Um decreto-lei de 2006, numa versão "bastante desatualizada", como apontam as associações ligadas à deficiência, era o mote para a criação de um grupo de trabalho - anunciado pelo Governo em 2019, com vista à revisão do mesmo. Mas dois anos depois, o grupo nunca avançou. Questionado pelo DN, o gabinete da secretária de Estado da Inclusão das Pessoas Com Deficiência, desfaz agora qualquer equívoco: "efetivamente estava anunciada a constituição de um Grupo de trabalho, composto por elementos das diferentes áreas Governativas com responsabilidades e competências no âmbito do ambiente construído, bem como especialistas, ordens profissionais e especialistas reconhecidos na matéria. Devemos ter presente que, poucos meses após o início do presente mandato, Portugal foi atingido pela pandemia SARS COV-2, situação que implicou uma profunda alteração nos planos de atividades e prioridades de agenda política. Com a pandemia, foi necessário desenhar respostas para problemas e emergências sem antecedentes. Foi um período de grandes desafios e que implicou uma total reorganização de agendas e esforços". Isto quer dizer que o grupo não avançou..A gestora de projeto da área das acessibilidades da Associação Salvador, Joana Gorgueira, já estranhava a demora. Ao longo dos últimos meses era uma das entidades que aguardava por novidades desse processo. "Uma das maneiras que temos de exigir uma mudança nesta temática das acessibilidades é que exista uma revisão ao decreto-lei. Enquanto isso não existir, por mais que batalhemos nas outras frentes, não será suficiente", considera Joana Abreu Gorgueira, que desde 2019 vem conversando com a secretária de Estado sobre o assunto..A própria governante, Ana Sofia Antunes, não nega estar perante uma prioridade. Mas ainda não chegou a hora de a resolver. A Associação Salvador reconhece "que as frentes são mais que muitas", mas "esta é uma é uma área muito importante, e é mesmo preciso resolver".."O que nós defendemos é que não temos que ser nós a fazer a revisão do decreto. Nós já enviámos algumas sugestões de melhoria, mas obviamente isto tem que ser um grupo de trabalho, com pessoas da especialidade, envolvendo engenheiros, arquitetos, e os Ministérios que for preciso para fazer esta revisão. Pois da nossa parte, o que concluímos é que existem imensas exceções à lei, e isso é que faz com que os privados conseguiam escapar e não serem acessíveis", sublinha aquela responsável. E sabe que "exceções são existir sempre". Mas quer colocar um travão na avalanche que parece dominar o país. "Por exemplo, os espaços privados, com menos de 150 metros quadrados, não são obrigados por lei a serem acessíveis. E este é um dos exemplos que nós damos. Ora isto faz com que a maioria de lojas e restaurantes não tenham obrigação legal. Mesmo havendo essa possibilidade, não são porque a lei não obriga"..O que a experiência vai dizendo às associações ligadas à deficiência é que "quem faz intervenções nos espaços, não sendo obrigado por lei, é porque têm familiares ou amigos com deficiência".."Uma revisão de um decreto não se faz de um dia para o outro e nós sabemos disso", sublinha Joana Abreu Gorgueira, certa de que, não dominando o universo da deficiência visual ou auditiva, "o decreto-lei tem que espelhar todas essas realidades. Porque não se consegue circular em qualquer cidade do nosso país com total autonomia", como ainda recentemente lembrava ao DN a deputada do BE Diana Santos, que se desloca em cadeira de rodas..Na resposta enviada por escrito ao DN, o gabinete de Ana Sofia Antunes frisa que, na sequência dessa pandemia, surgiu o processo inerente ao PRR 2021-2027 "que, por sua vez, implicou uma canalização de esforços para a preparação do programa e negociações decorrentes com a Comissão Europeia". "Neste momento, altura em que estão a ser publicados os avisos e regulamentos do PRR, o contexto político alterou-se substancialmente. Considerando as circunstâncias atuais, não disporemos de tempo útil necessário para concluir a tarefa em causa [revisão do decreto-lei], em momento anterior às eleições"..A secretária de Estado recorda, contudo, que não obstante o cenário atual, "a Acessibilidade tem sido uma prioridade no atual Governo. E exemplifica com alguns programas que resultaram em financiamento direto de intervenções, com verba do Orçamento de Estado, nomeadamente o Programa de Acessibilidades aos Serviços Públicos e na Via Pública (criado com o objetivo de melhorar as condições de acessibilidades aos serviços públicos e de intervenção na via pública para garantir o acesso, o atendimento e a livre circulação a todas as pessoas com deficiência), no âmbito do qual foram realizadas 180 intervenções em 147 organismos, designadamente em estabelecimentos do ensino superior, em centros de saúde, em centros de emprego e formação profissional, em instalações da PSP, em serviços de finanças, em monumentos e em outras instalações de serviços públicos.."O investimento requerido no momento excede os 10M€. Foram já validadas, tecnicamente, 592 intervenções em 481 imóveis de 51 entidades no valor de 8,8M€, tendo já sido transferidos 3.922.571,52€, na sequência de pedidos de pagamento formulados pelas entidades com candidaturas aprovadas", refere o gabinete de Ana Sofia Antunes, que aponta ainda um conjunto de investimentos vários ao nível de outros programas na área da acessibilidade, e que se prendem com as vias públicas, edifícios e habitações, cujos avisos serão publicitados até final do corrente mês.