantes ambientes insulares, de mar aberto e de oceano profundo", mas, "apesar da sua relevância, este capital natural está ameaçado e é urgente a sua proteção".

Um dos dados mais reveladores do relatório científico é o que mostra que, do ponto de vista das saúde dos ecossistemas, existem "poucas diferenças entre as áreas marinhas protegidas e as não protegidas, à exceção daquelas onde a proteção é forte, como é o caso das Formigas e da Reserva Voluntária do Corvo". Isso indica que a "proteção vigente é ainda pouco eficiente", e que será "necessário aumentar o número, o tamanho e a eficácia de proteção", mudando-a para "proteção total ou elevada", diz o relatório

Sintoma destas fragilidades é o de se observarem poucos predadores de topo nas zonas costeiras do arquipélago, mesmo nas mais profundas, "o que indicia pressões elevadas junto à costa".

Uma nova fonte hidrotermal e um jardim de coral

As duas expedições científicas, das quais "resulta hoje um retrato mais fidedigno do mar dos Açores e dos seus fundos oceânicos", como sublinha Emanuel Gonçalves, permitiram documentar o potencial da região, mas mostraram também as suas fragilidades e confirmaram a necessidade de avançar para uma maior proteção marinha na região.

Ao todo, nas duas missões, foram cartografados mais de 21 mil quilómetros quadrados de fundos marinhos que nunca tinham sido estudados e isso acabou também por ser fonte de importantesnovidades.

Uma delas foi a descoberta de uma nova fonte hidrotermal antes desconhecida, que a equipa batizou com o nome de Luso. Outra foi a descoberta de um jardim de coral, que é o mais extenso e denso até hoje encontrado nos Açores e que, de acordo com o relatório científico final "é um excelente candidato ao estatuto de Ecossistema Marinho Vulnerável". Ou seja, segundo os cientistas é aconselhável que sejam criadas medidas de proteção total para este precioso jardim submerso.

Algumas das colónias deste extenso campo de coral estão ainda intactas e atingem um metro (m) de altura e 1,5 m de diâmetro, com uma idade estimada de cem anos - um local especial. No entanto, não faltam ali também os sinais de "impactos significativos provocados por artes de pesca de fundo", (os palangres), a tal pesca de larga escala insustentável que o relatório recomenda que seja eliminada da região.

Um programa para a literacia azul

Outro dado a reter é este: o lixo marinho é uma presença frequente no fundo marinho na região.

As recomendações apontam por isso para uma conservação e proteção mais eficazes, que terá que passar, para além do aumento das áreas marinhas protegidas - uma decisão já tomada em fevereiro deste ano pelo governo regional, que quer ter 15% da ZEE açoriana protegida-, pela sua sua gestão integrada, "com proteção total e medidas mais eficazes de regulamentação da pesca em toda a região", recomenda o relatório.

O estudo aprofundado do campo hidrotermal Luso para se perceber "a sua influência nos ecossistemas marinhos vulneráveis, associados aos montes submarinos", é outras recomendações dos autores do relatório científico.

De resto, a parceria Blue Azores, constituída em fevereiro deste ano entre as fundações Oceano Azul e Waitt, e o governo regional dos Açores, está a dar os primeiros frutos. Com base nestes novos conhecimentos, como nota Emanuel Gonçalves, "vai ser possível agora avançar para uma proteção mais eficaz dos ecossistemas marinhos na região".

Além do trabalho que se segue para a criação das novas áreas protegidas, o programa Blue Azores aposta também na educação e na literacia sobre o oceano, o seu conhecimento e as suas potencialidades, incluindo ao nível de uma economia sustentável, que vê mais valor nos peixes vivos do que nos peixes mortos. É por isso que o programa-piloto educacional já ali iniciado, para formação dos professores do primeiro ciclo, vai ser já neste ano letivo alargado a todo o arquipélago.

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