'Yeezus': o tiro ao lado de Kanye West
Artista: Kanye West
Álbum: 'Yeezus'
Editora: Def Jam / Universal Music
Classificação: 2/5
Kanye West nunca foi um rapper tecnicamente brilhante, não primando pela fluidez ou versatilidade com que debita as suas rimas. Nem sequer um letrista muito inventivo. Mas se marcou de forma indelével não só o hip hop deste início de século XXI, mas a cultura popular no seu todo, muito se deve ao seu talento enquanto produtor. Essas habilidades revelaram-se de forma destacada nessa obra-prima que é The Blueprint (2001), de Jay-Z, ganhando protagonismo em nome próprio quando em 2004 se estreou com The College Dropout.
Muito mudou desde então e o ego ambicioso e megalómano de West fez também dele uma personalidade cujo raio de ação extravasa a música, sendo que, até recentemente, todas as idiossincrasias e paradoxos que transportava dentro de si tornavam-no numa figura de interesse maior. Com My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010) atingiu o ponto máximo da sua grandiosidade, enquanto persona e, naturalmente, enquanto produtor.
Depois de ter lançado com Jay-Z Watch the Throne (2011), Kanye West regressa com Yeezus, disco que nos mostra o ego e a ambição de Kanye West a tomarem proporções (quase) incontroláveis, deixando para segundo (ou terceiro) planos a sapiência que até aqui existia na composição de canções.
O álbum foi aguardado com muita expectativa e o facto de à sua volta ter sido montada uma intrincada estratégia de marketing que passou pelo secretismo dos seus pormenores teve o efeito esperado: uma mediatização imensa deste sexto álbum de estúdio do rapper.
O disco segue a via oposta de My Beautiful Dark Twisted Fantasy, ao optar por produções eletrónicas reduzidas ao máximo possível. Surgem por vezes referências à agressividade visceral de uns Nine Inch Nails. Noutra ocasião é mesmo samplado um tema dos Marilyn Manson. A distorção sonora e os ritmos mais tribais e viscerais surgem aliados a uma suposta maior agressividade do rapper. Não há aqui muitos refrães pop orelhudos, mas palavras que aqui e acolá tocam (com superficialidade) questões ligadas ao racismo ou à provocação sexual.
No entanto, no meio disto tudo algo falha. Apresentando-se com canções com formas tão cruas, acaba por ficar mais "descoberto" e, logo, todos os defeitos técnicos que sempre teve enquanto rapper mais que visíveis. Liricamente é mesmo um dos discos mais pobres do rapper. Além disso, é notório como com este som eletrónico mais visceral e minimalista Kanye West teve outra vez a ambição de mexer com as estruturas do hip hop. Só que desta vez essa ideologia disruptiva não serve as canções e, na sua maioria, elas tornam-se imemoráveis. Perdem-se nesse ímpeto provocatório. É a provocação pelo mero prazer de provocar, o risco pelo risco (ainda que a dimensão que hoje tem atenua este factor), sem trabalhar minimamente as canções, apenas a estética.
Dado o seu carácter tão idiossincrático, Yeezus soa mais como um sucessor de 808s & Heartbreak, conturbado na sua desolação interior. Só que nesse álbum existia um rasto de humanismo que neste novo disco parece quase perdido. Quase porque existe Bound 2, o tema final, assente num trabalho exemplar de cruzamento de três samples, destacando-se o dos Ponderosa Twins Plus One, enquanto Kanye West expõe a sua vulnerabilidade, que ganha maior intensidade quando Charles Wilson surge a cantar "I know you"re tired of loving, with no body to love" por cima de uma linha de sintetizador densa. Pela primeira vez voltamos a sentir um mínimo de entrega emocional por parte do rapper. Por isso, nem tudo está perdido. Mas Yeezus é claramente o primeiro grande tiro ao lado no percurso de Kanye West.