Desde a Era de Ashoka (250 a.C.), com interregnos durante a Era Mugal, existiu liberdade religiosa e separação entre o Estado e as organizações religiosas nesse enorme mosaico multiétnico e multicultural que é a Índia. A Constituição da Índia consagra o secularismo (de forma expressa desde 1976). Pode discutir-se se a densificação do secularismo na Índia é idêntica à prevalecente no Ocidente, mas parece claro que implica o tratamento da religião como uma matéria totalmente privada, separada do Estado e da sua organização política..Não obstante, a ascensão dos movimentos nacionalistas hindus, em especial a conquista do poder na República da Índia e em muitos estados da federação pelo Partido Bharatiya Janata (BJP), tem provocado uma cada vez maior clivagem entre comunidades indianas com base na religião..O “nacionalismo religioso” hindu tem origem no conceito de Hindutva de VD Savarkar - que levou à criação (em 1925) da Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS) - que concebia a Índia / Bharat como pátria (matri bhoomi) e como “terra sagrada” (punyabhoomi) hindu, uma nação exclusivamente hindu onde cristãos, muçulmanos e seguidores de outras religiões (no total, 20% da população da Índia) não teriam lugar..Nos anos 30 do século passado, um dos primeiros líderes da RSS, MS Golwalkar, organizou o movimento tomando como modelo a organização paramilitar de Mussolini e bebeu as opiniões dos fascistas europeus sobre as minorias, tendo afirmado que a “Solução Final” na Alemanha nazi era um modelo de como a Índia deveria tratar os seus grupos minoritários..O BJP é um produto do RSS, tendo ascendido ao poder federal (em coligação) em 1998. Mas só quando alcança a maioria absoluta (em 2014), sob a liderança de Modi - um militante do RSS desde tenra idade, tendo-se tornado um pracharak (organizador) do grupo, sendo (em 2001) eleito ministro-chefe do Estado indiano de Gujarat - começa a executar a ideologia do RSS, adotando um apartheid de base religiosa, com legislação que relega os muçulmanos (200 milhões na Índia) a um estatuto de 2.ª classe e aprovando leis que podem privar muitos muçulmanos da sua cidadania..Um jovem Narendra Modi num evento do RSS..Os estados controlados pelo BJP têm aprovado leis que tornam difícil o casamento entre hindus e muçulmanos, a conversão ao Islão, a compra de propriedades por muçulmanos em áreas dominadas pelos hindus, procurando fazer com que a plena cidadania dependa de se ser hindu. Muitas das disposições destas leis também afetam os cristãos. E, da mesma forma que, durante a chefia do Governo Estadual por Modi, a polícia de Gujarat tinha fechado os olhos a pogroms onde centenas de muçulmanos foram mortos, também as autoridades federais têm permitido vagas de perseguição com base numa mescla de ultranacionalismo e sectarismo religioso, sobretudo anti-islâmicas, bem como a propagação de milícias extremistas hindus, acusadas de atuar de forma similar às SA nazis..Se, nas eleições nacionais em curso, o BJP (e aliados) reforçar a maioria na Câmara Baixa (Lok Sabha) e a alcançar na Câmara Alta (Rajya Sabha) do Parlamento da Índia, é bem possível que altere a Constituição e o secularismo deixe de ter força de lei na Índia, abrindo caminho para a marginalização de centenas de milhões de cidadãos indianos. www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira