O Chega é apontado no estudo do ISCTE como tendo tendencialmente menos votos de mulheres.
O Chega é apontado no estudo do ISCTE como tendo tendencialmente menos votos de mulheres.Hugo Delgado / Lusa

Jovens eleitores oscilam entre a “atração pelo abismo” e a abstenção

O cientista político Pedro Magalhães avançou com dados que sugerem uma relação entre a idade dos eleitores e a extrema-direita. O especialista em sondagens José Almeida Ribeiro e o consultor de comunicação Luís Paixão Martins explicam esta tendência.
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“A grande tendência dos jovens é para a abstenção”, considera, em declarações ao DN, o consultor de comunicação Luís Paixão Martins, acrescentando que “os poucos que ligam [à política] acabam por se ligar a partidos que trazem inovação e que são causas”, como aconteceu “há 20 anos com o Bloco de Esquerda (BE)” e agora acontece com o Chega.  Portanto, os eleitores mais novos trazem consigo “uma certa atração pelo abismo”, explica.


A meio desta semana, o cientista político no ISCTE Pedro Magalhães avançou com  dados que sugerem que “a probabilidade de tencionar votar Chega diminui com a idade”,  salvaguardando, porém, que esta tendência de voto também depende de outros fatores sociodemográficos (ver gráfico da página 5), como conforto com o rendimento, nível de instrução e sexo. Estendendo esta análise ao PS e à coligação entre PSD, CDS e PPM - a Aliança Democrática (AD) - , Pedro Magalhães propõe que com o avançar da idade a tendência para votar no Chega diminui consideravelmente. “Entre os mais jovens de todos, é mais provável que declarem tencionar votar na AD ou no Chega do que no PS. Depois, a forte relação entre idade e a intenção de voto na AD e (especialmente) no PS impõe-se, com o segundo a ultrapassar a primeira por volta dos 50 e poucos anos”, sustenta o estudo.


Ao DN, questionado sobre o motivo pelo qual, de acordo com a tendência demonstrada pelos dados, os eleitores com menos de 28 anos optariam por votar no Chega, o sociólogo explica que se deve ao facto de “não terem desenvolvido ideologias e afinidades  psicológicas com os partidos existentes, estando mais disponíveis para optar por partidos de origem mais recente, novos, tais como os da direita radical”. “Por outro lado, por razões que não têm a ver intrinsecamente com a sua posição no ciclo de vida, mas sim com o facto de viverem em situações económicas mais desfavoráveis e incertas do que as anteriores gerações, com grande competição pela entrada no mercado de trabalho, que os faria tomar opções que expressam descontentamento e insatisfação com o status quo”,  aponta o sociólogo, sublinhando, porém, que “apenas cerca de um terço dos estudos existentes sobre o tema na Europa confirmam esta relação entre idade e voto na direita radical, pelo que temos que concluir que, a confirmar-se no voto (e não apenas nas intenções de voto) em Portugal, é um fenómeno contextual, próprio de uns sistemas políticos mas não de outros”.

Quanto às sondagens que originaram estes dados, Pedro Magalhães destaca, no próprio estudo, que são quatro, feitas “ao longo do ano passado” em março, maio, setembro e novembro. “Quando se quer perceber qual a relação entre a pertença a determinados grupos sócio-demográficos e o voto (ou, neste caso, a intenção de voto), um problema habitual, especialmente no estudo de opções de voto menos prevalecentes, é a dimensão da amostra. Por isso fiz o exercício de fundir as quatro bases de dados numa única, presumindo que as bases sociais destas intenções de voto não se terão alterado dramaticamente ao longo do ano. Ficamos com mais de 3 500 inquiridos”, conclui.

Com experiência em desconstruir projeções eleitorais, Luís Paixão Martins, que no ano passado lançou um livro intitulado Como Mentem as Sondagens, acompanhou a explicação de Pedro Magalhães ao sustentar que, “sendo um estudo de intenções de voto fora do período eleitoral, ele tem pouca aplicação normalmente no período eleitoral. Ou seja, as diferenças são muito grandes porque nos estudos fora do período eleitoral, mais de 70% do potencial de inquiridos não aceita responder”. Centrado na manifestação de intenções dos eleitores evidenciada pelo estudo, Paixão Martins aponta que, fora de períodos eleitorais, “os partidos mais moderados conseguem ter menos intenções de voto por não serem causas”, ao contrário dos partidos mais radicais. Neste sentido, Luís Paixão Martins destaca outro desafio para as eleições legislativas de 10 de março: “O que me deixa surpreendido é não acontecer o mesmo com a Iniciativa Liberal (IL). O que é o mau sinal relativamente ao que vai acontecer nas eleições.”

Com o nível de instrução como  um novo elemento sociodemográfico a ter em conta, o responsável técnico pela empresa de sondagens Aximage, José Almeida Ribeiro, explicou ao DN que a IL “dirige-se a uma faixa de eleitorado com níveis de escolaridade elevados. Dirige-se à elite intelectual e à elite social dos países onde existem movimentos com as características da nossa Iniciativa Liberal. E atraem eleitores com elevados níveis de instrução”.

Esta ideia é corroborada pelo estudo de Pedro Magalhães, que acrescenta que “na AD, na IL, no BE e no Livre [...] quanto maior o nível de instrução, maior a probabilidade de tencionar votar nestes partidos (mesmo que no BE e no Livre a diferença entre secundário e superior não seja significativa). E ter-se o ensino superior tem tido uma clara relação negativa com tencionar votar-se no Chega”.

Defendendo que não passa de uma opinião sua, sem valor científico mas vinda de alguém que há muitos anos lida com os fenómenos eleitorais, José Almeida Ribeiro insiste que “os jovens interessam-se cada vez menos pela política, e as suas taxas de participação política são muito baixas. Participação política em sentido amplo, seja militância partidária, seja participação em manifestações, seja a realização de baixos assinados. Os jovens, hoje em dia, envolvem-se, nas sociedades contemporâneas, em outro tipo de atividades que não a política, no sentido tradicional. Política implica a dimensão partidária. Uma das características das juventudes também é terem uma prática religiosa menos padronizada do que tinham há umas décadas. A prática religiosa já não sinaliza nenhum comportamento político. Quem quiser analisar o comportamento político, a variável religiosa, já não é relevante nas sociedades modernas contemporâneas, nas democracias modernas”, vinca Almeida Ribeiro.

Neste sentido, também o estudo de Pedro Magalhães lembra que “não há uma clivagem religiosa esquerda-direita em Portugal”, ou seja, votar num ou noutro partido não depende de convicções religiosas.

Por outro lado, o sexo será um fator a ter em conta quando o que está em causa é a tendência de voto. No estudo de Pedro Magalhães “há apenas duas opções onde aparecem diferenças significativas entre homens e mulheres. Na opção pelo Chega, claramente mais frequente entre os homens do que entre as mulheres; e na opção “Não sei” - os chamados “indecisos” -, mais frequentemente escolhida por mulheres do que por homens”.

Sublinhando novamente que parte apenas de uma opinião sua e não de um estudo científico, questionado José Almeida Ribeiro destaca que “o Chega é um partido que está à revelia do processo de modernização das sociedades. E as primeiras pessoas a perceberem-se nisso são precisamente as mulheres. Portanto, eles não têm um discurso que incorpora esta realidade social em que hoje vivemos, de aprofundamento, felizmente, da igualdade de género, da igualdade entre homens e mulheres”.

“O que eu quero dizer é que não haverá uma explicação única para o fenómeno, mas eu creio que, na minha opinião, o facto de eles estarem em dessintonia com este processo de modernização social, quer no estilo, quer no discurso, quer nos temas, quer nas propostas, os penaliza fortemente no que respeita ao eleitorado feminino”, disse José Almeida Ribeiro.

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