'Lincoln': O valor político da palavra

Nomeado para 12 Óscares, 'Lincoln', de Steven Spielberg, foca atenção no período em que o 16º presidente americano apresentou a emenda constitucional que aboliu a escravatura nos EUA.
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Título: 'Lincolbn'

Realização: Steven Spielberg

Com: Daniel Day Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones, Joseph Gordon Levitt

Distribuidora: Big Picture

Classificação: 5 / 5

Sinopse: Abraham Lincoln pretende avançar com uma votação de uma emenda constitucional que decreta a abolição da escravatura nos EUA antes mesmo de assinar os termos de uma rendição dos estados do Sul e assim terminar a guerra civil.

Hoje em dia, por obra e graça de uma trágica ligeireza intelectual ou por ação dos conselheiros para a "comunicação", muitos políticos vivem angustiados pela imagem que produzem. Que imagem temos? Que imagem devemos construir? Que imagem vai nascer desta ou daquela ação?... O filme Lincoln não é para tais políticos (até porque, para a maior parte deles, a visão pueril da imagem revela uma apoteótica ausência de cultura cinematográfica): apoiado num prodigioso argumento escrito por Tony Kushner, Steven Spielberg encena o trabalho político como um elaborado e complexo exercício da palavra. Das palavras.

A questão transcende o poder retórico que as palavras podem envolver. Em boa verdade, o Lincoln de Spielberg é uma personagem que sabe que o desígnio de libertar os escravos e pôr fim à escravatura só se decidirá no plano militar e económico se, em conjugação com muitas outras ações, começar a haver palavras para lidar com o novo contexto que se quer construir. Daí que este seja um filme, literalmente, sobre a letra da Lei. Daí também o valor essencial da voz, misto de certeza e vulnera-bilidade, com que o genial Daniel Day-Lewis compõe o "seu" Abraham Lincoln.

Entre os muitos momentos emblemáticos de tão prodigioso filme, registe-se o diálogo de Lincoln com Mrs. Keckley (Gloria Reuben), escrava libertada e camareira de Mary Todd Lincoln (Sally Field). Ao ouvir as memórias do efeito devastador da escravatura na família de Keckley, Lincoln pergunta- -lhe se já pensou como vai ser a vida dos milhares que estão à beira de ser libertados. Ela confessa "não saber". Na angústia com que o diz perpassa o sentido mais utópico que a política pode envolver, abrindo hipóteses de vida para as quais, afinal, ainda nos faltam as palavras.

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