'A Noiva Prometida': Numa comunidade fechada

Retrato intimista de uma família de judeus ortodoxos, "Noiva Prometida", da israelita Rama Burshtein, é o primeiro filme de uma mulher hassídica feito para um público mais vasto
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Título: 'A Noiva Prometida'

Realização: Rama Burshtein

Com: Hadas Yaron, Yiftach Klein, Irit Sheleg

Classificaçao: 4/5

Rama Burshtein é a primeira mulher judia ortodoxa a fazer um filme destinado a um público mais alargado, para lá do confinado mundo da comunidade haredi a que pertence. O judaísmo haredi tem várias correntes, pertencendo a realizadora ao grupo dos hassídicos (um ramo ultraortoxo). Mas antes de encetar a estreia na longa-metragem com este Noiva Prometida (Fill the Void, em inglês), Burshtein, de 45 anos, que se converteu ao judaísmo ortodoxo aos 25 e vive e trabalha em Tel Aviv, fez outros filmes (todos com mulheres) especificamente dirigidos ao interior da sua comunidade.

Noiva Prometida, que se estreou esta semana em Portugal, é, pois, a sua primeira obra, após esse treino restrito, a ir além dos limites desse mundo fechado, do qual nos apresenta uma visão "por dentro" e de conhecedora. O projeto terá estado em gestação durante 15 anos, tendo Burshtein demorado um ano só para fazer o casting.

De resto, o desempenho dos atores é um dos pontos fortes deste melodrama contido e intimista. Com destaque para a protagonista, Hadas Yaron, que venceu o prémio de interpretação em Veneza 2012. Ela é Shira, uma jovem mulher hassídica de 18 anos que está apaixonada por um homem de boas famílias e com futuro promissor, mas que vê a possibilidade de se casar com ele desfeita quando a sua irmã mais velha, Esther (Renana Raz), morre ao dar a luz o bebé Mordechai. Com receio de que Yochai (Yiftach Klein), o viúvo da irmã, parta para a Bélgica com o neto, onde lhe arranjaram uma possível futura mulher, a mãe de Shira, Rivka (Irit Sheleg), propõe que a filha se case com Yochai, tendo em vista o melhor interesse de Mordechai. Shira vê-se assim condicionada a uma boda arranjada e hesita em entregar-se a Yochai.

Burshtein diz que a ideia para o filme lhe surgiu de uma conversa fortuita com um amigo, tida há alguns anos, que a apresentou a uma jovem mulher que se encontrava noiva do viúvo da sua irmã. Para dotar o filme de maior veracidade, a realizadora entrevistou diversas mulheres da sua própria comunidade que levavam uma vida familiar e espiritual feliz e cujo matrimónio, embora arranjado, era abençoado pelo amor. Aliás, o dilema de Shira é esse mesmo: o de precisar do casamento e da vida conjugal para se tornar pessoa, para crescer, para aprender a amar.

Além do tom de verismo e da atenção subtil aos pormenores, Noiva Prometida é uma obra com uma estética apelativa. Filmado com uma Alexa (uma câmara digital de alta definição recente e com imagem de altíssima qualidade), o filme tem uma fotografia com uma "textura" que envolve as personagens e os objetos numa espécie de halo luminescente, contribuindo também a pouca profundidade de campo dos enquadramentos para lhe dar uma ambiência de estranheza e uma aura de "espiritualidade" bastante atraentes.

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