Quando ficou desempregada, no final de 2015, com um pré-aviso de 15 dias por estar a recibos verdes, Mariana, então com 40 anos e uma filha pequena, teve de "arranjar uma solução às três pancadas". Tinha uma casa sua em Cascais, que estava a pagar ao banco e entretanto se tinha tornado pequena para ela e a filha, no mercado de arrendamento tradicional, mas com muito más experiências. "Então, pensei: se fizer alojamento local vai entrar dinheiro.".Pensou e fez. "Vivia perto e no início, porque não tinha conseguido arranjar trabalho e como não tinha dinheiro para pagar a alguém, era eu quem fazia tudo." Cobrava entre 50 e 80 euros diários e tinha uma taxa de ocupação de 75%: "Havia bastante procura, primavera e verão sempre cheio. Caía nos meses de outubro-novembro e janeiro-fevereiro.".Mas ainda assim, contas feitas às despesas, incluindo o empréstimo, o que tirava líquido da atividade era muito menos do que esperava. "Ao contrário do que se diz, a atividade não era tão rentável assim. Pelo menos para quem apenas tem um AL e paga todos os seus impostos e obrigações. Cumprindo todas as obrigações e declarando tudo o que deve ser declarado, não acredito que alguém consiga ganhar líquido mais do que o dobro disto só com um AL. Mas é bem possível que o segredo seja a evasão fiscal, que não pratico nem nunca pratiquei." .Sem dúvida, admite, "que gera cashflow e pessoalmente não acho que os impostos sejam pesados. Mas daí a ser a galinha dos ovos de ouro de que falam, nem pensar. Basta tentar perceber como funciona e tudo o que é preciso para que funcione bem. Aumentando o negócio, com mais do que um AL, capitaliza-se a coisa, recorrendo a toda a magnífica atividade precária e mal paga que gera. Quem tem vários (como as companhias e sociedades por detrás da vergonha dos desalojamentos), consegue rentabilizar. Só com um apartamento acho difícil.".A não ser que, como no caso de Fernando, 45 anos, o apartamento esteja situado na zona mais procurada da capital, junto à Sé, e pela sua dimensão - é um T4 - permita preços de 200 euros por dia, ou seja, num mês de ocupação total, 6000 euros brutos. "Arrefecimento do mercado? Não senti", diz. "Aliás, este último inverno foi muito bom. É verdade que as despesas são muitas, mas no meu caso compensa. Acredito é que para quem tem casas pequenas, T1, a pressão seja muita e não se consiga fazer face à concorrência hoteleira. Creio que seria importante saber as tipologias dos imóveis que estão a sair do mercado."."A limitação de licenças foi uma coisa bem feita".A casa que Mariana colocou no AL era um T2, mas, claro, fora de Lisboa. E para além da rentabilidade não ser fantástica ainda teve direito a azares: "Corres sempre o risco de apanhares alguém que te destrói a casa. Os hóspedes têm uma hora de saída e há outros a entrar - e chegas à casa e está tudo destruído." Aconteceu-lhe? "Sim. Partiram-me um sofá novo. Ainda estou para saber como. O Airbnb [a plataforma de marcação, através da qual as reservas e os pagamentos são efetuados] pagou os estragos, mas não paga o tempo que a casa está fechada. Era um stress desgraçado. E apesar de ter o máximo de cuidado para não incomodar os vizinhos, quando começou o empolamento em torno do AL cheguei a receber recadinhos anónimos com ameaças. Envelheci mais com o AL do que nos dez anos anteriores.".Vai daí, sentou-se a fazer contas. "Com os preços do arrendamento tradicional a aumentar, dava ela por ela. Conseguiria arrendar por 800 ou 900 euros. Cheguei a ter a casa anunciada e tive imensos interessados. Mas acabei por vender, em 2018, aos primeiros reformados estrangeiros que me apareceram com dinheiro na mão, porque ter uma casa é estar sempre a precisar de investir. Não nasci para aquilo. Achei que não valia a pena matar-me a trabalhar por 300 a 400 euros líquidos ao final do mês. Já não era uma solução, era um problema. Concluí que se alguém ganha dinheiro com isto são os gestores.".Os gestores de que Mariana fala são os profissionais liberais ou empresas que "tomam conta" do imóvel para o colocar no mercado do AL, mediante uma percentagem dos proventos que se situa normalmente nos 30% ou 35%. Rúben Pimenta e João Pedro Ramos, ambos de 32 anos e formados em gestão, desde 2015 a trabalhar como "gestores de Airbnb", não se queixam. "Os anos têm sido mais ou menos constantes. Em termos de rentabilidade não tem havido variações significativas", informa Rúben..Trabalham em Lisboa, onde gerem 15 casas ao todo, entre centro histórico - freguesia da Misericórdia -, Rato e Avenidas Novas, e no Algarve, onde têm quatro. "O feedback que temos dos proprietários é de que estão satisfeitos. É claro que o preço das rendas de longa duração subiu e pode haver pessoas a ponderar passar para esse mercado. Um dos nossos clientes, com quem começámos a trabalhar no ano passado, está a pôr essa hipótese, porque a rentabilidade em certas zonas está ela por ela. Mas vai esperar pelo verão para decidir.".Rúben concorda com Mariana em que a atividade é trabalhosa: "Temos de estar sempre em cima das limpezas e das lavandarias para assegurar um serviço de qualidade e mexemos muito nos preços consoante a procura.".Quanto à evolução, crê que depende não só, obviamente, da procura e da evolução dos preços no mercado de arrendamento de longa duração - que crê tenderem a baixar - como do que acontecerá em termos legislativos. "A limitação das licenças [refere a medida tomada pela Câmara Municipal de Lisboa no sentido de interditar mais licenças de AL em certos bairros] foi uma coisa bem pensada e bem feita. Gosto de que as pessoas que nos vêm visitar estejam em bairros onde há moradores. Mas se se começar a limitar o número de dias em que se podem ter as casas no Airbnb, como aconteceu em Berlim e noutras cidades, a coisa vai ficar complicada." Suspira. "Isto começou sem lei, depois fez-se uma legislação muito facilitista e agora começaram a querer regulamentar seriamente e se há coisas com que concordo há outras, como a obrigatoriedade de seguros que nem sequer existem no mercado, que não estão bem. Há uma grande confusão."."Há sempre uma parcela de underperformers".Desde que as novas regras referidas por Rúben entraram em vigor, há seis meses, houve, de acordo com os números do Turismo de Portugal, 1914 proprietários que pediram para cancelar a exploração; só em 2019, as cessações rondaram as 1200. E neste primeiro trimestre os novos pedidos caíram 40% em todo o país e 60% só em Lisboa, que tem no momento cerca de 18 mil casas registadas como AL, para turistas, mais de 21% do total no país, que é de 83 mil..As desistências, porém, podem ser muito mais do que aquilo que os números oficiais dão a ver. Mariana, por exemplo, não deu baixa da sua licença quando vendeu o apartamento. E muita gente poderá não o fazer, já que as novas regras, impondo um alto valor de mais-valias relacionado com o AL, levarão muita gente a não dar baixa da licença para não pagar, ao vender, o imposto correspondente. Por outro lado, aparentemente não será impossível colocar um imóvel licenciado para o AL no arrendamento tradicional - algo que Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), sublinha ser uma vantagem que advém do facto de o AL estar a ser considerado, em termos de definição de uso, como habitação e não como espaço comercial. "A grande vantagem do alojamento local é justamente a facilidade de retornar ao mercado habitacional, desde que não venham com alterações de uso. Isso seria o fim do Al e muito prejudicial nesta fase para o próprio mercado habitacional.".Por isso mesmo, não vê a quebra nos registos e as desistências - que a ALEP prevê poderem alcançar só em Lisboa 10% a 15% dos imóveis agora licenciados - como um problema. "É algo normal que acontece em praticamente todas as atividades. Há sempre uma parcela de underperformers que provavelmente vão descobrir ou estão a descobrir pela sua própria experiência que a expectativa real do alojamento local não é de perto aquela que estava a ser mediatizado. A grande mediatização do AL com a mensagem errada de que era uma galinha dos ovos de ouro levou muita gente a entrar na atividade sem fazer contas. O AL tem um grande número de despesas que muitos dos novos operadores não teve em consideração quando iniciou. E dá trabalho. Não é só uma questão financeira.".Dando razão a Mariana, explica: "Mesmo alguém com um T1 que ganhe por exemplo mais cem ou 200 euros por mês com o AL do que no arrendamento tradicional ou com estudantes começa a ponderar se vale a pena este valor adicional, pois o custo pessoal é muito grande. Normalmente são várias horas por semana e justamente horas valiosas como os finais de semana que normalmente deveriam ser dedicados à família e à qualidade de vida.".Acresce, claro, o aumento constante dos preços no arrendamento tradicional: "Neste momento, feitas todas as contas de despesas, em muitos casos o arrendamento pode ser mais compensador. Isto já acontecia em Lisboa na maioria das zonas fora do centro histórico e agora, com o aumento da concorrência no alojamento local, também acontece em vários segmentos da zona histórica.".Assim, é natural que o efeito na capital seja mais notório: "O aumento da oferta em 2018 em Lisboa tornou o mercado do AL muito mais competitivo, e é natural que uma boa parte do grupo que está a sair-se menos bem comece a estudar outras opções. Já estava a acontecer e deve intensificar-se neste ano. É preciso aproveitar este momento para abrir novas portas, outras alternativas, nomeadamente o mercado de arrendamento ou de estudantes. Com a subida dos preços do arrendamento tradicional, com uma boa promoção dos incentivos existentes (que muitas vezes não são do conhecimento público) pode-se finalmente abrir a tal porta para uma conversão natural, por opção dos operadores e não à força, que é algo que nunca resultaria. Falta ainda conquistar a confiança de muitos proprietários no arrendamento. O seguro de arrendamento de que tanto se fala seria um passo importante neste processo.".Tudo ponderado, Eduardo Miranda vê aquilo que acredita ser "um ajuste do mercado" como "saudável". O cuidado a ter, adverte, é o de "não se estar a impedir novos registos por excesso de regras ou por criação de insegurança. Este é o caminho errado e para zonas como o Algarve, que fizeram um longo caminho de legalização, seria um retrocesso. Creio que estamos no limite, mas é preciso agora permitir alguma estabilidade legal e fiscal que perdure por algum tempo. Não há memória de uma atividade que tenha sofrido tantas alterações, e algumas tão profundas, em pouco mais de três anos".